Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 2

Capítulo 84: Promessa No Hospital

— Ah, é você — disse Teruhashi com indiferença. — Trouxe outro fardo para a senhora Nakano cuidar?

— É bom te ver novamente também, Teruhashi.

A garota deu as costas e voltou para o quarto. Apesar daquele ser o seu pai, ela gostava da mãe de Kurone mais do que o senhor Nakano. Era com razão.

A mulher era nada mais que uma escrava. O homem desaparecia por alguns meses, tinha casos com várias mulheres e, quando elas o abandonava, ele jogava os frutos dessas relações para a senhora Nakano cuidar. Ela não podia reclamar, afinal as contas da casa, a comida e tudo mais era pago com o dinheiro mensal enviado por ele, bastava apenas aceitar.

Teruhashi não estava contente com essa forma de vida. Pelo que contou, esteve vivendo sozinha até ser mandada para a casa de Kurone — o homem foi obrigado a fazer isso pelo conselho tutelar. A garota estava magra porque quase não se alimentava e a pele pálida se devia ao fato de quase nunca sair do quarto imundo que vivia. Ela era grata a Kurone e a mãe dele que acolheram e trataram a menina como um membro da família.

— Ah, querido — disse a mulher sem entusiasmo.

— Trago boas notícias, vim para morar com vocês!

— Que surpresa, eu acabo de ver no noticiário…

A senhora Nakano era uma mulher de cabelos negros curtos, a franja longa cobria ambos os olhos. A pele dele era pálida, tinha seios fartos e um corpo curvilíneo, apesar da aparência bonita, a mulher tinha uma saúde frágil — porém sempre tentava esconder isso.

O senhor Nakano, por sua vez, era um homem esguio, de cabelos negros e rosto severo. Ele era uns dez anos mais velho que a mulher. Kurone só lembrava de ver ele usando terno e chapéu.

— Ahhh, caramba, foi a minha nova esposa — ele começou a falar despreocupado —, ela roubou quase todo meu dinheiro da conta e fugiu para a América, o pior de tudo é que ela deixou nossa filha para trás. — Apontou para a menina dormindo em seu ombro. — Mas não importa, eu e meu irmão começamos um novo investimento, em breve estarei de volta ao topo! — acrescentou enquanto ia para a cozinha.

Kurone observava a cena sem dizer uma única palavra. Para ele, aquele homem era como um estranho. O garoto voltou a atenção para a garotinha dormindo, ela aparentava ter uns dois ou três anos.

— O nome dela é Raika — respondeu ao perceber o olhar do filho. — É sua irmã também, espero que possa gostar dela assim como gosta da Eriko e da Teruhashi — completou sorrindo.

— Eu não vou! — o garoto gritou cerrando os dentes.

— Hã? O que você quer dizer?

— Eu não quero mais irmãs, pare de trazer essas crianças para cá! 

Após o berro, o garoto correu pelas escadas e bateu a porta do quarto violentamente.

— Kurone…

— Ele tem razão — começou Teruhashi —, a senhora Nakano está ocupada cuidando da Eriko, por que insiste em trazer suas responsabilidades para cá? Não tem vergonha de falar na cara dela que estava casado com outra mulher enquanto ela tinha uma filha sua na barriga?

A garota também subiu os degraus irritada. Diferente de Kurone, o que a irritava era o fato da senhora Nakano aceitar tranquilamente o fato de que era apenas mais uma esposa entre as dezenas que aquele homem tinha.


Passou-se uma semana e o senhor Nakano continuava lá. Ele ficava a maior parte do dia fora de casa e retornava à noite. Quando voltavam da escola, Kurone e Teruhashi revezavam entre cuidar das meias-irmãs e cuidar da casa. O garoto normalmente evitava cuidar de Raika.

— Ouvi falar que você tem uma nova irmã, posso ir ver ela? — perguntou a garota irritante que sempre o acompanhava na saída da escola.

— Ela não é minha irmã, apenas filha do meu pai. Mas não me importo, você vai lá em casa sem avisar de qualquer jeito.

A garota era Luna Nakano, sua prima. Ela era filha do tio com uma italiana, por isso tinha um nome e aparência incomum para uma japonesa. Os cabelos eram loiros e os olhos azuis, quando se irritava normalmente xingava em italiano para não ser repreendida.

— Você não pode falar esse tipo de coisa com sua pequena irmãzinha.

— Tsc, ela só dá trabalho para minha mãe.

— Ah! Kurone, Luna, esperem! — A voz distante chamou a atenção deles.

Teruhashi enfim havia passado de ano e estava no ensino médio. Naquela época ela tinha 16 e Kurone 10. A garota acenava energicamente para a dupla com uniforme do fundamental.

— Ei, ei, vocês querem ir ao novo parque? Tem uma roda gigante enorme lá, dizem que o homem que fica no controle se diverte parando o brinquedo e deixando os casais no alto por alguns minutos — Teruhashi disse piscando para Luna, que corou imediatamente.

— Woow! Parece irado ficar suspenso no ar! — comentou Kurone.

— S-só de pensar nisso meu estômago fica embrulhado, mas não sei se minha mãe vai deixar…

— É mesmo, aquela bruxa não gosta da nossa família… Ah! Foi mal, foi mal, não queria ofender! — Teruhashi se desculpou desesperadamente balançando os braços.

Diferente da senhora Nakano, a mãe de Luna era uma mulher cabeça quente. Quando descobriu que estava sendo traída por seu marido, ela espancou o homem e o expulsou de casa. A mulher virava o rosto para o lado e torcia o nariz ao ver alguém da família Nakano, porém ela permitia que Luna frequentasse a casa de Kurone algumas vezes, talvez por se identificar com a mãe do garoto.

— Vou ver se consigo conversar minha mãe! — disse Luna enquanto se despedia. 

— Ótimo, Eriko e Raika estão dormindo cedo, então vamos sair de casa às 19:00 — respondeu Teruhashi acenando de volta. — Precisamos passar no supermercado antes de voltarmos, não é? O seu pai disse que ia comprar algumas coisas ontem e não voltou para casa.

— Sim, vamos logo.


— No fim, nós não fomos ao parque. — Kurone deixou sua voz arranhada escapar.

Ele não sentia seu corpo físico, não sabia se estava frio ou quente e sua visão não via nada além da escuridão. 

— Por quê? — perguntou uma voz masculina desconhecida.

— Quando chegamos em casa, encontramos nossa mãe desmaiada. As duas crianças estavam chorando em um fedor de álcool insuportável estava impregnando o ar. 

— Seu pai voltou bêbado? — perguntou a voz quase sussurrando.

Kurone teve um arrepio ao escutar a voz tão próxima, ele não sentia seu corpo físico, era só uma consciência vagando pela escuridão e relembrando um passado sombrio que não terminava em um final feliz, porém, de alguma maneira, outra voz também conseguia ver suas memórias. Talvez fosse Deus ou o diabo, ou fosse apenas uma alucinação, não importava, ele gostava do fato de mais alguém assistir aquilo.

— Sim, ele estava bêbado. A princípio, nós pensamos que havia sido agressão, a Teruhashi quase avançou nele…


— O que você fez, desgraçado?! — a garota gritou furiosa.

— Hã? Ela veio com papo de… de… sei lá, eu neeemm lembro ma-mais… hic! — O homem baforou álcool no rosto da garota.

Kurone estaca ao lado do corpo da mãe, tentando acordar a mulher em meio às lágrimas. — Precisamos ligar para a ambulância! — gritou ao tocar o bolso e sentir o celular.

— Por que você não fez pelo menos isso?! — Teruhashi rugiu apontando para o homem bêbado.

— Eeeh?? Eu perdi meu celular… por aí…

A garota estava se contendo para não dar um soco ou pegar a faca em cima da mesa. Já estava naquela casa há um ano e considerava a senhora Nakano como a própria mãe, não aguentava ver ela daquela maneira, e pior, saber que o culpado estava à sua frente. 

O choro das crianças vindo do quarto foi sobreposto pelo barulho das sirenes da ambulância. Rapidamente a mulher foi levada ao hospital, como o homem estava bêbado, os paramédicos permitiram que os irmãos acompanhassem a mulher. Uma das socorristas ficou para trás, como a missão de cuidar das duas crianças chorando.

Alguns minutos depois o homem foi levado pela polícia, no entanto foi solto após algumas horas. Não houve agressão, aparentemente a senhora Nakano havia discutido com o homem bêbado, se estressado e desmaiado em seguida por conta de sua saúde frágil.

— Aquele desgraçado — Teruhashi comentou ao ver a mãe dormindo profundamente na cama do hospital.

Kurone estava dormindo com a cabeça encostada em seu ombro. A garota olhou de relance para ele e suspirou.

— Não se preocupe, irmão, eu vou nos proteger, não importa o que aconteça. É o mínimo que posso fazer…

A garota voltou a atenção para a mulher dormindo. Tinha muito a agradecer àqueles dois. Antes de conhecê-los, a ideia de tirar a própria vida se passava diariamente em sua cabeça. Não tinha motivos para continuar viva, por isso deixou de se alimentar e sempre estava encarando a janela do terceiro andar que morava.

Sempre que passava por uma ponte, encarava a água por algumas horas. No dia em que estava determinada a dar um fim à própria vida, um garoto lhe perguntou: “Você também gosta desse mangá?” Sua vida mudou após aquele dia e, em pouco tempo, não sentia mais o desejo de desaparecer, apenas de proteger a sua família.



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