Volume 2
Capítulo 85: Encontro Na Lanchonete
Após aquele incidente, o pai de Kurone desapareceu por dois meses. Nesse tempo o dinheiro enviado mensalmente diminuiu em 70%. Alguns gastos tiveram que ser cortados e o garoto deixou de comprar muitos mangás.
Teruhashi conseguiu um emprego de meio período, por conta disso eles conseguiram pagar algumas contas. Aquele foi um ano difícil para a casa Nakano.
No ano seguinte, Kurone tinha 11 anos, Teruhashi 16, Eriko 2 e Raika, 4. O garoto ainda não havia se entendido com Raika, mas não a odiava, ele entendia que o único culpado era o pai idiota.
— Kurone, você está muito desconcentrado ultimamente, tudo bem? — perguntou Luna.
— Sim… Na verdade, não. A saúde da minha mãe tá piorando a cada dia e os remédios são caros.
— Se quiser, pode passar um tempo na minha casa, aí sua mãe não vai precisar gastar dinheiro com você… — sugeriu a garota corada.
— Eu passo.
— Não me rejeite assim tão rápido!!
Repentinamente, o garoto parou e fixou o olhar em um homem se aproximando.
— Aquele é…
— Pai! — Kurone disse surpreso.
O terno preto e o chapéu cobrindo os olhos era algo inesquecível. A dupla de estudantes continuou parada e o homem se aproximou.
— Desculpe interromper o encontro de vocês — ele começou —, mas eu queria falar um pouco com o Kurone, pode ser?
— Luna, vai andando na frente — o garoto falou ainda com os olhos cerrados. — Eu também queria conversar com ele.
Luna não queria ir, mas acabou cedendo ao ver o olhar sério do colega. Era uma conversa na qual ela não podia participar. — Então, nos vemos amanhã — a garota disse acenando.
— Podemos conversar em outro lugar? Tem uma lanchonete ali, que tal irmos até lá? — sugeriu o senhor Nakano.
O caminho até a lanchonete estava repleto de garotos com uniformes negros de abotoaduras douradas — assim como Kurone — e garotas com terninhos de marinheiro. Dentro do estabelecimento também podia ser visto diversos grupos de estudantes do fundamental.
— Tá apenas de passagem ou vai ficar por alguns dias? — Kurone perguntou indiferente antes de sentar.
— Estou aqui para resolver assuntos de trabalho. Vamos, pode pedir o que quiser.
— Então por que está perdendo o tempo comigo? Você não é exatamente o tipo de pai que espera o filho sair da escola apenas para convidar ele parar um lanche.
O interior do estabelecimento estava barulhento. Era um local no estilo ocidental, as mesas eram cercadas por sofás macios vermelhos. Havia um botão verde no centro da mesa que devia ser pressionado quando estivesse decidido o que iria pedir.
— Na verdade — o senhor Nakano pegou o cardápio —, sua mãe não sabe que estou na cidade. Eu gostaria que não comentasse nada, pelo menos por enquanto — disse fechando o menu. — Eu gosto desse local, é uma das poucas lanchonetes com pizza de abacaxi. Já decidiu o que vai pedir?
— Um hambúrguer — respondeu em tom seco.
— Você devia tentar experimentar coisas novas, mas se é o que quer… — o homem comentou pressionando o botão. Rapidamente, um jovem garçom apareceu no local e anotou o pedido da dupla.
— Ainda não me respondeu o que perguntei.
— Ahh… Não lembro de você falar de maneira tão dura assim, mas está bem, vamos direto ao ponto. — Ele olhou para os lados, verificando se ninguém escutava a conversa, e prosseguiu: — Você deve saber que o dinheiro mensal para sua mãe diminuiu.
— Sim, eu sei. Também sei que é por conta da mãe da Raika que roubou seu dinheiro. Nenhuma novidade até aí. — O garoto começou a bater os dedos na mesa impaciente.
— Isso está prestes a mudar, pode não parecer, mas eu me preocupo com sua mãe.
“Talvez porque ela é a babá das suas filhas ilegítimas, o dinheiro mensal é o mínimo!”
— Eu e seu tio — o homem continuou — estamos começando um novo investimento, dessa vez conseguiremos recuperar a fortuna da família Nakano! E é aí que você entra…
— Eu? Eu não entendo nada sobre essa coisa de investimentos.
— Nem precisa entender. Você quer ajudar sua mãe, não é? Essa é sua grande chance, basta nos ajudar em nossa pesquisa que irá mudar o Japão… Não! Talvez o mundo! E aí?
— Ajudar a mamãe…
— Aqui estão seus pedidos — o garçom disse enquanto colocava dois pratos na mesa. O jovem fez uma referência e desapareceu rapidamente.
— Se você estiver realmente interessado, apareça nesse endereço amanhã. — O homem passou um pedaço de papel rapidamente para a mão do garoto e começou a comer a pizza.
Não conversaram mais, apenas terminaram de comer e cada um saiu em tempos diferentes. Kurone foi o primeiro a deixar a lanchonete, o menino encarava o papel pensativo, lá tinha o endereço de uma rua que nunca tinha ouvido falar.
“Ajudar a mamãe…” Ele viu a figura da mulher cansada de cuidar de tantos filhos que nem eram dela. O dinheiro estava acabando e ela precisava dos remédios. “Vou até lá para dar uma olhada”, pensou enquanto amassava o papel com força.
O local era imundo. Paredes pichadas, casas caindo aos pedaços e homens mal-encarados estavam espalhados por todos os becos escuros. Kurone sentiu um arrepio na espinha. Estava realmente no lugar certo?
Ele pensou em voltar, mas lembrou do rosto cansado da mãe e decidiu continuar. O uniforme negro de abotoaduras douradas chamava a atenção de todos os homens tatuados ao redor. Aparentemente aquela era uma área perigosa de Tóquio. O fedor de esgoto que pairava pelo ar era insuportável, o garoto andou o mais rápido que suas pernas permitiam.
Kurone quase gritou ao perceber que um rato enorme estava agarrado em seu sapato, mas tapou a boca e sacudiu a perna de um lado para o outro até se livrar do roedor. Escutou o som das gargalhadas dos homens fumando no beco rindo de como era patético.
O garoto parou por um segundo para amarrar o sapato, porém saltou rapidamente ao perceber que uma sombra em suas costas estava tapando a luz do sol. Ele caiu de costas, mas logo ficou de pé novamente e olhou para a figura à sua frente.
Era um homem enorme e gordo com tatuagens no rosto, usava longos brincos dourados e os dedos estavam repletos de anéis prateados. O homem sorriu, revelando dentes de ouro, e perguntou:
— Você é o Nakano filho? — A voz dele soava um pouco como a de um pateta, na verdade, todo seu estilo era incomum. Ele usava uma camisa roxa estampada com flores laranjas e calças pretas.
— S-sim — Kurone respondeu um pouco hesitante. O coração estava disparado. Por um segundo, pensou que fosse um assalto, mas aparentemente aquele homem conhecia seu pai.
— Venha comigo, o Nakano pai mandou eu te buscar. — O homem não esperou a resposta do garoto, virou as costas largas e começou a caminhar em direção a um beco estreito e apertado.
Por algum motivo, as pessoas ao redor mudaram a maneira de olhar para Kurone, suas expressões eram um misto de pavor e respeito. O garoto teve que acelerar o passo para acompanhar o grandalhão, apesar do tamanho, ele era bastante rápido.
O beco era tão escuro que o menino tropeçava a cada segundo e quase caía de cara no esgoto fedorento. Ele tinha que conter os gritos quando sentia algo escalando suas pernas, porém o homem enorme andava naturalmente pelo local, evitando os obstáculos ocultos, a água podre e os roedores irritantes.
— V-você é amigo do meu pai? — perguntou o garoto em voz baixa, no entanto o homem não respondeu. “Talvez ele não tenha escutado.” — VOCÊ CONHECE O MEU…
— Shh! — O brutamonte fez o garoto tremer e se calar com um gesto de mão.
Eles andaram por mais algumas centenas de metros pelo beco. O local que Kurone viu após sair do caminho escuro e fedorento era uma construção enorme e abandonada. As janelas e portas haviam sido quebradas e foram colocadas tábuas de madeira no lugar.
“Eu nem sabia que existia um lugar assim em Tóquio”, pensou ao levantar a cabeça e ver um céu acinzentado.
Ele pegou um metrô e gastou mais ou menos duas horas para chegar até ali, na verdade, nem sabia se ainda estava em Tóquio. Talvez estivesse nos subúrbios de Ibaraki ou Saitama, mas não importava, ainda estava em Kantou, então conseguiria retornar para casa antes do jantar.
— Por aqui. — O homem chamou a atenção do garoto. Ele tirou algumas tábuas da porta e apontou para o interior do local. — Entre, estão te esperando lá.
A passos lentos, ele caminhou até o local apontado. Assim que colocou o primeiro pé lá dentro, as luzes iluminaram o caminho que devia seguir. Glup! O garoto engoliu seco e continuou a andar. O brutamonte não o seguia mais, não sabia se isso era bom ou ruim, mas pelo menos escutava o barulho de algo atrás da porta que se aproximava. Kurone se aproximou e colocou a mão na maçaneta.
— Não é aí! — Uma voz repentina fez ele largar a maçaneta e olhar para trás, amedrontando. — Que fedor de bosta! Vocês vieram pelo beco? Aquele incompetente não sabe nem guiar as pessoas direito…
O dono da voz delinquente era um homem de bom físico, cabelos médios prateados e tatuagens enormes nos braços. — E aí, Kurone boy, que bom te ver.
— Tio?! — Kurone gritou surpreso. Sua voz reverberou por todo o salão.