Volume 2
Capítulo 96: Ossos Em Chamas
O som de ossos chocando-se ecoou por todo o local junto ao de algo rachando. Kurone sentiu na pele a diferença de força entre ele e o morcego esquelético. Seus braços tremeram, tentando afastar a criatura enorme.
Ele conseguiu uma brecha para recuar alguns passos deslizando pelo mar de crânios e arremessou a tocha no monstro. O fedor de ossos queimando invadiu suas narinas.
Aproveitando-se da brecha criada pelo fogo, investiu novamente com o osso enorme que tinha em mãos. Conseguiu destruir uma das pernas do oponente em um golpe rápido, porém quase desmaiou de dor ao sentir o corte nas suas costas feito por um dos Ceifadores.
Foi a vez da monstruosidade se aproveitar do vacilo e investir com as suas asas ósseas.
Kurone rolou pelo chão o mais rápido que conseguiu até impactar contra uma das paredes. Grunhia de dor toda vez que suas costelas entravam em contato com alguns ossos finos do chão — tirar a camisa não foi uma das melhores ideias.
A criatura correu em sua direção a passos velozes e o chutou violentamente, jogando-o para o alto e rebatendo seu corpo com a cauda esquelética, com se ele fosse uma bola de basebol. Ele formou uma linha vermelha ao atravessar o ar.
O jovem cuspiu sangue ao cair sobre outra pilha de esqueletos. Mesmo naquela situação, ele recusava-se a desistir da luta. Usando o osso que tinha em mãos como uma muleta, ficou de pé novamente com seu sorriso satisfatório.
— Agora é minha vez! — bravejou pegando outro osso do chão com a mão que segurava a tocha anteriormente. Agora tinha um par de espadas gêmeas de ossos.
O garoto brandiu as armas brancas contundentes em formato de “X” e avançou ainda mais rápido para cima do oponente.
— Roaaarrrr!!! — rugiu a criatura aceitando o desafio da presa.
A distância de ambos foi reduzida em instantes e, outra vez, o barulho de ossos se quebrando tomou conta de todo o local. Kurone sentia seus músculos ardendo a cada vez que empurrava as armas para cima do monstro, mas não se importava, aquela era sua força mostrando seu limite, então só precisava se superar para vencer.
— VAAI! — gritou invocando a ínfima chama que sua mana conseguia convocar. O jovem sentiu o calor passando das mãos para os dois ossos que usava como espada.
Ele recuou em saltos para pegar impulso e investiu novamente com as armas em chamas. A criatura percebeu a intenção do jovem de queimar seu corpo e tentou esquivar, mas foi inútil, o garoto arremessou um dos ossos flamejantes com força em sua direção.
O fogo alastrou-se por todo o corpo do monstro, transformando cada parte dele em cinzas. Tinha uma chance de vencer, porém, era arriscada, afinal as chamas começaram a queimar os crânios no chão, iniciando um enorme incêndio naquele corredor apertado.
Kurone cerrou os punhos com força e voltou a sua atenção para a criatura em chamas. Acelerou o passo mais uma vez e decidiu dar o golpe final em seu oponente. Usando a enorme pilha de ossos à sua frente como rampa, saltou o mais alto que pôde e brandiu sua arma flamejante na cabeça do monstro.
Crack! O crânio do inimigo explodiu e o garoto caiu no mar de ossos pegando fogo. Ele grunhiu de dor ao sentir sua pele sendo queimada e rolou rapidamente até chegar a uma área segura.
Constatou diversas queimaduras de primeiro e segundo grau pelo seu corpo, principalmente na barriga. “Porra, a AutoRecuperação tá fazendo falta agora…”
— Roarrr!!! — o rugido da criatura fez a expressão tensa retornar ao rosto de Kurone. O morcego esquelético que se recusava a morrer balançou seus ossos em chamas e avançou para cima do jovem.
— “Levarei quantos conseguir comigo”, é isso que você tá pensando?! Tá fudido, não tô a fim de morrer hoje! — afirmou invocando sua escopeta.
Queria lutar sem depender do poder dos outros, fez isso e viu qual era seu limite. Morrer ali mesmo tendo como vencer seria muito orgulho da sua parte, afinal o supervisor dera a Boito .20 para que pudesse se defender.
O fogo alastrava-se rapidamente, se não saísse dali logo, também seria consumido pelas chamas. Pow! Pow! Ele ganhou tempo atirando nas pernas do monstro, fazendo ele tombar sobre uma pilha de ossos em chamas.
A respiração tornou-se difícil por conta da imensa quantidade de fumaça naquele local apertado e as feridas em seu corpo tornaram a movimentação mais lenta, porém ainda sorria por conta da adrenalina correndo em seu sangue. Podia sentir o fluxo de mana pulsando.
Ele forçou as pernas a se mexerem e correu o mais rápido que seus pulmões perfurados por ossos e cheios de fumaça permitiam. A visão piscava ocasionalmente, mas decidiu não prestar atenção naquilo e apressou o passo, pois escutou o barulho do seu oponente voltando a persegui-lo furiosamente.
O calor do fogo também estava mais próximo, não podia diminuir a velocidade ou seria morto, na verdade, precisava ser mais rápido, por isso…
— Agora eu preciso de você! — gritou para algo que estava no interior da sua mente.
Podia avistar no local que chamava de “Invetário Interno” a máscara branca com uma cruz negra no centro. Ela tinha vontade própria, por isso não podia apenas invocá-la como a espingarda. Ao lado da máscara estava a chave dada por Azrael, deixaria ela para mais tarde… se conseguisse sobreviver até “mais tarde”.
Sentiu algo macio formando-se no rosto e seu corpo ficou leve novamente, como se não tivesse nenhum ferimento.
Pisou com vontade no chão e aumentou a velocidade, porém o seu perseguidor não ficava para trás. Pow! Virou a cabeça e fez outro disparo contra a criatura, fazendo ela rolar pelo fogo sem a perna direita.
— Rooooaaaaarrrrr! — o maior de todos os rugidos reverberou pelo corredor, fazendo todo o corpo de Kurone tremer, não por medo, mas sim pela potência daquele estrondo. Algumas partes do teto ruíram e um pedaço dele quase esmagou o garoto.
Os ossos na frente do jovem começaram a se mover e, um por um, foram dando formas a dezenas de pequenos esqueletos de aparência grotesca. Alguns faltavam as pernas e os outros, braços. Não havia nenhum completo e, se realmente tivesse, era composto por ossos de tamanhos irregulares.
Eles avançaram para cima do garoto em indo em sua direção. Eram menores ou de mesma estatura que o jovem, mas muitos deles eram problemáticos.
Disparou contra aqueles que vinham na frente, estourando seus crânios e abrindo passagem, contudo sabia que os tiros da escopeta não seriam o suficiente para destruir todos antes que o morcego esquelético se aproximasse…
— Mas não tenho escolha, vou matar todos aqui, nem que eu tenha que explodir cada um desses ossos! — afirmou brandido a Boito .20 em direção à próxima horda de esqueletos. — Vou matar todos quantas vezes precisar!! — concluiu rugindo de uma maneira que, se fosse maior, poderia rachar as paredes.
Em uma sala gelada, uma garota de olhos igualmente frios encarava o cenário monótono.
Seus enormes olhos ametistas, a pele pálida e os longos cabelos lilases lhe conferiam a aparência de uma linda boneca de porcelana chinesa. Era assustadora sua expressão imperturbável, com olhos que não piscavam há minutos.
Sua pele branca delicada competia com o brilho dourado do trono que estava sentada. A beldade umedeceu os lábios e piscou os olhos que pareciam não fazer tal ato há muito tempo.
Lentamente, levantou-se do seu trono, fazendo barulho com seu vestido branco extravagante com botões dourados. Ela encarou o portão à sua frente e deu alguns passos até lá.
O barulho de passos ecoava pelo salão vazio cada vez que o salto pontiagudo de cristal tocava o chão frio. Ela parou repentinamente e encarou o céu do salão iluminado por estalactites cristalizadas. Não havia outros ruídos senão aqueles causados por seu corpo ao caminhar.
— Finalmente você está aqui… enfim serei salva por você… é quase inacreditável… — murmurou encarando o portão enorme. Lágrimas desceram dos seus grandes olhos ametistas e pingaram no vestido extravagante.
Ela formou um enorme sorriso no rosto bonito, ficou ereta e encarou o cenário estático com as mãos posicionadas perto dos seios rasos, como se fizesse uma oração a um deus que se aproximava para salvá-la de alguma enfermidade que sofria durante anos.
Repentinamente, o som de tiros e ossos quebrando reverberou daquele portão e invadiu o salão vazio que não conhecia outro som senão os passos da bela garota.
Gritos acompanhados de palavras vulgares também foram escutadas pela menina que arregalou ainda mais os grandes olhos incrédula. Ela tirou as mãos dos seios e estendeu para o portão, saudando a pessoa que estava prestes a sair de lá.
— Venha… venha para mim, meu salvador — comentou em uma voz quase inaudível, mas, ao mesmo tempo, doce.
Um barulho enorme invadiu todo o salão e um esqueleto enorme bateu contra a parede do local, rachando-a e fazendo as estalactites de cristais irem em direção à garota de olhos arregalados. Não piscou, apenas esperou seu corpo ser atravessado por aquelas pedras brilhantes pontiagudas, porém o que sentiu foi um impacto diferente em seu corpo.
Era o calor de outro corpo. Alguém agarrou sua pele imaculada com força e juntos rolaram pelo chão frio. Ela abriu os olhos fechados inconscientemente e viu a figura de um jovem com uma máscara demoníaca ocultando seu rosto repleto de sangue. Era a primeira vez em milênios que sentia o toque de um homem, seu rosto delicado corou sem perceber.