Volume 2
Capítulo 99: Pacto Absoluto
— I-isso é impossível, não tem como! Impossível, impossível! — repetiu com a voz trêmula enquanto recuava vários passos.
Annie olhou assombrada para a mão estendida do jovem, como se ele tivesse acabado de fazer uma proposta indecente ou algo do tipo. Quando percebeu que o jovem falava muito sério sobre lutar ao seu lado, ela explicou:
— N-não é que eu não queira… — começou com a voz envergonhada — mas isso pode ser perigoso para você… não posso sair daqui como você, mesmo que eu não esteja morta.
— Qual o problema, então? — Kurone perguntou confuso.
— Quando me aprisionaram aqui, separaram meu “Seol” da minha alma. Hmmm, “Seol” é como se fosse meu corpo, o que contém a alma, sem ele minha mana vai se espalhar assim que sair daqui e minha existência será apagada.
Novamente a constante “sem mana, sem vida” mostrava que nem mesmo os deuses estavam livres dela. Os corpos naquele mundo não tinham outro valor senão conter a alma, que era o verdadeiro “ser”, o jovem deduziu isso quando vira Edward no corpo de uma garotinha.
Os outros Lolicons Slayers não podiam sair dali, pois estavam mortos, mas pelo que disseram, Kurone, de alguma maneira, ainda estava vivo, sua presença no Hangar dos Mortos era uma anomalia, assim como sua existência, afinal ele era uma aberração, uma quimera criada pelo desespero de uma deusa.
Uma ideia passou-se pela sua cabeça, porém resolveu não dizer ainda, talvez houvesse outra alternativa.
— Viu, é impossível, ainda acredito que o melhor é você me matar e voltar para o mundo dos vivos… — comentou a garota desapontada. — D-desculpa, não vou mais falar isso. — Ela balançou as mãos rapidamente por conta do olhar severo do garoto.
— Annie, eu posso confiar mesmo em você? Tem certeza que não tá mentindo para me trair no fim? — Kurone perguntou em tom sério.
Quantas pessoas julgou boas desde que chegou àquele mundo? E quantos deles o traíram no fim? Elsie, Edward, Gyl, Cecily… a lista era grande, porém sentia algo diferente em relação a Annie, talvez fosse pela aparência frágil dela, mas havia algo mais que não conseguia entender. Provavelmente, estava relacionado ao fato de ter sido gerado pelo seu desejo.
— Entendo que você está desconfiado, mas não precisa acreditar em mim, apenas faça o que tem que fazer… mas posso garantir que estou sendo honesta em minhas palavras! — ela afirmou com convicção.
— Era isso que eu precisava ouvir… eu tenho um plano para tirar você daqui, mas preciso da sua confirmação primeiro. Você quer vir comigo ou passar a eternidade aqui? Não quero te forçar a nada, então a escolha final será sua.
Annie olhou surpresa para ele e passou a refletir em sua característica pose com o dedo no queixo pálido. Ela realmente parecia um bichinho indefeso.
— Eu… eu… não tenho nada a perder, por favor, me leve com você, por favor! — disse olhando para ele com seus olhos ametistas lacrimejantes. — Me diga qual o seu plano, eu faço qualquer coisa para sair daqui…
— Então, não é exatamente um plano, eu só acabei de pensar nisso. Me corrija se eu tiver errado, mas em alguns casos, quando um ser faz um pacto, o pactuante ganha o direito de controlar a alma do outro, certo?
A ideia era fruto das suas experiências, as armas usadas pelos reencarnados eram armazenadas em seus próprios “Inventários Internos”, que ficavam no interior do seu ser. Os orcs que convocava também ficavam em algum espaço que não conseguia ver, sendo assim, sua ideia era…
— Vamos fazer um pacto, assim vou poder guardar você em meu Inventário Interno, fornecendo mana para você! — sugeriu apontando para a deusa.
— Heh? I-isso não vai funcionar… apenas objetos podem ser manipulados em pactos comuns… E-espere, não desanime ainda… s-se não for um pacto c-comum… tem u-uma maneira de fazer isso — explicou corando ainda mais e escondendo o rosto nas mangas longas do seu vestido.
Kurone percebeu onde ela queria chegar e se antecipou:
— Eu quero saber qual é a de vocês com beijos, uma empregada sádica me disse uma vez que pactos não são feitos com eles, então o que é isso exatamente?
Ele corou levemente ao lembrar de alguns eventos. Recordou dos lábios macios de Cecily, da língua agitada de Dora e até mesmo o beijo selvagem da Annie de Eragon, algo que queria esquecer. Se aquilo não era um pacto normal, então o que seria?
— Não deixam de ser pactos… — começou Annie — porém pactos por meio de b-be… você sabe o que… eles são como pactos superiores, que transferem uma habilidade de um ser para o outro… não tem como retroceder quando esse pacto é realizado.
Com Cecily, recebeu o Olho Sagrado e com Annie, as Chamas Infernais, porém não lembrava de ter herdado nada da loli parda, a Convocação de Orcs era fruto do pacto comum que efetuaram em seguida.
— N-nesse caso… você herdaria toda a minha alma… e então eu viveria dentro de você até essa mana ser passada para outro receptáculo, meu Seol. Mas é perigoso, sua mana pode não ser o suficiente para herdar todas as minhas habilidades e você pode… explodir.
— É um risco que tô disposto a correr — afirmou Kurone estendendo as mãos ao céu. — Mas aí você vai ficar aprisionada no meu corpo, não tem problema? Quer dizer, eu vou tentar encontrar o seu “Seol” ou seja lá o que for o mais rápido possível, mas pode demorar um pouco.
— Não tem problema… — disse colocando a mão nos lábios para esconder a vergonha. — Eu vou estar com você, então não estarei sozinha novamente… espero que não se canse da minha voz na sua cabeça, tenho muita coisa para contar.
— Tsc, eu já acostumei com isso — afirmou em um sorriso brincalhão, lembrando que deixou de escutar as vozes estranhas quando perdeu a vida.
Ambos soltaram risadas discretas e ficaram se encarando, no entanto ninguém teve coragem de dar o primeiro passo.
— Então… — Kurone lançou para ela um olhar sugestivo.
Agora que notou, era realmente um traste, afinal beijara as outras duas irmãs daquela garota e faria dela sua terceira vítima — quarta se contasse com Dora, mas gostaria de esquecer que beijou uma garotinha.
Em sua concepção, Annie beirava a tênue linha entre o legal e o ilegal, a aparência dela era de uma garota com idade entre quinze e dezesseis anos, mas se forçasse bem a visão, se sentiria menos culpado. Inconscientemente, ele e a menina se aproximaram alguns passos.
Os corpos foram se aproximando de maneira tímida, era a primeira vez que via uma deusa tão fofa e delicada como aquela, diferente das outras duas malucas.
Os vinte centímetros de diferença obrigaram Kurone a se abaixar até ficar na mesma altura da garota. Os olhos ametistas ainda com lágrimas brilharam em meio ao rosto bem-feito.
O jovem e a garota ficaram de joelhos para deixar a situação mais confortável, pois os rostos ardiam. Encontrou outra pessoa tão ruim em situações como aquela quanto ele.
Annie decidiu ser ousada e tocou o rosto quente do jovem com suas mãos frias e delicadas, puxando a face dele para mais perto. Os lábios, lentamente, foram um ao encontro do outro, fazendo a menina enrijecer o corpo quando se tocaram.
Kurone sentiu a umidade na boca e o coração aquecendo. Fechou os olhos e decidiu esperar o resultado daquele pacto, sentia lentamente seu corpo sendo modificado.
Mesmo com os olhos fechados, podia imaginar o que acontecia ali: o corpo de Annie tornava-se pequenas partículas azuis lentamente, porém decidiu abri-los ao sentir a mão direita da garota em sua outra face.
Os rosto se afastaram e constatou um lindo sorriso no rosto da garota. Derramou lágrimas discretas ao ver a silhueta desaparecendo. Lembrou-se de quantas pessoas viu morrendo da mesma maneira.
— Seus olhos são bonitos, não devia esconder eles… — a menina disse sussurrando, afastando as mãos delicados do jovem.
Aquelas palavras, semelhantes àquelas que Teruhashi Nakano dissera certa vez, acertaram seu peito em cheio, fazendo-o passar a mão pela franja, tanto para limpar as lágrimas, quanto deixar os olhos mais visíveis.
Poucos segundos depois, Annie desapareceu, tornando-se partículas azuladas espalhadas por todo o salão. Kurone sentiu toda a sua visão escurecer, o corpo ficou pesado e bateu a cara contra o chão frio.
Não teve tempo de sentir qualquer dor, seja do nariz ou os dentes quebrando, porém, teve a sensação de que seu corpo também se tornava partículas e esvaía gradualmente.
Estava naquela escuridão novamente, aquela que o recebeu com um passado que tentava evitar, porém, agora, ela não o assustava mais, pelo contrário, tornou-se um cenário familiar, pois percebeu que ali não passava do interior do seu próprio ser. Aquele breu era iluminado por uma garota de pele pálida sorridente.
Estava pronto para abrir os olhos e encarar Azazel van Elsie, Belphehor dé Halls e qualquer outro demônio que estivesse em seu caminho, pois tinha outra pessoa que precisava proteger agora.
O jovem preparou o espírito para o combate. Pensou na Boito .20, em qual ataque efetuaria na máscara odiosa de Azazel van Elsie, qual palavrão diria primeiro, porém…
Quando abriu os olhos, movendo o corpo como se acabasse de emergir à superfície, deparou-se com um teto de madeira e uma sala com tochas espalhadas por todas as paredes. Ficou surpreso por um momento, mas entrou em posição de batalha ao sentir a presença de outra pessoa ali.
— Oh, você acordou, querido noivo. — Uma mulher desconhecida de olhos e cabelos negros o recebeu quando virou o rosto.
“Ei, Annie, acho que erramos o mundo, não?”, ponderou a ideia ao constatar o estilo chinês impregnado em todo aquele lugar e na roupa da mulher usando um hakama.