Volume 3
Cap´ítulo 146: O Arquiduque Delinquente
Apesar de ser uma sacerdotisa criada na ilha Lou Souen, a mais afastada entre todas as ilhas, Lou Souen Eiai viveu por muito tempo naquela torre, como uma das raras alunas de Lou Xhien Xhian.
Claro, a primeira coisa que as pessoas de fora faziam ao ver a relação da sacerdotisa e seu mestre era que ele tinha segundas intenções por ela ser bonita. Lou Souen também nunca entendeu o motivo, mas Lou Xhien Xhian era muito gentil com ela, tão gentil quanto um pai.
E era devido àquele tempo que viveu ali, sob a guarda do pai de Lou Xhien Li, que conhecia toda a construção.
Lou Souen entrou no depósito e trocou sua roupa para uma similar rapidamente, indo para o terceiro andar em seguida.
Seus sentidos para presença eram diferentes dos sentidos humanos, ou pelo menos deviam ser, mas ela conseguia captar a aura perigosa do Arquiduque espalhado-se por todo o local, porém era uma presença forte demais para pertencer a apenas a uma pessoa. Suspirou profundamente antes de adentar a sala do demônio, torcendo para que ele não suspeitasse de nada.
***
Cinco dedos de unhas afiadas batiam na cadeira impacientemente.
O dono dos dedos impacientes estava com a cabeça apoiada na outra mão, sentado em uma cadeira de madeira e em frente a uma mesa média.
Enfim, quando a porta abriu-se e uma das garotas artificiais entrou, o relatório sobre a última busca que fizeram deu-se início:
— Nada de incomum foi encontrado nas ilhas, — começou a garota artificial com os cabelos divididos em duas tranças longas — escutamos alguns ruídos na ilha Lou Souen, mas não passavam de galhos das árvores caindo no chão e quebrando.
O mesmo relatório de sempre. Apesar do resultado de tudo aquilo sempre ser o mesmo no fim, ele, Asmodeus di Laplace, o Arquiduque do Inferno, ainda conseguia sentir uma presença estranha pairando no ar.
Precisava garantir que não havia nenhum perigo que ameaçasse a vida da sua irmã naquele local que seria o seu futuro império.
— Deeeeeeus! Tá muito chato isso aqui, por que não explodimos uma ilha?
Pois ali, sentada em uma cadeira ao lado e com cara de emburrada, já havia um perigo em potencial.
A garotinha de cabelos com um misto de azul e rosa e roupa ao estilo gothic lolita balançava os pés de um lado para o outro, encarando as garotas artificiais sem interesse. Apesar daquela aparência de uma criança birrenta sem senso de moda, aquela era Mamon von Faucher, uma Duquesa do Inferno.
Naquela sala, estavam dois membros do tão temido Conselho do Inferno.
Ela chegou ali há três, dizendo que passou “apenas para dar um oi ao Deus”. Mas a verdade era que Asmodeus não confiava em ninguém do Conselho, eram todas criaturas sádicas, a começar pela Duquesa Leviathan e a Presidenta Azazel. Os únicos que ele ainda considerava um pouco sãos eram os Grãos-Duques, dois demônios velhos e sábios.
O motivo de Mamon ter saído do castelo, onde vivia constantemente, foi porque Nakano, o Demônio do Oriente, plantou diversos explosivos por todo o castelo, destruindo parte dele e obrigando alguns demônios a procurarem lares temporários.
Desde que chegou ali, Asmodeus não baixou a guarda e mantinha sua irmã sempre longe daquela aberração.
Estranhamente, diferente da demônia que temia, o Arquiduque trajava roupas que conduziam, segundo ele, ao seu título. Cabelos pontiagudos em tom alaranjado flamejante balançavam em sua cabeça. O rosto dava a ele um ar de delinquente devido aos olhos azulados e os diversos dentes afiados.
O corpo definido era coberto por um cropped de tecido negro fino, sendo que, na parte inferior, a barriga trincada ficava à mostra.
Nunca houve padronização nas roupas usadas pelos membros do Conselho, pois cada um possuía um estilo único e a discussão sobre uma uniformização resultaria em brigas e, consequentemente, mortes. A única regra era que deviam utilizar ternos nas cerimônias de sucessão de títulos e outras ocasiões especiais como aquelas, mas eram coisas raras de acontecerem.
— Não tô querendo destruir nada sem necessidade, pirralha — respondeu Asmodeus à garotinha de vestido negro, ela, por sua vez, inflou as bochechas como uma verdadeira criança birrenta.
— O Deus não é divertido como a Levi ou a Zelzinha.
Asmodeus cerrou os olhos ao escutar a menção da menina a Azazel van Elsie e Leviathan ford Ingrid, duas demônias tão perigosas quanto ela.
— E quando pretende sair daqui, hein? — perguntou levemente irritado. — Tá ligada que, quando o muro tiver pronto, ninguém entra ou sai daqui, né?
— Sim, sim, eu “tô ligada”. Puxa, Deus, você não sabe ser gentil com uma garota mesmo. Prefiro brincar com o Bel, pena que ele sumiu do mapa.
Ele invejava Belphegor dé Halls pelo feito de ter consigo se esconder daquela menina, após a batalha em Eragon, sua localização era desconhecida até pelo Conselho. Mas como Asmodeus não podia fazer mais nada, apenas ansiava o dia em que a menina fosse embora.
Em meio à troca de palavras com a Duquesa, Asmodeus percebeu que um par de olhos avermelhados encarava com atenção o diálogo deles. Ao encarar de volta, a garota artificial virou o rosto rapidamente.
Poderia ser? Alguma garota artificial estava se recuperando do controle mental de Lothus? Precisaria verificar com ela mais tarde.
Seria realmente problemático se algumas garotas se rebelassem e destruíssem seu plano.
— Tão todas liberadas, voltem a fazer suas tarefas designadas — ordenou fazendo um gesto com a mão esquerda. — Menos você, pare aí mesmo — falou apontando para a garota que saía por último.
Como um dos últimos membros da lendária raça “idaten”, aprendeu a confiar em seus instintos sempre. Quantas vezes não foi salvo da morte graças a eles?
Seguindo as ordens do Arquiduque, a garota artificial parou, sem demonstrar nenhuma expressão. Lentamente, ela virou-se para Asmodeus.
— Qual é o seu nome?
— Lou Souen Eiai.
Talvez tivesse apenas cometido um engano. O modo de falar, agir e os olhos frios, aquela garota artificial era semelhante a todas as outras. A postura não indicava que ela estava fora do controle mental de Lothus, mas, por via das dúvidas…
— Quando sair daqui, diz pra mana que quero falar com ela.
A sacerdotisa de longos cabelos negros fez uma leve reverência e saiu da sala, deixando apenas Asmodeus, com uma interrogação no rosto, e a Duquesa Mamon von Faucher.
— Algum problema, Deus? Você ficou com uma cara azeda depois que viu aquela menina artificial… Tem razão, ela tem uns melões muito grandes mesmo, posso matá-la?
— Do que raios você tá falando, pirralha?! Era só coisa minha, nem vem com pira de mexer com as sacerdotisas ou te expulso daqui a pontapés.
Algo que incomodava os outros membros do Conselho, e o próprio Amodeus tinha ciência disso, era o seu modo de falar. O sotaque não era nada nobre, assim como as palavras. Seu vocabulário era repleto de gírias e palavrões das periferias.
Aquilo era algo de sua própria escolha, pois era um nobre, antigo líder do clã dos idatens, ou seja, conhecia todo o vocabulário requintado e cheio de frescuras, como ele mesmo dizia. Asmodeus achava mais “legal” falar como um arruaceiro qualquer, porém evitava ao máximo usar palavrões na frente da sua irmã, Lothus.
— Você é muito chato, acho que vou sair daqui amanhã mesmo, afinal…
Ambos os demônios ficaram em silêncio, um encarando o rosto do outro quando sentiram a aproximação de algo anormal.
— Que diabos!? — gritou o Arquiduque, imóvel na sua cadeira.
— A Voz do Mundo?...
Assim que a Duquesa terminou de murmurar, um estrondo semelhante a um trovão tomou o céu, no entanto o mais espantoso foi a voz que seguiu após o cessar do ribombar.
“Oi? Tudo myundo está me escutando? Nossa, que vergonhya! Todo mundo está escutando minhya voz!”
Uma voz cômica escoava do céu, quer dizer, pela relíquia que foi usada para realizar aquele feito, aquela voz devia estar ecoando por todo o mundo, causando um temor semelhante ao de Asmodeus e Mamon em todos aqueles que não esperavam por aquilo.
O Arquiduque correu rapidamente até a janela e a abriu, apenas para ver um céu azulado comum, repleto parcialmente pela neblina de Mamon, o Terror do Nevoeiro. A fonte daquela anomalia não estava ali, provavelmente estava a quilômetros e quilômetro de distância.
Após uma longa pausa, a voz que não levava aquela situação a sério prosseguiu ainda no seu tom zombeteiro que, se não fosse por aquela situação, qualquer pensaria que aquilo não passava de um trote de uma criança:
“Permitam-me que eu me apresente, meu nome é Kawaii Kyuto, uma reencarnyada, e eu vim dar a sentença finyal de vocês, humyanos e criaturas de todas as idades!”
***
Lou Souen andava pelo corredor com a mão no peito, ainda assustada com o que aconteceu há pouco. Seu coração disparou quando o Arquiduque pediu para que apenas ela ficasse na sala.
Apesar de ter ficado fraca emocionalmente após o longo tempo que passou com Kurone, ainda conseguiu manter seu rosto inexpressivo, garantindo a segurança da sua missão por mais algumas horas.
O Arquiduque pediu para chamar sua irmã que, por eliminação, só poderia ser aquela garota de roupas extravagantes que a recebeu quando chegou.
Lou Souen nem precisou procurar muito, pois a garota tocava um tipo de harpa, encostada em uma parede. As melodias que saíam do instrumento tinha um tom melancólico.
— Com licença, — começou a sacerdotisa — o seu irmão pediu para que comparecesse à sala dele.
A garota levantou-se rapidamente e, deixando a harpa em um canto da parede, olhou fixamente para a garota artificial que foi lhe dar o recado. Após alguns minutos, ela perguntou:
— Intrigante, estou sentindo algo estranho em você, mas não consigo dizer o que é… saberia me dizer? Nunca senti algo assim nas outras garotas artificiais. — Ela pôs a mão no queixo e passou a analisar Lou Souen.
A sacerdotisa recuou alguns passos ao escutar a acusação certeira da jovem. Claro, só precisava fazer como na sala do Arquiduque que tudo estaria resolvido, quando assim pensou, um trovão irrompeu no céu, sendo seguido de uma voz realmente estranha.
“Permitam-me que eu me apresente, meu nome é Kawaii Kyuto, e eu vim dar a sentença finyal de vocês, humyanos e criaturas de todas as idades!”