Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 2

Capítulo 46: Criança Amaldiçoada

As carruagens começaram a se mover novamente ao amanhecer; todas em fila indiana. O veículo conduzido por Amélia estava em penúltimo lugar. A distância entre cada carruagem era de aproximadamente cem metros — a de Kawaii era a primeira.

— O que é aquilo?

Kurone olhou rapidamente para o local apontado por Amélia.

Em contraste com a grama verde da pequena montanha, um tom vermelho-alaranjado se espalhava rapidamente por todo o cenário.

— Fogo! — gritou Orcus.

— Um incêndio florestal? Por que diabos tem um incêndio nesse fim de mundo?! — protestou o jovem, vendo que seria questão de minutos até o fogo se aproximar.

Eles poderiam se afastar rapidamente do local antes das chamas os alcançarem, porém…

— Posso atirar? — sugeriu Rory, ao perceber uma multidão fugindo do incêndio.

— Claro que não!

— Tsc! Então vamos embora logo, não tem carona pra toda essa gente.

O ato de Rory perguntar antes de atirar na multidão foi admirável, porém, Kurone deixaria para depois os parabéns e focaria apenas nas pessoas desesperadas se aproximando.

— Tem alguma vila por aqui, Orcus?

— Ummm… Tem uma coisa por aqui, sim, mas eu não chamaria aquilo de vila…

O garoto franziu o cenho com a resposta do homem. Uma vila que não era uma vila? De qualquer forma, não importava!

— Amélia!

— Não precisa dizer mais nada!

Percebendo a intenção do jovem, Amélia saiu da estrada de terra para a de grama.

— Ei, estamos indo para o incêndio?

— Nem preciso te responder, certo? — O jovem olhou de soslaio para a loli indiferente. A telepatia funcionava perfeitamente, mas a garotinha insistia em fazer perguntas e apontamentos óbvios para provocar o garoto. Era a Rory Nakano sendo a Rory Nakano.

Enfim, após passar por uma multidão em pânico e subir um pouco mais a montanha íngreme, eles chegaram à origem das chamas: uma pequena vila, onde gritos de desespero reverberavam pelo ar tomado pela fumaça. "Então é mesmo uma vila!"

— Por favor… por favor… — A voz sôfrega roubou a atenção do grupo.

Era uma mulher de cabelos dourados, rosto sujo e roupas simples. A representação perfeita da palavra "camponesa". Sangue escorria lentamente do ombro da mulher e o rosto belo possuía marcas de queimadura de primeiro grau.

— Minha fi-filha ainda está na vila! Alguém ajude ela! — A camponesa gritava, mas as pessoas só tinham uma coisa em mente: fugir o mais rápido possível. Quem arriscaria sua vida por uma criança desconhecida? Seria loucura! O grito desesperado da mãe foi ignorado por todos, exceto por um jovem…

— Tsc! Lá vai o idiota novamente — praguejou Rory, ao ver seu companheiro saltando da carruagem e correndo na direção da mulher desesperada.

Quantas vezes ele escutara essa frase clichê? "Ajudem minha filha." Kurone ainda carregava a culpa de não ter salvo a garotinha da vila Grain, mas não poderia baixar a cabeça apenas por uma derrota. 

O verdadeiro objetivo do "Lolicon Slayer" era salvar crianças. Não era à toa que acabava sempre envolvido em problemas relacionados com crianças; provavelmente Cecily estava mexendo os pauzinhos.

— Senhora, como é sua filha? — gritou o jovem para a mulher de olhos marejados.

— E-ela tem cabelos negros e está usando um v-vestido simples. — A mãe forçou a fala.

— Nada específico. Com certeza o idiota não vai encontrar.

— Ahhh! Quando você chegou aqui!?

Rory apenas olhou de soslaio para o garoto surpreso e continuou:

— Mas sei que você é tão idiota que não vai me escutar, então tente pelo menos não morrer carbonizado. Lembre-se que você tem a obrigação de me sustentar com mana.

— Você podia não ter dito a última parte!

— Vá logo.

Olhando uma última vez para a camponesa desesperada e a garotinha de cabelos brancos ao lado, Kurone cerrou os punhos e correu em direção à vila.

Quantas pessoas viviam lá? Havia uma multidão interminável fugindo do fogo. O jovem foi obrigado a se espremer entre eles — ir pelo lado oposto da multidão nunca foi tão difícil!

Apesar da quantidade absurda de moradores, a vila não era tão grande. Ela teria um terço do tamanho de Grain. Seria mais fácil para o garoto encontrar uma criança de cabelos negros chorando pela mãe ali.

— Saí da frente!

— Deixa eu passar!

— Com licença!

— Olha por onde anda!

Mas a multidão não colaborava. "Porra! Eu devia ter perguntado qual era o nome da menina… Hã?"

O fogo se alastrara por mais de setenta por cento da vila. As pessoas tentavam fugir desesperadamente, empurrando quem estivesse à frente. Seria impossível fugir sem se espremer pela multidão, porém…

Havia algo no chão. Estava a trinta metros do garoto. Por algum motivo, ninguém queria pisar naquele objeto de formato estranho. 

Kurone só pôde comparar aquela cena a um bando de assalariados mudando de estrada porque havia um pedaço de bosta no chão. "Vamos mudar de caminho, por mais que possamos nos atrasar, não podemos sujar o sapato!"

— É… uma criança?

Da posição que estava, em frente ao objeto, Kurone não era mais golpeado pelos ombros apressados dos moradores.

A visão enfim distinguiu a silhueta. O objeto estranho, na verdade, era uma garotinha de cabelos negros chorando. "Poderia ser…"

Seria essa a filha da mulher desesperada? Os cabelos eram negros e ela vestia roupas esfarrapadas, isso poderia se encaixar como "roupas simples"? Porém, quando a menina levantou o rosto coberto por lágrimas e terra, ela mostrou uma venda negra no rosto, cobrindo ambos os olhos e boa parte da testa.

Que palhaçada era aquela? Por que ninguém a ajudava?

Tudo bem se não estivessem vendo, mas por algum motivo, todos a viam e passavam por longe. Por que ignoravam uma criança precisando de ajuda?

Kurone parou em frente à garota e estendeu a mão.

— Ei…

— …!

A princípio, o jovem pensou que a menina fosse cega e, por isso, usava aquela venda, porém, as ações dela demonstraram o contrário.

Ao ver a mão estendida se aproximando, ela soltou um gemido e se afastou ainda mais do jovem, provocando espanto nos moradores tentando fugir.

Kurone tentou se aproximar um passo, porém, a garotinha se distanciou dois. "O que eu vou fazer?"

Se continuasse, a menina acabaria entrando em uma casa em chamas logo atrás. Ela provavelmente estava com medo. Não poderia se aproximar muito, mas também não podia deixar ela ali.

— T-tudo bem! Eu não vou te machucar. Olhe, sua mãe tá te esperando lá fora, ela tá desesperada! — O jovem apontou para a saída quase imperceptível da vila, tomada pela multidão.

Apenas três segundos que a garotinha desviou o olhar para a direção apontada foram o suficiente. Sem perder tempo, Kurone impulsionou-se no chão e reduziu a distância entre seu corpo e o da menina.

Ele pegou a garota pela cintura e saltou para construção mais próxima, livre das chamas.

Ir por cima das casas era o caminho mais rápido até a saída.

— …! …! …! — Apesar de se debater desesperadamente, todo o barulho produzido pela garotinha era como de ruídos de um pequeno animal.

— Calma aí! Tô tentando te ajudar!

Em poucos saltos, Kurone conseguiu sair da vila em chamas rapidamente. Era como um sequestrador fugindo com uma criança da creche. Pensando bem, o trabalho de Lolicon Slayer o transformou em um pervertido? Beijar uma garotinha de pele bronzeada, viver com uma loli arrogante e se tornar noivo da princesa menor de idade. Eram todas ações questionáveis!

— Afff! Você é mais pesada do que parece. — O jovem brincou com a menina ainda assustada em seus braços.

— …!

— Kurone! Aqui! — Amélia, ao lado de Orcus, acenava energeticamente para o jovem.

— Sua mãe está ali, falta só um pouco para chegar lá.

— …!

As tentativas de tranquilizar a garotinha foram em vão. Por que ela continuava chorando, mesmo sabendo que encontraria a mãe em breve? Estava tão assustada assim?

— Cheguei!

— Mas é um pervertido mesmo — comentou Rory, ao ver o jovem carregando a menina pela cintura.

— Arfff! Nem pra me ajudar!

— Umpf. Por que eu arriscaria minha vida por desconhecidos?

— Que coisa horrível de se dizer!

— E quem é essa garotinha? — perguntou Amélia, interrompendo a interação habitual da dupla.

— Ela é…

— Não, não é. — Rory interrompeu. — Um dos moradores dessa vila de merda trouxe a garotinha e entregou a mãe, veja. — A loli arrogante apontou para a camponesa abraçando a filha.

— Então… Eu raptei a criança errada… Não! Isso soou péssimo! 

— Você pode perguntar àquela mulher se ela conhece os parentes dessa garotinha — sugeriu Amélia.

— Tem razão... Ei, senhora!

Ouvindo o conselho da cocheira, o jovem se aproximou da camponesa, porém…

— Umm? Como posso ajud… Ahh! Tire essa aberração daqui! — A mulher puxou a filha e tentou se afastar desesperadamente.

— Ei… c-calma…

— Tire! Tire! Tire! Tire! Ela vai nos matar! Largue isso!

Os gritos de pânico atraíram os olhares das outras pessoas fugindo da vila. Todos mostravam uma expressão de medo, assim como aquela camponesa. “Que porra é essa? O que essa garotinha fez?” Kurone cerrou os dentes e apertou ainda mais a cintura da menina em seus braços.

A multidão aumentou gradualmente e era possível escutar comentários como: "Olha, é aquela aberração", “Oh não! Ela fez outra vítima!", “Coitado do jovem” e assim por diante. A cada palavra daquelas pessoas, a garotinha nos braços de Kurone se contorcia, como se estivesse sendo apunhalada.

— Do que eles estão falando?! — bravejou Amélia. — Essa criança não merece isso!

— Fique longe desse monstro, garota! — advertiu uma senhora sem dentes.

— Vocês não têm vergonha? Como uma criança pode ser perigosa? — Indignada, a cocheira aproximou-se do jovem e tocou os cabelos negros da garotinha. 

O ato seguinte da cocheira demonstrou apenas que todos estavam certos. Segundos após tocar a cabeça da menina, Amélia caiu no chão, inconsciente.

— AMÉLIA!!! 

Era esse o motivo pelo qual todos temiam a garotinha com uma venda no rosto?



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