Volume 2
Capítulo 80: A Condessa Hematófaga do Caos
O barulho de tiros, cortes, risos e destruição intensificou-se, no entanto aquilo não era mais importante para Frederika. Quando pensou que seria útil, morreu da maneira mais patética possível, em um único golpe.
Ela estava habituada a cortes e tortura desde muito cedo, sendo tratada como um objeto de pesquisa por conta de sua capacidade de cura anormal. Seu corpo foi modificado inúmeras e inúmeras vezes, a transformando no monstro que não podia ser tocado por ninguém.
Quando um dos homens morreu sem mana ao tocar em seu corpo, a garotinha soube que aquele era o momento perfeito para fugir.
Ela tocou em várias pessoas e tirou suas vidas, tentaram perseguí-la, mas foi uma tentativa inútil.
Correu até desmaiar de fome, ninguém a ajudou. Chorou sem parar até perceber o motivo pelo qual as pessoas a evitavam: seus olhos heterocromáticos. Na verdade, quem lhe disse isso foi uma senhora que andava vagarosamente pela floresta onde vivia escondida.
“Dizem que é mau agouro”, explicou a senhora que não teve medo de se aproximar. Ela ofereceu frutas e água potável à menina chorosa.
O olho esquerdo de Frederika era vermelho e o direito castanho. Não sabia se o glóbulo ocular avermelhado era fruto dos experimentos ou estava consigo desde o nascimento. Talvez esse fosse o motivo para ser abandonada pelos pais.
A senhora voltou outras vezes, sempre trazendo comida, água e cobertores. Certo dia, ela entregou uma venda negra e disse:
“Agora você pode ir para a cidade”, disse em um sorriso largo. Aquela foi a última vez que a viu. Percebendo que se ficasse ali morreria de fome, Frederika foi obrigada a se mover.
Andou por duas ou três semanas sem descanso, percebeu que não morreria de fome, no entanto a dor na barriga era insuportável, a garganta seca também era um incômodo.
“O que uma garotinha está fazendo aqui?”, perguntou um brutamonte de olhar malicioso. Ela foi convidada a entrar na carruagem do homem suspeito e, dois minutos depois, quando viu várias crianças semi-humanas chorando, descobriu que aquele era um veículo que transportava escravos.
Dois dias depois, foi vendida como escrava para um senhor gordo em um leilão, porém o homem morreu assim que tocou em seu braço. Foi um alvoroço. Todos correram desesperados e os guardas foram convocados para executar a menina, mas ela fugiu antes que chegassem.
Novamente, Frederika correu até chegar em um novo local, uma vila pacata de mestiços. Àquela altura, os boatos sobre uma garotinha vendada muito perigosa já haviam se espalhado por todo o reino. Ninguém a denunciou, todos tinham medo de se aproximar, mas vez ou outra alguém jogava as sobras para que pudesse comer.
Após um ano, a menina soube que estaria segura naquele lugar, apesar das pessoas a observarem com olhos assombrados e comer nada mais que sobras encontradas no lixo. Todas as noites chorava antes de dormir…
“Tudo bem! Eu não vou te machucar…” Essas foram as primeiras palavras que escutou do jovem que mudaria sua vida.
A vila estava em chamas e as pessoas fugiam desesperadamente, porém ela sabia que ninguém a salvaria, estava condenada a sentir a dor do corpo sendo queimado violentamente e depois reconstruído. Tentou correr, mas o jovem a pegou e jogou no ombro. Frederika tentou se soltar, mas o jovem era mais forte.
Após aquele dia, sua vida mudou completamente. Sentiu o que era um toque gentil, diferente das agulhas e lâminas que usavam para explorar seu corpo. Ganhou um nome e alguém que podia confiar. Porém, estava deixando aquele jovem morrer por ser fraca…
— É tudo minha culpa — disse uma voz no fundo da mente de Frederika —, perdoe-me.
A garotinha não via nada além da escuridão, mesmo sendo torturada inúmeras vezes, jamais passou tanto tempo ali. Ocasionalmente, escutava aquela voz, mas sempre a ignorava. Será que estava realmente morta dessa vez?
[Os requisitos do foram cumpridos. O Receptáculo está pronto.]
— Prometo que vou te ajudar, vou salvar a pessoa mais preciosa do mundo para você, Frederika — disse a voz estranha mais uma vez. — Por favor, permita-me te ajudar.
[A mana absorvida é suficiente para libertar O’Blood nous Renfield, A Condessa Hematófaga do Caos. Deseja iniciar o Rompimento do Selo?]
— Eu prometo que vou salvar ele, apenas diga “Sim”.
— …! S-sim!
— Prometo que não vou te decepcionar.
Frederika sentiu o seu ser formigar, a escuridão desapareceu, porém, ela não viu mais nada além da silhueta de uma bela mulher de olhos heterocromáticos e longos cabelos azuis esbranquiçados.
[O’Blood nous Renfield reviveu!]
A batalha árdua contra Azazel van Elsie continuava na praça de Eragon. Kurone permanecia ajoelhado, com um enorme buraco no peito e encarando o seu braço decepado à sua frente. Rory era jogada de um lado para o outro pela oponente.
Havia o problema que não podia matar Elsie, se assim fizesse, Kurone morreria imediatamente. O jovem só estava vivo por conta de algum feitiço da demônia, quando ela quisesse, poderia matá-lo. Os tremores aumentaram e a ilha começou a despencar mais rápido, seria questão de poucas horas até a cidade tocar o solo.
Em meio àquele campo de batalha mortal, estava o corpo ensanguentado de uma garotinha, partido em duas bandas na diagonal. Repentinamente, o corpo começou a ter espasmos e o sangue se moveu como se alguém o controlasse. O céu ganhou um tom carmesim e o vento aumentou, porém aconteceram tantos eventos estranhos que ninguém prestou atenção naquilo, qualquer desvio de olhar seria fatal.
O corpo em duas bandas da garotinha se tornou uma esfera vermelha envolta por sangue que se expandia lentamente.
Rory e Elsie pararam a troca de ataques e olharam em direção à esfera anormal, por algum motivo, uma aura demoníaca estava vindo dela. Sem perder tempo, a demônia mascarada girou a foice com habilidade e foi em direção ao objeto para cortá-lo com um único golpe da lâmina, porém foi arremessada ao se aproximar. A esfera explodiu e espalhou sua aura por todo o local e, de dentro dela, pôde ser vista uma silhueta de uma bela mulher.
— Eu retornei! — gritou como se estivesse testando as cordas vocais. — Venham! — estendeu a mão para o céu avermelhado e as nuvens começaram a se mover e tomar formas de centenas de animais negros com olhos avermelhados.
A mulher que saiu da esfera tinha longos cabelos azuis esbranquiçados que acabavam na cintura, olhos de cores diferentes, caninos alongados e um rosto de expressão nobre. As vestimentas de tom vermelho e preto destacavam-se em seu rosto pálido.
— N-não é possível… — comentou Azazel. — Outro membro da Família Real? Isso está ficando cada vez mais interessante! — Ela agarrou a foice com força e a girou com destreza, entrando em pose de combate.
— Azazel van Elsie — começou a mulher —, cure Kurone Nakano e prometo te dar uma morte indolor.
— Mas é arrogante mesmo, vamos ver o que pode… Argh!
Antes que pudesse terminar a provocação, Elsie sentiu uma mão em sua cabeça e, em seguida, teve o rosto enterrado no chão. Incrivelmente, a mulher teletransportou-se em uma velocidade absurda até a demônia e a atacou sem piedade.
Ainda pressionando a cabeça de Azazel, arrastou a demônia como se arasse o chão com seu corpo e o arremessou em um prédio próximo. — Blergh! — Elsie deixou o suspiro escapar ao bater as costas contra o concreto.
— Vou ordenar apenas mais uma vez, cure Kurone Nakano, se recusar, terei que cortar pedaço por pedaço do teu corpo até você obedecer.
— Boa, boa. Enfim, um oponente de verdade! Haha! Certo, certo, certo, terei que usar 85% do meu poder contra você! — a demônia gritou excitada.
A pressão no local aumentou e até Rory sentiu as pernas trêmulas, a garotinha foi obrigada a usar o fuzil negro como uma muleta. Ela estava em um estado deplorável, o corpo estava completamente ensanguentado e as feridas incuráveis só haviam aumentado.
As construções ao redor desmoronaram uma após a outra, o poder esmagador de Elsie destruía tudo ao seu redor, por sorte Kurone estava em um tipo de prisão invisível criada pela oponente para que ele não morresse facilmente, mesmo sem o coração e o sangramento infindável no local onde o braço foi decepado.
— Hahaha! Será que ainda consegue ficar de pé depois dessa? Hã? — O tom de voz da demônia mudou ao olhar para a figura da mulher andando lentamente.
— Por que está surpresa? Achou mesmo que ia me intimidar apenas com 85%? Não seja patético, inseto, você precisaria de pelo menos 99% para me enfrentar, porém vou ser piedosa e te enfrentarei com 40% do meu poder total — a mulher disse em seu tom nobre e estendeu a mão em direção a ela.
Crash! O som do corpo de Azazel sendo arremessado e quebrando paredes reverberou pelo ar da cidade.
— Estou sentindo a presença de outro Duque, me façam o favor e matem ele — ordenou aos morcegos negros sobrevoando sua cabeça. Uma nuvem com centenas de animais moveu-se, devorando os gafanhotos metálicos que estavam em seu caminho.
— Kurone, aguente firme, eu prometo que vou te salvar — disse enquanto encarava o jovem surpreso ajoelhado. — E você também, mestra Astarte. — Ela voltou a atenção para Rory, que mal conseguia ficar de pé. Por algum motivo, os olhos heterocromáticos da mulher ficaram marejados ao ver a garotinha naquele estado.