Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 103: Sacerdotisas De Lou Xhien

Encarou o céu noturno. Apesar do impacto ao bater a cabeça com violência no chão, aquele frio espalhando-se pelo seu corpo era bom, mas não podia perder tempo parado, foi atacado e precisava revidar.

[Você está irritado, é melhor se acalmar antes de levantar, Kurone.]

Repentinamente, a vontade de levantar e tirar satisfação desapareceu.

Certa vez, leu em um livro sobre a batalha entre dois governantes, um reinava com o seu punho de ferro, amedrontando seus homens e dando castigos severos aos mais fracos. Em contrapartida, o outro era calmo e benevolente.

Por algum motivo, os dois governantes entraram em guerra. Os soldados do tirano lutavam desesperados, temendo perderem a guerra e sofrerem o castigo do seu governante. Estavam vencendo.

No entanto, o benevolente apenas ordenou: “Levantem-se e vençam a guerra, pois estou convosco.” Ouvindo aquela voz, seus súditos levantaram-se mais fortes e com uma moral maior do que antes, bastou uma voz para reanimar seus espíritos derrotados.

Em pouco tempo, o jogo virou. O tirano viu a derrota à sua frente e praguejou, pois não podia fazer mais nada, seus soldados desertaram ao perceber a perda iminente. Ele ainda tentou ordenar “retornem e lutem”, mas ninguém o escutou. Assim o governante benevolente venceu o tirano.

Kurone era como o tirano, selvagem e agressivo, não conseguia controlar os próprios impulsos. Não importava o quanto berrasse, sua mente e corpo não o obedeciam e acabava cego pelo ódio, por isso perdeu vida na luta contra Azazel van Elsie.

Mas bastava uma palavra de Annie, a benevolente, para acalmar seu espírito agitado. A voz doce dela dissipava qualquer sentimento ruim e limpava a sua mente, permitindo-o enxergar tudo com mais clareza.

Ele suspirou profundamente e ficou de pé, encarando a garota que o levou ao chão. Ela era vinte centímetros mais baixa, os braços por baixo do kosode eram frágeis e a roupa dificultava a locomoção, porém aprendeu do pior jeito que tudo aquilo não significava nada.

Rory era pequena e possuía uma força descomunal. O corpo de Frederika era frágil, mas seu poder era suficiente para bater de frente com um Conselheiro do Inferno. O uniforme de empregada de Elsie não permitiria uma pessoa comum sequer andar, mas a demônia lutou de igual para igual contra a vampira.

Aparência visual não tinha nenhuma ligação com a força naquele mundo, tendo isso em mente, precisava ser cauteloso.

— Por que está me encarando, plebeu? Ainda não reconheceu qual o seu lugar? — A garota voltou os olhos esverdeados com desprezo para o jovem. O rosto bonito e a voz fofa contrastavam com as palavras desdenhosas.

[Lou Xhien Li. Sophiette. Dezesseis anos.]

“Ela tem o sobrenome Sophiette?”

[Não, me refiro à raça. Sophiette são híbridos de dragão e humano.]

“Nie, você está me devendo muitas explicações, eu vou cobrar tudo mais tarde.”

— Vossa Majestade, ele está apenas confuso, acabou de acordar — explicou Lou Souen, ajoelhando-se e encarando a garota com os olhos frios e inexpressivos. — Veja, ele se distrai facilmente e fica com essa cara de sonso. Dormir por uma semana não faz bem aos humanos.

— Para mim, todo plebeu tem essa cara e bobo, isso não é desculpa para me olhar como se fôssemos iguais. 

— Calma, calma, calma, parou! Como assim “dormir por uma semana”?! — Kurone olhou confuso para a sacerdotisa de cabelos negros.

Podia dizer com certeza que, no máximo, passou menos de um dia morto. Gastou muito tempo na sala de Azrael, mas definitivamente não passou mais de dez horas lá.

A passagem de tempo citada por Lou Souen só seria possível se, após firmar o pacto com Annie, tivesse dormido por todo esse tempo. Não importava como olhasse, dormir por uma semana era irreal.

[Na verdade, a passagem de tempo de um plano espiritual é diferente do mortal. O tempo que você passou no Hangar dos Mortos foi equivalente a uma semana.]

“Então eu fiquei morto por uma semana!?”

Devia ter notado isso há muito tempo. Na última vez que visitou a deusa Cecily, antes do julgamento de Sophia, também sentiu um avanço de tempo, apesar desse ser mínimo, mas não deu tanta importância por conta das circunstâncias. 

— Foi uma recuperação impressionante, — começou Lou Souen — seu coração começou a bater, mas o corpo não tinha uma alma. 

— Desperdiçamos muito tempo com você, plebeu, é bom estar disposto a nos ajudar, você voltou à vida graças aos nossos cuidados.

— Eu já cansei disso! — Kurone apontou o dedo para Lou Xhien Li. — Só tô perdendo tempo nessa droga, se não vão me ajudar, então eu vou procurar a saída sozinho — finalizou indo em direção ao torii vermelho.

Sentiu que surgiria problemas se continuasse com aquela conversa, não tinha muito tempo a perder. Precisaria arrumar algumas moedas para voltar ao Continente Ocidental.

A garota próxima ao portão vermelho abaixou a cabeça e cerrou os punhos em frustração, mas o jovem não se importou e seguiu em frente, passaria por ela sem a encarar, afinal não conhecia nenhuma delas.

Com os cuidados delas ou não, retornaria à vida, elas só fizeram o favor de proteger seu corpo enquanto estava no Hangar dos Mortos, nada mais. Não tinha dívida com ninguém… queria pensar assim, mas algo o incomodava.

[Kurone…]

“Eu sei, eu sei. Eu sou bonzinho de mais quando se trata de garotinhas em apuros. Ahhh… eu ainda vou me arrepender muito disso.” Após a concordância com Annie, ele falou:

— Vocês abrigaram o meu corpo, então tô em dívida de qualquer forma, sem falar que costuraram meu braço… — Olhou para o local mencionado. 

Ainda sentia as pontadas das linhas pretas quando movia o membro, mas a dor foi maior quando desobedeceu Azazel van Elsie e usou magia. Nunca mais queria sentir aquela tortura de ter um braço arrancado com uma violência brutal.

— Desculpe, mas esse não é o seu braço, é algo artificial, assim como o meu corpo. Seu braço original foi completamente destruído, assim como o coração — Lou Souen falou com indiferença e tom mecânico, mas isso provocou arrepios em todo o corpo do jovem.

Pensou que perdeu o pacto com a Besta Negra por conta da ausência da tatuagem, mas, na verdade, a marca ficara em seu antigo braço.

— Plebeus são patéticos, nem cumprem com própria palavra. Se decidiu tão rápido que vai nos ajudar, então pode desistir igualmente rápido. Não quero covardes ao meu lado. — Dessa vez, foi Lou Xhien que apontou o dedo para o jovem com um olhar de repreensão.

— A senhorita garotinha não me conhece, não é? Se conhecesse realmente, saberia que eu não vou embora até pagar minha conta. — Ele parou antes de materializar a escopeta de cano cerrado e afirmar com um sorriso: — Eu sou Kurone Nakano, o Santo dos Hereges. Só vou descansar no dia que mandar Azazel van Elsie para o inferno e recuperar minhas lolis!

— Eu não entendi nada, mas está chamando quem de “senhorita garotinha”, plebeu?

[Ehhh… você dá apelido a qualquer garota que acaba de conhecer… bom saber…]

“Eu senti desprezo nessa voz fofa, não ficou com raiva, né, Nie?”

[Mau-caráter, não me chame de Nie, humpf. Não conte comigo na próxima para analisar se tem veneno no chá.]

“Ei, ei, eu tava só provocando, não me ignora não! Nie? Responde, Nie. Eu vou chorar se você começar a me odiar no nosso primeiro dia.”

— Então é isso que lhe excita? Pensei que eles fossem exagerados — comentou Lou Souen ao perceber o olhar do jovem.

Perdido em seu diálogo mental com Annie, Kurone ficou por alguns minutos encarando os seios voluptuosos da garota sem perceber. Precisava aprender a focar tanto nos pensamentos quanto no mundo real.

— N-não é nada disso, eu só estava pensando em algumas coisas!

— “Sacanagem” é a palavra, certo? Desejo sexual é algo que me intriga a respeito dos humanos também. Apesar de não conseguir gerar outra vida, eu possuo órgãos sexuais, então posso copular.

— Controla essa língua, miko desgraçada!

— Seu rosto está vermelho por outro motivo, qual emoção sente agora? Se possível, detalhe.

— Plebeu pervertido, nojento, escória — murmurou Lou Xhien com desdém. A expressão de nojo que ela fez era como a de alguém vendo a coisa mais repugnante do mundo.

Inacreditavelmente, em seu primeiro dia ali conseguiu irritar Annie e receber o todo o desprezo da “princesa” mimada. Jamais lidou com pessoas como as três garotas — contando com Annie.

— Muito bem, crianças, acabou o passeio. — As palavras firmes reverberaram pela floresta.

A dona da voz apareceu repentinamente em cima do pequeno templo que Kurone estava antes. Assim como Lou Souen, as roupas de miko eram clássicas, com vermelho e branco, dando destaque ao seu longo cabelo loiro.

Ela estava sentada em uma pose rude no topo do templo, segurando uma nodachi enorme de empunhadura vermelha. Sem dúvidas, aquela era a terceira presença que sentiu quando saiu do cômodo, a mais forte dali.

Lou Souen manteve-se indiferente e Lou Xhien franziu o cenho ao escutar a palavra “crianças”. Kurone sentiu um alívio, finalmente alguém que conseguiria conversar, afinal ela tinha um ar de Sophia.

[Hime. Trinta anos. Herói Ádvena. Ela…]

“Hime… Ei, você não disse que ia me ignorar?”

[Você precisa começar a entender as mulheres… e as deusas também!]

— Kurone Nakano, parece que você conseguiu salvar a Annie. Bem-vindo de volta ao mundo dos vivos, meu caro conterrâneo — anunciou a mulher saltando do templo e pousando próxima ao trio.



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