Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 101.2: Marta Gotjail

Os empregados transitavam de um lado para o outro pela sala de reunião, porém o sentimento de “não queria estar aqui” era visível em seus rostos tensos. 

O cômodo em questão ficava no segundo andar da mansão Sophiette, na ala oeste. 

Em um canto da sala, reuniam-se os seres que esmagavam os mais fracos com suas presenças demoníacas. Pelo olhar e as risadas discretas, faziam aquilo propositalmente para amedrontar os humanos.

No outro lado, um demônio mantinha sua aura discreta, quase oculta. A garota de cabelos ruivos encaracolados e uniforme de empregada estava estática naquele canto, com os braços delicados cruzados e uma expressão de quem não ligava para a situação, porém seus olhos afiados diziam o contrário.

Como um predador examinando seu campo de caça, a garota analisava cada um ali presente.

No entanto, ninguém prestava atenção nela, o foco da atenção de todos eram os dois convidados sentados no centro da sala. Um deles mantinha uma expressão relaxada típica de um Sophiette e os olhos fixos na mulher carrancuda à sua frente.

A mulher, a outra convidada também alvo dos olhares, mantinha uma expressão imponente e sombria enquanto tomava lentamente o chá quente. Diferente do homem relaxado, ela estava com a mão livre próxima à espada encostada na cadeira todo o tempo. Outra prova de sua de desconfiança era a armadura de batalha cobrindo todo o corpo, algo exagerado para uma simples reunião. 

Seu rosto era o de alguém com não mais de cinquenta anos, e sua voz tinha o tom arranhado como o de uma gralha.

— Eu disse que ela não vinha, — começou a mulher, pondo a xícara sobre a mesa que a separava do seu interlocutor — todos os Sophiette são assim.

— O que a senhora quer dizer com isso?! — bravejou o homem batendo com força na mesa e balançando a xícara.

— Perdão por não ser clara, senhor Eliezer Sophiette. Eu quis dizer que todos os Sophiette são assim, covardes. Não ouse negar, onde está sua filha mesmo?

Tsc, Que mulherzinha abusada. Não vou falar nada, senão a Sophia vai puxar a minha orelha quando aparecer — comentou passando a mão sobre os cabelos amarelo-escuros e se recompondo.

Contudo, a mulher não baixou a guarda e prosseguiu com o olhar afiado voltado ao homem:

— Vamos parar de perder tempo, eu já estou impaciente. Por que não falamos logo do que nos interessa? Sophiette é um grande depósito de armas, não posso deixar isso cair na mão dos demônios, então…

A fala da mulher foi cortada pelo barulho insuportável da porta abrindo. O homem, Eliezer Sophiette, virou o rosto com uma expressão de vitória para o local.

As três garotas de aura demoníaca, no canto da sala, olharam curiosas para quem seria a pessoa na porta, cada uma com uma expressão diferente.

A ruiva com uniforme de empregada soltou um suspiro satisfeita e descruzou os braços com um semblante satisfeito. 

Por alguns segundos, o silêncio dominou a sala de reunião, porém ele foi quebrado quando uma garota adentrou o cômodo.

— Nossa, está todo mundo olhando para mim, que vergonha — comentou a jovem de aparência masculina. Seus cabelos curtos estavam desarrumados e ainda tinha olheiras profundas no rosto, mas mantinha um longo sorriso.

— E quem seria essa pessoa? Não me diga que a marquesa Sophiette ficou tão patética assim desde a última vez que a vi.

— Senhora Marta, acho que já está na hora de comprar algumas lentes, essa não é minha sobrinha nem aqui e nem em Lou Xhien — provocou Eliezer.

Uhh! É a namorada do Kurone! Naum gosto dela! — gritou a Besta Negra, inflando as bochechas.

— Lamento por não ser quem vocês esperavam. Vocês provavelmente não me conhecem, então vou me apresentar. Meu nome é Amélia Suaggi ou Luna Nakano, como quiserem me chamar… posso dizer que Edgar é o meu pai, pois ele me salvou há muito tempo. Eu era a cocheira mestiça do marquês de Soul Za e também sou a pessoa que cortará a cabeça de Azazel van Elsie!

A afirmação da garota fez Marta franzir o cenho e Eliezer soltar uma risada alta que reverberou por toda a sala, porém quem mais ficou surpreso com a fala foi Nakano.

— É uma afirmação muito grande para alguém tão pequena. Diga, senhorita Suaggi, como planeja matar Azazel? Não me diga que vai passar por cima dela com uma carruagem? — instigou Marta Gotjail, com desprezo.

Amélia não se abalou com o olhar penetrante da mulher e abriu um sorriso antes de responder com a voz firme:

— Achei que fosse mais inteligente, senhora Gotjail. Como se corta a cabeça de alguém? Simples, com uma lâmina — disse puxando uma montante enorme das costas, a arma tinha aproximadamente um metro. 

Bastou desembainhar metade da espada para assustar todos com a presença sagrada que competia com a aura demoníaca.

— Um demônio com uma arma sagrada, que intrigante esses companheiros de Kurone, certo, Nakano? Uh, qual o problema? — O’Blood Renfield olhou confusa para a companheira com uma expressão difícil no rosto.

— Nada… só fiquei incomodada com aquela espada.

— Jurava que você tinha ficado incomodada porque a garota disse que o nome dela era Luna Nakano, o Kurone sabia disso?

— Onde você conseguiu essa espada?! — indagou Eliezer, assustado, desconcentrando a vampira com sua voz alta.

— No mesmo lugar que vocês também terão uma, o Depósito de Karllos Sophiette está aberto, meus caros! — explicou outra voz vindo da porta.

Nem a entrada de Amélia chamou tanta atenção como a de Sophia. A marquesa trajava a armadura que lhe dava a alcunha de “Cavaleiro Negro” e portava seis espadas durendal na cintura. 

Ao lado da jovem, estavam outras pessoas com armas de igual presença sagrada. Marta praguejou ao ver a figura do seu neto em uma armadura dourada ao lado da marquesa.

— O que é isso, imprestável, vai trair o clã Gotjail? 

— Desculpe, vó, mas hoje estou representando o clã aqui. Se a senhora não deseja ajudar, então deixe que eu cuidarei de tudo com a marquesa.

— Isso é loucura, é exatamente o que Azazel quer, não podemos perder arriscar que os Tesouros de Karllos caiam nas mãos dela. Eu não permitirei! — Marta levantou-se, exaltada.

A mulher tentou aproximar-se da marquesa, porém Amélia entrou no seu caminho com a montante negra desembainhada. Apesar de ser habilidosa, todos sabiam que os Tesouros de Karllos davam até ao mais fraco dos homens a habilidade de um Santo da Espada.

Mesmo sem tudo aquilo, Sophia era uma exímia guerreira por conta da sua linhagem, mas ao trajar a armadura negra e empunhar as espadas finas, seu poder provavelmente aumentou em 200%, deixando-a no mesmo nível de Azazel van Elsie ou O’Blood Renfield.

— E quem disse que nós vamos perder, senhora Gotjail? — Sophia sinalizou para que Amélia deixasse a mulher se aproximar. — Com os Tesouros de Karllos, nosso exército será imbatível, nem mesmo a guarda real conseguirá derrotá-los.

— Que exército? Uma mestiça, dois homens de meia-idade, meu neto incompetente e uma aventureira? Não estamos indo para uma excursão em uma masmorra, marquesa Sophia, essa é uma guerra que pode decidir o futuro da humanidade.

— A senhora não viu o nosso exército? Kurone nos deixou um presente antes de morrer… um exército com mais de cem mestiços, imagine cada um deles com um Tesouro de Karllos! 

Vendo Marta hesitar, Sophia caminhou alguns passos para o centro da sala. O som dos passos da armadura pesada se tornaram mais agudos.  

— Hahaha, então esse é seu plano, humana, — O’Blood tomou a palavra com seus gestos exagerados e a voz alta — eu o aprovo, mas saiba que aquelas pessoas viviam na mesma vila que Frederika, se uma delas morrer em vão, eu culparei você.

— Que assim seja — a marquesa respondeu olhando fixamente para os olhos heterocromáticos da vampira.

— Não, — Rhyan interrompeu — a culpa será minha também. 

— Tem certeza? Essa aí não parece tá brincando, você pode acabar morto também.

— Tenho, nos dois seremos os responsáveis pelas vidas daquelas pessoas — o jovem ruivo afirmou batendo a mão no peito da armadura dourada.

— Bem, alguém aqui é contra o plano desses humanos? — Os olhos coloridos da condessa varreram toda sala, ela liberou ainda mais sua presença para intimidar todos. Por fim, parou vendo a figura de Marta com a mão no punho da espada. — E você, o que me diz?

A mulher ficou em silêncio por alguns segundos, buscando ajuda em um dos presentes, porém todos viraram o rosto.

— Façam o que quiserem, mas eu estou fora — ela jogou a espada em mãos para o jovem ruivo atrás de Sophia e andou em direção à porta. — Parabéns, meu neto inútil, você representará a família Gotjail nessa maluquice, eu me recuso a ter meu nome junto ao de demônios. Passar bem, marquesa Sophiette e senhorita vampira.

O barulho da porta batendo com violência e os passos rápidos das botas metálicas reverberaram pela mansão. Eles escutaram as portas sendo batidas com força até Marta sair da ala oeste.

Ahhh, a coroa ficou puta da vida, espero que eu não seja deserdado — murmurou Rhyan encarando a espada em mãos. O brasão dos Gotjail estampado na bainha dourada fez o jovem arregalar os olhos. — Velha desgraçada, você não pretendia nos ajudar desde o início?…


Marta continuou marchando rapidamente com o rosto sério pelo jardim. Ela olhava diversas vezes com o canto e olho para o “exército” de mestiços citados por Sophia. Pelos seus físicos, eram pessoas habituados à agricultura que jamais tocaram em uma espada.

Rhyan e Sophia teriam suas vidas ceifadas pela vampira se não os transformassem em verdadeiros soldados capazes de lutar contra o exército de Azazel van Elsie, o quão imprudente eles podiam ser?

O vento frio do entardecer balançou seus cabelos brancos da mulher. Jamais sentiu uma brisa carregada de tantos sentimentos negativos como aquela, só podia ser o prelúdio de algo ruim que estava por vir.

Após mais alguns passos, avistou a carruagem lhe aguardando, era um veículo simples e movido apenas por dois cavalos brancos.

A pessoa no assento de cocheiro mantinha a identidade oculta por um manto negro, assustando as crianças que brincavam ali perto.

— Como foi? — perguntou o sujeito encapuzado, pela voz calma e gentil, era uma mulher.

— Seu filho se tornou um verdadeiro homem, Vilma, nem parece aquele moleque arrogante e egoísta.

— Mãe, custa chamar ele de “meu neto” ao invés de “seu filho”?

— E faz diferença? De qualquer forma, confio que ele não vai nos decepcionar. — Ela encarou o céu alaranjado. — Vamos? Precisamos sair do reino antes que essa guerra comece, o vento não é dos melhores nessas terras.

Era duro se afastar do campo de batalha após anos lutando, porém, aquela era uma luta para preparar seu neto para o futuro. Por mais que tivesse o odiado quando chegou, Marta Gotjail agora sentia que o seu neto amadureceu.

Salvar a única coisa que realmente se importava, a escrava, e ter seu nome cravado na história era a última tarefa a ser cumprida para que Rhyan se tornasse o novo líder da família.

— Puxa, mas eu queria dar um abraço nele, faz tanto tempo que não vejo meu menino, queria ver se ele vai ficar bem mesmo…

— Não se preocupe, Vilma, em breve ouviremos notícias sobre o jovem que salvou o reino ao lado da marquesa Sophiette e derrotou a Presidenta do Inferno!



Comentários