Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 2

Capítulo 47: Mestiços

— Ela vai ficar bem, está apenas dormindo. Provavelmente vai se recuperar totalmente em três dias. Roff!

— Entendo… O que ela teve?

— Falta de mana. Roff!

 Se ela ficasse exposta por mais um segundo àquela criança… Não queria nem pensar no que aconteceria!

O garotinho com orelhas de cachorro contou o diagnóstico da cocheira ao jovem.  Ele engoliu seco ao ver o corpo imóvel de Amélia na carruagem.

Naquele mundo, a falta de mana era sinônimo de morte. Era como um tipo de combustível que movia os seres humanos, porém, existiam anormalidades que podiam viver sem mana, como Dora, ou que não tinham quase nada, como Rory, e claro, tinha a maior aberração de todas: Kurone Nakano, uma fonte ilimitada.

Não era de se impressionar que o garoto não fora afetado pela garotinha, mesmo tendo tocado nela por tanto tempo. Por falar nisso, a menina ficou bem apegada a ele. Não, não era uma metáfora, ela estava literalmente grudada nele e não largava!

— …!

— Ei, o que vamos fazer com esse monstro? Ela é perigosa. — Rory fez o comentário insensível, apontando para a garotinha ao lado do jovem.

— Não podemos deixar ela aqui.

— Então você quer levar essa coisa até a cidade? E se isso nos matar? Com certeza isso aí é meu inimigo natural.

— Usar "isso" e "coisa" não tá ajudando! — Kurone repreendeu a loli arrogante.

Naquele momento, as carruagens estavam a aproximadamente trezentos metros do incêndio. Os dois veículos desviaram completamente do caminho.

Por sorte, na outra carruagem havia um garotinho com orelhas de cachorro e trabalho de médico. Ele ajudou a amenizar os danos no corpo de Amélia, fazendo uma transfusão de mana de Kurone para a cocheira. “Mas agora nos separamos do comboio”, suspirou o garoto, discretamente.

— Ei, Nakano, tem uma pessoa querendo falar com você! — O vozeirão de Orcus invadiu o interior do veículo.

— Tudo bem, já vou sair. Rory… fique de olho na garotinha e na Amélia.

— Quem você pensa que é para me dar ordens? Ei, volte aqui, não me ignore.

A tentativa de desvencilhar-se da menina foi inútil. Sem outra escolha, Kurone teve que levá-la junto, mesmo sabendo que ela seria alvo dos olhares da multidão.

No lado de fora da carruagem, estava o rosto familiar da camponesa que conheceu no incêndio. Ela parecia tensa e um pouco pálida, mas forçou a voz mesmo assim:

— O-o senhor Orcus nos contou que o senhor é alguém importante em Andeavor… p-por favor… o senhor pode nos ajudar?

— N-não precisa se ajoelhar! — Kurone gritou, completamente corado. “Orcus, seu fofoqueiro!”

— Por favor! Não temos para onde ir! — Um senhor ao lado dela também ficou de joelhos.

— Não podemos ir para Eragon. Não somos bem-vindos lá. — explicou um jovem na casa dos vinte anos, atrás da dupla ajoelhada.

— Não podemos mais voltar para Andeavor, sem falar que só temos duas carruagens. Roff! — interveio o médico de aparência infantil.

— Sem problemas. Todos nós estamos acostumados a viajar grandes distâncias a pé. Só precisamos de um lugar para ficar quando chegarmos à Andeavor — explicou o homem de meia-idade.

— Todos vocês…

— Hã?

Os representantes da multidão olharam confusos para Kurone, que completou:

— … São demônios, não são?

— Não exatamente. — A mulher olhou hesitante para seus companheiros antes de prosseguir: — Somos mestiços, assim como sua cocheira. 

— Ou seja — o senhor concluiu: —, não somos humanos nem demônios. Da mesma maneira, não somos bem-vindos em nenhuma das terras. Provavelmente aqueles que incendiaram nossa vila foram humanos religiosos. Não é a primeira vez que isso acontece… — A frase terminou com a boca do homem de meia-idade fechando em um sorriso amargo.

“A Amélia é uma mestiça e não um demônio?” Kurone ponderou perguntar, mas decidiu deixar aquilo para quando a cocheira estivesse acordada. Esperava que fosse o mais breve possível!

— O senhor pode nos ajudar? — A mulher voltou os olhos suplicantes para o jovem. Como poderia negar um abrigo a pessoas necessitadas?

— Não é muito, mas tenho um lugar em mente: as terras do falecido marquês Soul Za. É muito, muito, muito longe mesmo, mas lá vocês estarão seguros.

— Ahhhhh! Muito obrigado, muito obrigado! — A camponesa abraçou o jovem repentinamente, fazendo ele quase tombar na garotinha agarrada em seu braço.

— C-calma aí!

— Mil perdões, mil perdões!

— Tudo bem, cof, cof. Enfim, quando chegarem às terras Soul Za, procurem uma garota chamada Brain e digam a ela… Ah! Digam a ela “Kurone Nakano os mandou para saldar sua dívida”.

— O que isso significa?

— Haha… — O jovem constrangido passou a mão pelos cabelos negros. — Na verdade, eu roubei essa frase de um filme e ela não vai entender nadinha. Com certeza a Brain vai ficar irritada e vai me xingar muito…

— Isso não é ruim?! — gritou o senhor.

— Não se preocupem, com isso ela vai saber que vocês foram enviados por mim e não tentará matar ninguém. A partir daí, basta explicar toda a situação.

— Entendo! Muito obrigada, senhor Kurone! — A mulher agradeceu e correu para contar a notícia aos outros.

— A propósito — Kurone chamou a atenção do jovem mestiço se preparando para sair também —, não bebam nenhum chá oferecido pela Brain.

— C-certo — O mestiço assentiu confuso e juntou-se à multidão.

— Com isso resolvemos os problemas com os mestiços, agora só falta nos encontrarmos com as outras carruagens. Roof!

— Realmente — concordou com o garoto de orelhas peludas.


Mais uma vez, o céu mudou de seu brilho azulado para a vasta escuridão da noite. O grupo de Kurone não se moveu durante todo o dia.

— Não vai comer? Roof!

— Tomei uma sopa mais cedo, tô sem fome.

— Bem, eu estou indo comer e em seguida dormirei, mas se acontecer qualquer coisa com a senhorita Amélia, pode me acordar. Roof!

— Ok, obrigado por toda a ajuda.

Kurone encarou a saída da carruagem até as costas e o rabo canino desaparecerem, em seguida, voltou sua atenção para a cocheira dormindo. O peito quase inexistente da garota em seu uniforme subia e descia lentamente. Aquela cena era uma tortura para o jovem.

— Interrompi seus atos pervertidos?

— Quem diabos faz isso pra uma pessoa em coma?! — respondeu de maneira habitual à loli arrogante.

— Nunca se sabe, você é bem pervertido. Acha que não vejo você mexendo em meu cabelo a noite?

— Isso foi apenas uma vez e você tinha deitado em cima de um pedaço de bosta! A propósito, ainda sinto o fedor, por um acaso, você não toma banho?!

— Huh!!!

O jovem abriu um sorriso maldoso ao ver que havia vencido a garotinha. Conversas daquele nível, para eles, se tornaram uma competição de insultos e difamações. Apenas o mais forte e boca suja prevaleceria!

— O que faz aqui?

— Quero dormir. A carruagem não é sua, por isso, se for fazer perversões com a cocheira, não faça barulho.

— Já disse que não sou pervertido!

— Se você diz. Mas não esqueça de dormir também, ou vai parecer um zumbi quando chegar a Eragon.

— Você está se preocupando comigo? Que fofo.

— Claro que não, idiota. Reconheça seu lugar. Não tá se achando demais não? Já se olhou no espelho? Sua cara não é das melhores, se não dormir vão te confundir com um monstro e te matar.

— Argh! Isso foi desnecessário! — “Mas sei que só faz isso quando fica com vergonha!”

— De qualquer forma, vá dormir para não ser morto. Não quero perder minha fonte de mana. Assim eu também vou acabar sendo morta. Está tão excitado porque nunca viu o corpo de uma garota em coma? — A garotinha empurrou a lógica estranha e mudou de assunto, apontando a cocheira.

— Na verdade… tô aflito exatamente porque vi uma pessoa que eu gostava em coma. No fim, eu perdi ela.

— Eca. Sua cara fica horrível quando tá triste. Nunca mais toque nesse assunto e vá dormir. A cocheira vai acordar, não precisa fazer uma expressão nojenta dessas. Esquisito.

— Sei que tá tentando me consolar, mas não precisa me xingar tanto!

— Você acha que tô tentando te consolar? Credo. Vou dormir. Você é nojento demais. Vou acabar vomitando.

Rory jogou o fuzil que carregava no chão da carruagem e deitou-se ao lado do local onde Amélia estava.

— Bons sonhos, Rory. — O jovem disse em tom baixo e foi ignorado completamente.

“Hmpf, loli tsundere.”

— Argh! — Ele gritou ao ser atingido pelo soco da garotinha. A telepatia estava sempre ligada para momentos como aquele, já que Rory era nêmesis da palavra “tsundere” tão usada pelo jovem.

O dia tão conturbado se encerrou em um soco.



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