Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 2

Capítulo 100: Nem Tudo Está Perdido

Roof! Senhor Orcus, o senhor acordou! — gritou Nui, o menino com orelhas caninas, balançando a cauda. O sorriso infantil contrastava com a jaqueta branca repleta de sangue alheio.

Orcus olhou confuso para o local. Suas últimas lembranças eram de quando tentou atacar o Edward… a partir daí as cenas ficavam confusas, mas ainda recordava os gritos de Kurone e a risada do maldito marquês.

— Ei, moleque, cadê os outros!? — bravejou segurando os ombros de Nui. Estavam em uma batalha, não podia perder tanto tempo.

O garotinho virou o rosto para o lado oposto ao de Orcus e abaixou as orelhas. Ele suspirou profundamente antes de responder:

— A senhoria Amélia… provavelmente… está lá fora… Eu estou ocupado, não sei onde estão os outros — disse em tom frustrado.

O guarda ignorou a dor insuportável na cabeça e levantou. Ao olhar o redor, percebeu diversos corpos deitados em macas como a que estava. Sangue tingia o chão e as paredes do local que parecia um porão.

— Preciso ir logo, onde fica a saída? — perguntou indiferente àquele cenário.

— Ali… por favor, não exagere, o senhor… dormiu por uma semana, o seu corpo pode reagir de maneira negativa a movimentos bruscos — explicou o meio-humano indo em direção a outro corpo no chão.

Aquele garotinho estava diferente, porém Orcus não tinha tempo de se preocupar com ele por enquanto, precisava voltar ao campo de batalha e ajudar o Kurone…

— E-esspera aí, duas semanas!? — gritou ao processar o que Nui explicou. — Então…

— Quando o senhor sair… a senhorita Sophiette vai explicar tudo — disse Nui em tom quase inaudível.

— Hã? A Sophiette…? Droga, o que tá acontecendo aqui…?

Vendo que o menino não explicaria mais nada, o homem andou na direção apontada. Tentava não reparar nos diversos corpos, tendo espasmos à sua volta e os familiares deles chorando, porém, não pôde ignorar aquela figura no chão, era alguém com uma presença muito notável…

— Ei, você não é o tal do Rhyan Gotjail, tá fazendo o quê nesse chão sujo?

O jovem estava com o rosto oculto pelas pernas que eram abraçados pelos seus próprios braços. Orcus recuou alguns passos quando Rhyan olhou para ele com o rosto sujo e olheiras profundas. O cabelo avermelhado estava bagunçado, o garoto ruivo estava quase irreconhecível, nem parecia o mesmo narcisista de antes.

— Haha… haha… — ele murmurou com um sorriso macabro, quase como o de um louco — eles…

— Hã? — O guarda aproximou-se alguns passos dele para escutar melhor.

— Haha… eles levaram a Fran… eles… eles levaram ela… hahahaha….. eles levaram a escrava… eles levaram… haha… LEVARAM! Hahaha… eles…

Foi obrigado a saltar para esquivar do jovem ruivo vindo em sua direção e gritando coisas incompreensíveis. Rhyan Gotjail, uma das pessoas mais arrogantes que já havia conhecido, tornou-se um verdadeiro louco.

Roof! Ajudem! O senhor Rhyan teve outra recaída! — gritou Nui ao ver o jovem rolando pelo chão, puxando os cabelos e berrando como um animal.

Orcus saiu da frente e deixou três meio-humanos acompanhados do garotinho irem em direção ao jovem insano. Ele relembrou-se do seu objetivo e continuou a andar em direção à saída, novamente tentando ignorar tudo ao seu redor.

Andou por aproximadamente três minutos até chegar a um lugar conhecido: o jardim da entrada de Sophiette. Carruagens, barracas e fogueiras estavam espalhadas pelo local, algumas ainda de quando os moradores das redondezas foram evacuados para lá…

Olhou para a majestosa mansão Sophiette e sentiu uma presença demoníaca esmagadora vinda de lá. Todos os pelos do seu corpo se eriçaram com aquela sensação, era algo quase no nível da presença de um Duque do Inferno.

Seus olhos focaram nas figuras do velho Edgar, repleto de ataduras, e a sádica Azazel van Brain, ambos ingeriam um tipo de sopa com uma expressão depressiva no rosto.

Ele pensou em ir na direção da dupla, mas viu Amélia no outro lado. A cocheira estava envolta por uma coberta marrom de pelos que a deixava oculta em meio ao cenário.

— É melhor não ir lá, — uma voz chamou sua atenção — ela tá naquela posição desde que chegou, não come nada e só bebe o suficiente de água para continuar viva — explicou a bruxa de característico chapéu gigantesco.

— Você… — Não tinha como esquecer aquela garotinha. Ana tinha raros cabelos negros e um chapéu anormal, mas o mais marcante era o fato dela ser a única aventureira Rank B de Grain.

 Assim como os outros, a menina também tinha olheiras e uma expressão triste no rosto.

— Fico feliz que esteja bem… sua esposa chorou muito quando te viu naquele estado, mas agora ela tá mais calma. Depois vai ver ela, acho que a hospedaram no outro jardim…

Orcus sentiu um alívio ao escutar que Selena estava bem, no entanto, ainda estava incomodado com algo.

— Ei, cadê o Nakano? E a garotinha arrogante? Aqueles dois com certeza se destacam na multidão, tão dentro da mansão? Ou no outro lado do jardim como a Selena?

— Hmm… não te contaram, né? Tsc, droga, eu vou acabar chorando também se disser isso… olha, por que não pergunta àquela pessoa ali sobre ele? — ela disse apontando para uma silhueta embaixo de uma árvore.

Se Rhyan estava com uma aparência depressiva, aquela pessoa ali era a encarnação da própria depressão. Orcus obedeceu à menina e foi até a árvore. Edgar e Brain notaram sua presença, mas não fizeram nenhum contato visual.

Bastou se aproximar alguns metros para perceber quem era a dona daqueles cabelos rosas curtos tão depressiva…

— Mar-marquesa Sophiette?!

— Orcus… você acordou… — ela respondeu com a voz rouca — Ah, já sei… — murmurou vendo a figura de Ana afastando-se do local — é sobre o Kurone, não é?

O homem assentiu balançando a cabeça. Sentiu um aperto no coração ao ver aquele estado da marquesa normalmente ousada e sorridente. Jamais viu Sophia tão abalada, só podia haver um motivo para isso.

— A menina Noah, ela não tá ao seu lado… — Ele arrependeu-se de perguntar ao ver a reação da marquesa. Sophia arregalou os olhou e tremeu o corpo.

— Orcus, deixe de rodeios, você não é idiota, percebeu, não foi? Nós perdemos… — disse com a voz forçada por conta dos batimentos acelerados do coração. — Sou a decepção dos Sophiette… perdi a princesa… o Raul fugiu de novo… e não consegui proteger a Noah…

— E-ei…

— Olha que coisa… — ela interrompeu o guarda e prosseguiu com ódio nos olhos: — aqui, embaixo dessa árvore, estão as duas maiores decepções de Andeavor: a Sophiette que deixou a princesa regente ser raptada de novo e o guarda que deixou o futuro rei morrer — jogou a verdade sem misericórdia ao homem.

Orcus sentiu as pernas ficando sem forças e o rosto ardendo. 

Kurone Nakano estava morto, ponderou essa ideia ao conversar com Ana e percebeu suas atitudes estranhas, mas não queria aceitá-la. A dor aumentou quando percebeu que o local onde jurou lealdade ao jovem durante um piquenique estava à sua frente. 

— E-e… a garoti…

— Morta também, tanto a Rory quanto a outra garotinha pelo que informaram.

A “outra” a qual a marquesa se referia só podia ser Frederika. Além de perder Kurone, perdeu as outras duas pessoas que o jovem mais amava. Agora entendia o porquê daquela atitude de Amélia, ela dentre todos fora a que mais sofreu. 

— Fomos atacados no castelo, — a marquesa começou — a luta estava até equilibrada, mas bastou a aparição de Azazel van Gyl para destruir tudo. A Noah se machucou tentando me proteger… conseguimos fugir, mas eles levaram a princesa e tomaram Andeavor…

— Os demônios tomaram o reino?! — Orcus gritou chamando a atenção de todas as pessoas no jardim, que simplesmente fecharam os olhos e baixaram a cabeça em seguida, aceitando a derrota.

— Na verdade, a Corvos tomou o reino, Andeavor ainda está em guerra contra os demônios, mas agora tem Azazel e o marquês Guller como governantes… como eu disse, nós perdemos, Orcus. Sophiette é considerada uma terra de rebeldes, em breve vão nos atacar e matar um por um… os demônios são muito fortes… não podemos vencer…

— E vamos apenas ficar depressivos, aguardando os demônios virem aqui nos matar?!! — gritou com nojo do rosto de Sophia. 

Lembrou-se que a primeira vez que xingou aquela mulher fora na reunião após o ataque a Grain, daquela vez estava errado ao defender Edward, porém dessa vez tinha motivos para insultar uma mulher tão fraca como aquela.

Odiava aquela expressão de derrota da marquesa, pois lembrava o antigo Orcus de dez anos atrás. Quando perdeu a filha, tudo que quis fazer foi se isolar, chorar e aguardar a morte, no entanto, Selena o fez perceber que aquilo não o levaria a nada, por isso pegou a espada e decidiu entrar na guarda de Grain. 

O guarda cerrou as mãos em frustração. Não podia culpar apenas a marquesa, o que fez durante todo aquele tempo? Simplesmente dormiu! Se tivesse lutado, teria sacrificado sua vida para que Kurone estivesse ali. Aquelas pessoas precisavam de um líder como ele, não um bando de fracassados depressivos e fracos.

— “Kurone Nakano” saberia o que fazer nessas horas — disse uma voz colada no seu ouvido, provocando um formigamento em todo o seu corpo.

Ele recuou alguns passos rapidamente e colocou a mão na cintura, mas percebeu que estava sem a sua espada de confiança. 

— Somos aliadas — explicou a dona da voz.

— Num tá me conhecendo mais não, seu Orc? — falou a menina parda em sua dicção horrível como sempre.

Orcus quase ficou de joelhos perante aquelas presenças esmagadores. A do meio era a mulher que citou o nome do Kurone, a da esquerda era a Besta Negra em sua forma infantil e a da direita…

— De fato, o Kurone conseguiria nos ajudar… — murmurou a da direita.

— E vocês seriam…? — perguntou Orcus forçando a voz.

— O’Blood Renfield, a Condessa Hematófaga e Nakano, o Demônio do Oriente — apresentou Sophia em sua voz rouca com um tom de desprezo.

— Não acredito que reencarnei em uma Era que existe uma Sophiette tão patética como essa — disse O’Blood, encarando Sophia com seus olhos heterocromáticos hostis.

— Na-Nakano?! — gritou Orcus voltando a atenção para a outra garota de cabelos loiros.

 “Kurone Nakano” era um nome incomum naquele mundo, existir duas pessoas com o mesmo sobrenome raro não poderia ser coincidência, principalmente naquela situação, porém aquela garota de aparência nobre não tinha nenhuma semelhança com o jovem.

— Hoje em dia me chamo Nakano, — começou o Demônio do Oriente — mas antigamente meu nome era Kastella Andeavor. Se for inteligente o suficiente, vai saber o que isso quer dizer. 

O guarda franziu o cenho. “Kastella” era o nome da princesa que desapareceu quando tinha apenas doze anos, deixando a responsabilidade de regente para a irmã mais nova. 

— Mataram Kurone Nakano, o futuro rei e meu irmão, e sequestraram Elisabella Andeavor, a princesa regente e minha irmã, percebe o quão ferrado esses demônios estão? Se Sophiette não deseja lutar, então que se foda, vamos matar todos — concluiu a garota chamada Kastella.

— Não se assuste com a mudança repentina dela, — O’Blood chamou a atenção do guarda sussurrando — parece que essa garota sofre de dupla personalidade… Segundo o que ela contou, aquele mesmo Seol suporta tanto a alma de Kastella Andeavor quanto de Teruhashi Nakano…

Orcus não conseguia compreender o que aquelas duas queriam dizer, mas ali em sua frente estava outra pessoa com o sobrenome “Nakano”, se não era um sinal para lutar, não sabia mais o que era. 

Ele afirmou com convicção:

— Não faço ideia de quais são seus objetivos, mas quero ajudar… não, quero me vingar! Permitam que eu lute ao lado de vocês e prometo que não vou decepcionar!

— Você é alguém de confiança de Kurone Nakano, não precisa pedir duas vezes, você agora é um de nós, um rebelde que lutará até o fim, porém vou logo advertir que passaremos por um verdadeiro inferno.

— Não me importo, apenas diga o que tenho que fazer! — exclamou Orcus com a mão no peito.

— Haha, assim que eu gosto de ver! Estávamos precisando de um espião mesmo, nosso primeiro alvo será matar o peão principal de Azazel, o marquês Guller…


Fim do Volume 02



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