Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 2

Capítulo 86: Origem Da Insanidade

— Seu pai está na outra sala — explicou o tio.

Kurone seguia o homem em silêncio. O local para onde iam ficava mais no interior da construção. A iluminação estava melhor, porém não escutava qualquer barulho.

— O que é exatamente esse lugar? — perguntou o menino com a voz rouca.

— Hmm… Já assistiu àqueles filmes onde o personagem tem uma ideia brilhante, o time perfeito, mas não tem a empresa? Sabe, tipo Vale do Silício ou aqueles filmes que o cara quer começar uma banda?

— S-sim…

A dupla chegou em uma enorme porta de metal com uma tranca idêntica a de um cofre. O homem mexeu um pouco na tranca e o barulho de algo se destrancando ecoou.

— Bem-vindo a nossa garagem! — ele disse empolgada enquanto apontava para o interior da sala.

No centro do local havia uma mesa de madeira grande, repleta de tubos de ensaios e ferramentas prateadas. Homens de jalecos brancos andavam apressadamente de um lado para o outro e, nos cantos da parede, alguns delinquentes estavam sendo examinados por aparelhos modernos.

Aquela sala com aparelhos estranhos e pessoas de aparência inteligente fez o garoto se esquecer daquela construção caindo aos pedaços no lado de fora. Outra porta se abriu e um homem de terno examinou o local até perceber a presença da dupla.

— Aí estão vocês! — saudou levantando as mãos ocupadas por planilhas. — Venham, tem algo que quero mostrar.

Os delinquentes e pessoas de jalecos ignoraram completamente a presença de Kurone e o tio e continuaram a fazer seu trabalho. Um dos delinquentes com um capacete bizarro lançou um olhar preocupado para o garoto, mas logo desviou a atenção.

— Esse lugar… Deixa pra lá. O que eu tenho que fazer para te ajudar?

— Direto ao ponto, como sempre. Não precisa se apressar, você vai descobrir em breve. — O homem ficou em silêncio e apressou o passo.

— E como está a minha princesinha, está cuidando bem dela? — perguntou o tio.

— Ah, sim. Ela está… bem. — Kurone não deu mais atenção às palavras do tio, apenas respondia de forma seca algumas perguntas. Toda a atenção do garoto estava voltada para pai.

— Kurone — ele começou repentinamente — você assiste aos noticiários?

— Hã…?

— Está tendo uma guerra de gangues desde o início do ano. Você viu aqueles homens tatuados quando chegou no endereço indicado? Todos eles estão envolvidos na guerra. Criminosos de todas as províncias do Japão estão lutando por seu território.

— Entendo… — o menino comentou olhando para o chão. 

Ele raramente assistia algo além de animes, porém escutou sobre a guerra de criminosos na escola. Era algo que ele realmente não se importava, por que o pai estava contando algo assim de repente?

— Não — disse o homem —, você não entende. Talvez nunca entenderá. Vou te contar uma coisa, filho, o maior inimigo de um homem em um campo de batalha não é ninguém mais que ele mesmo. Não importa se é um yakuza, um delinquente qualquer do ensino médio ou um soldado japonês, todos são submissos aos seus medos.

— Meu irmão sabe mesmo como usar as palavras — comentou o tio segurando o ombro de Kurone. — Mas ele tem razão. Uma vez mesmo eu ganhei uma cicatriz grande pra caralho nas costas porque fiquei com medo de matar um desgraçado. Fui na ideia de poupar a vida dele, porque ele tava implorando e quando virei as costas, vapo! O fdp me atacou com uma navalha.

O garoto não estava realmente entendendo o que estavam dizendo. Em primeiro lugar, ainda não haviam explicado o que ele deveria fazer ali.

— Agora imagine — o pai interrompeu a linha de pensamento do garoto —, um exército de soldados que não tem medo da morte. Movidos pelo ódio e a insanidade, tudo que eles pensam é lutar, matar e ganhar a guerra. Um exército assim seria imparável, não é?

— Eles seriam…

— Pessoas isentas de emoções? — o senhor Nakano completou — Não, não seriam. Pessoas assim não se importam se ganham ou perdem a guerra. É necessária uma única emoção: a insanidade, o desejo de matança pelo puro prazer, tentar transferir sua dor psicológica para outra pessoa por meio do assassinato. Chegamos! — Ele apontou para o interior de um quarto mal-iluminado.

O garoto parou repentinamente. Algo estava errado. Por que foi chamado ali? Com certeza não foi apenas para escutar uma história sobre guerras de gangues e loucos sem medo. O novo local não tinha nada mais que uma única cadeira de madeira no centro.

— Você quer saber o que precisa fazer para me ajudar, não é? É simples, basta me ajudar se tornando o primeiro guerreiro sem medo. 

— Hã?

— O senhor Yaegashi — o tio começou —, o chefe da yakuza da região, tem um método de treinar seus homens bem diferente dos outros. Ele cria os filhos dos atuais membros para serem verdadeiros yakuzas. Ele está financiando esse nosso projeto de garagem. O que esse homem deseja é encontrar diversos métodos para melhorar a qualidade de treino de seus homens.

— O projeto de usar uma droga que transforma os homens em verdadeiros loucos foi quase um sucesso, agora precisamos testar se essa droga também funciona em crianças… Claro, a dosagem será bem menor e aumentará conforme forem crescendo.

Enfim compreendeu!

— Você quer que eu… — ele engoliu seco antes de continuar: — quer que eu seja seu rato de laboratório.

— Vamos lá, filho, não pense assim. O termo correto seria “voluntário a fim de ajudar em im projeto para dar um fim à guerra de gangues”, você estará nos ajudando a deixar Tóquio e o Japão mais seguros… Sem falar também que 40% do que eu receber do senhor Yaegashi será enviado para sua mãe, o que acha?

O menino cerrou os punhos. A proposta era suspeita desde o início, porém ele sabia que seu pai podia ser tudo, desde um traficante de drogas a um doutor maluco tentando acabar com a guerra, mas definitivamente não era um mentiroso. Não sabia o que aconteceria se aceitasse, mas sabia o que aconteceria se não aceitasse. A saúde frágil de sua mãe piorava a cada, a mulher precisava dos remédios, mas não tinha dinheiro suficiente…

— E-eu… — o garoto hesitou por um minuto. Sabia a resposta, mas não conseguia verbalizá-la — eu aceito!!

— Perfeito! Pode se sentar ali. — O homem apontou a cadeira no centro da sala.

O assento era desconfortável e tinha correias de couro nos braços e nas pernas dianteiras. Kurone sentou-se após respirar fundo. 

— Vou precisar prender você aqui. A droga tem alguns efeitos colaterais… — disse o tio.

— Efeitos colaterais!? — gritou surpreso. O corpo trêmulo deixava a voz do menino “rasgada”.

— Sim, alguns deles são ansiedade, lapsos de memória, Síndrome de Estocolmo, bruxismo, desvio de atenção, Síndrome do Pensamento Acelerado e alguns outros transtornos. Não se preocupe, você pode ter a sorte de não adquirir nenhum ou o azar de adquirir todos — explicou o pai.

O senhor Nakano pegou uma injeção de agulha fina e extraiu o conteúdo de um pote que carregava no bolso. — Não se preocupe, apesar de não termos dinheiro parar a aquisição de novo material, a agulha foi totalmente esterilizada — concluiu.

Os músculos do garoto ficaram tensos ao ver o objeto. Uma das coisas que Kurone mais odiava era tomar vacina, nunca foi fã da dor, sempre corria com cuidado para não cair e se machucar.

Os dentes roçaram uns contra os outros quando a agulha entrou em contato com a carne do braço esquerdo. Primeiro, sentiu as fibras sendo perfuradas lentamente, primeiro a derme, em seguida a epiderme, depois os músculos e o sangue emergindo em direção ao orifício minúsculo aberto pela injeção.

Por último, sentiu como se uma mangueira estivesse jorrando água em sua corrente sanguínea. O braço começou a queimar e teve a impressão de que chamas estavam espalhando-se rapidamente por todo o corpo até chegar no cérebro.

— Ahhhh! — gritou ao sentir uma pontada violenta na cabeça. Cada músculo do corpo, com os braços e pernas presos nas correias de couro, começou a tremer incessantemente. Qualquer pessoa que passasse por aquela sala teria a impressão de que o garoto estava sendo eletrocutado.

Espuma escorreu pelos cantos da boca e os olhos reviraram. A queimação na cabeça aumentava cada vez mais, cada segundo se tornou um inferno para o garoto, teve a impressão de ter cada osso quebrado e reconstruído inúmeras vezes.

Booom! O cérebro era uma zona de bombas nucleares, por algum motivo, Kurone escutava vozes macabras misturadas ao som de algo explodindo na cabeça. — AHHHH! — berrou quando a visão escureceu. 

— Aperte mais as correias! — ordenou o senhor Nakano ao irmão. 

O garoto não conseguia distinguir as vozes de fora das de dentro, ambas eram acompanhadas de um zumbido insuportável. Ele teve ânsia, sentiu o estômago revirar e arde, mas aquilo era o de menos, as vozes, as vozes na cabeça eram o pior! Escutava gritos das mais variadas emoções. Ódio, sadismo, pavor, fúria, tristeza, insanidade, melancolia, alegria. O misto de berros reverberando no crânio se misturavam e criavam uma única voz macabra.

— Faz isso parar! Ahhh!

O menino nem tinha certeza de ainda havia alguém na sala, talvez estivesse berrando a ponto de rasgar os cantos da boca para as paredes. A visão alternava entre a cegueira e o mundo turvo. Todo o rosto estava umedecido com as lágrimas, a saliva, o ranho e um pouco de sangue.

— Para! Para! Para! Para!

Berrou, berrou e berrou, mas nada ninguém respondeu, teve a impressão de que alguém havia apertado as correias de couro, mas não podia confirmar isso. As mãos estavam doendo muito por conta do esforço para se soltar.

Aquele inferno não durou mais que oito minutos, mas para o garoto foi uma eternidade, na verdade, ainda duraria mais, mas o corpo não suportava aquela dor excruciante. 

Ele apagou.



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