Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 2

Capítulo 100.2: De Volta Ao Prólogo (parte 2)

Luminus acordou novamente com o balanço. Ela estava nos braços de Ryuu. O homem saltava sobre as árvores como um verdadeiro ninja do Continente Oriental, nem mesmo as folhas ácidas o tocavam.

— Sen.. senhor… Ryuu? — balbuciou a menina olhando atordoada para o rosto enrijecido do companheiro, os olhos semi-cerrados revelavam sua extrema concentração nos saltos.

Ele não respondeu e continuou saltando em uma velocidade insana sobre as árvores. Na verdade, Luminus também devia ter sentido aquela presença esmagadora espalhando-se pela floresta.

A garotinha arregalou os olhos ao entender a situação e decidiu ficar em silêncio. Não podia ajudar naquela situação, seu corpo estava fraco e mal conseguia se manter acordada. Lutou contra a vontade de dormir e concentrou-se.

Estava se esforçando para usar uma de suas técnicas capaz de reduzir o seu peso em 30%. Claro, não era muita coisa, considerando que pesava tanto quanto uma criança de dez anos.

— Droga, vamos para por aqui — comentou Ryuu ofegante, o seu corpo estava banhado em suor. 

A árvore onde estavam tinha um tronco grosso e era oculto por diversas folhas gigantes e relvas. Por sorte, podiam ver o chão e as outras árvores das redondezas dali, ela era a única naquela clareira estreita.

Luminus baixou a própria aura ao perceber que o companheiro também fazia isso e encarou a escuridão que tomava conta da floresta. A fraca luz da lua Astarte iluminava apenas alguns pontos do local, tornando quase todo o local perfeito para uma emboscada do inimigo. Dificilmente conseguiriam fugir daquela árvore se fossem cercados. 

— É um daqueles Duques do Inferno, não podemos arriscar, a aura desse é forte o suficiente pra ocultar a presença de outros demônios.

“Sendo assim, não tem como saber quantos estão com ele.”, concluiu Luminus encarando a luz de Astarte adentrando a clareira.

— Se eu…

— Nem pense nisso — afirmou Ryuu com raiva. — Nada de usar o sistema, nós vamos conseguir sair dessa — disse colocando o fuzil próximo ao rosto, pronto para disparar a qualquer momento. — No momento, você só precisa se concentrar em se recuperar.

Membros do Conselho do Inferno eram um verdadeiro incômodo naquele mundo, Luminus vira o estrago que apenas um deles causou com os próprios olhos, o poder deles era tão absurdo e louco como as suas sanidades.

— Ei, não chame tanta atenção! — repreendeu o homem.

Lembrar do demônio que destruiu sua cidade natal e matou sua família fez a garotinha deixar sua presença se espalhar pela floresta. Ela desculpou-se várias vezes e pegou algo que carregava no bolso da calça militar.

Era um frasco com um líquido verde que compraram em Eragon, o vendedor garantiu que era algo capaz de curar até a mais mortal das enfermidades, a dupla não acreditou, mas não tinham muitas escolhas no momento.

Rapidamente, a menina engoliu todo o conteúdo do recipiente. Uma expressão feia formou-se em seu rosto, o gosto da poção não era dos melhores, mas como Ryuu dizia: “Remédios bons são aqueles amargos.”  

Três segundos após tomar a poção, a garotinha começou a ver o mundo girando. Tentou se segurar em algo, mas o corpo não suportou o próprio peso e foi ao chão. Luminus sentiu algo quente percorrendo sua corrente sanguínea.

Provavelmente, estava tão fraca porque passou muito tempo sem ter contato com a luz de uma lua. Não quis preocupar o companheiro com isso, pois imaginou que a viagem seria mais curta, no entanto esse erro acabou colocando suas vidas em risco.

Caso fossem atacados, Luminus seria apenas um peso morto. Estava com aquele homem por tempo o suficiente para saber que ele não a deixaria para trás, a relação deles de pai e filha era recíproca.

“Por favor, fique bem e me perdoe”, pensou antes de apagar completamente. Sabia que era errado, mas estava se apoiando em Ryuu para protegê-la enquanto dormia.


Estava de volta àquele pesadelo. Tudo que conseguia ver eram chamas e a risada macabra de um demônio, o demônio que matou a sua família.

Luminus estava ali novamente, ajoelhada, com o rosto manchado de lágrimas e o corpo trêmulo. Seria esse o seu castigo por deixar Ryuu sozinho na floresta, ter o pesadelo que tanto temia novamente?

Tentou ficar de pé, mas não conseguiu, não tinham coragem, mesmo sabendo como o pesadelo terminaria. Talvez pudesse mudar o fim dele, mas não tinha toda essa coragem.

Fechou os olhos, colocou as mãos nos ouvidos e se encolheu, não queria rever aquele pesadelo, será que acabaria rápido? Quanto tempo faltava para o fim?

Mesmo pressionando os ouvidos com força, ainda conseguia escutar o grito de alguém dizendo “Luminus, Luminus!”. Conhecia aquela voz, por isso virou o rosto inconscientemente.

Ali, abaixo dos escombros e sendo consumido pelas chamas enquanto gritava o nome da garota, estava alguém que amava tanto quanto Ryuu. Luminus arregalou os olhos, não importava quantas vezes visse aquela cena, sempre sofreria.

O garoto gritando era o seu irmão. Aquilo só aconteceu porque ela deixou ele ir lutar, sabia que o menino era um mentiroso e mesmo assim acreditou quando ele disse: “Eu lutarei para proteger o nosso vilarejo.”

Se tivesse cumprido com suas obrigações como a “Reencarnação de Astarte”, o seu irmão, Loright, não precisava ter terminado daquela maneira. Apoiou-se nele assim como fizera com Ryuu…

As chamas aproximaram-se ainda mais, mas a garotinha não fez questão de se mover. Ser queimada era o mínimo que podia fazer para pagar pelos seus pecados. Prometeu fazer diferente quando recebeu uma segunda chance ao lado de Ryuu, mas ainda era fraca.

Invejava o jeito de delinquente que aquele homem tinha, queria ser tão forte, corajosa e decidida como ele, assim não deixaria mais ninguém morrer como o seu irmão.

Porém, era apenas uma garotinha assustada que não sabia quem ou o que era exatamente. Algumas pessoas a chamavam de semi-deusa e a louvavam, enquanto outras apedrejavam-na gritando: “Saia daqui, demônio!”, mas apenas Ryuu lhe estendeu a mão para buscar a verdade sobre o seu ser, por isso ele estava ali, arriscando a própria vida no Continente Demoníaco por um desejo egoísta da garotinha.

O fogo estava cada vez mais próximo, no entanto, a menina ainda não se importava. Queria ser queimada por ele, qual a utilidade de alguém que vive apenas para ser protegido pelos outros? Seria o que chamam de “parasita”?

“Hmmm… parece que a sua febre baixou.”

 A voz ecoou e dissipou as chamas. O mundo da menina piscou por um segundo, como numa transição de cena, e, quando abriu os olhos, viu o rosto de uma homem bem colado ao seu.

— Tá parada ainda por quê? Sua febre já baixou, então você não tá doente mais — bravejou o homem irritado com sua lógica estranha, no entanto havia alivio em sua voz.

Luminus olhou o cenário atordoada e percebeu que, o que adentrava agora pelas pequenas brechas das árvores, eram os raios de sol matinais. Eles sobreviveram à noite.

Vendo o seu companheiro mais relaxado e reclamando como um delinquente novamente, verificou a presença na floresta e percebeu que não existia mais uma presença demoníaca os oprimindo.

— Provavelmente era um demônio que tava só de passagem ou veio treinar nessa floresta — comentou Ryuu passando a mão no cabelo prateado da menina. — Mas ainda não podemos baixar a guarda e nem perder tempo, vamos voltar para o local onde fizemos o acampamento para pegar as coisas que esquecemos. Vem aqui.

— Ahhhhh! — a garotinha gritou surpresa ao ter o corpo pequeno e magro agarrado pelo companheiro.

— Você ainda não pode se esforçar muito, eu vou te levar até lá — explicou o homem saltando de uma árvore para a outra.

— N-não precisa! Eu quero ir andando, me soltaaaa, senhor Ryuu! — ela protestou batendo de leve contra o peito do homem.

Atendendo ao pedido, Ryuu colocou-a no chão com cuidado e eles continuaram a pé, sendo queimados ocasionalmente pelas folhas laminadas de algumas plantas e arbustos.

Luminus sentiu o corpo e o peito mais leves, sabia que não era efeito apenas do remédio, encontrar Ryuu ali, após o pesadelo horrível, era reconfortante. Nem mesmo as queimaduras tiraram o sorriso do seu rosto pequeno e delicado.

— Ei, loli, — o homem parou para acender um cigarro e depois continuou: — na próxima vez que tiver sentindo algo, não esquece de me avisar, tá? Eu tive um trabalhão pra te colocar na luz da lua que toda hora tava mudando de local por causa das folhas balançando.

— O-o senhor me colocou na luz da lua?! Como descobriu? — perguntou chocada.

— Só precisei ligar os pontos, seu nome é Astaroth, então achei que tinha algo a ver com a lua — explicou com uma risada no final. 

Tinha se esquecido que Ryuu era mais inteligente do que aparentava. Línguas, cálculos complexos, magia, história antiga, geografia… o homem tinha conhecimento de tudo daquele mundo, só não conseguia pronunciar a palavra “Astarte”, Cecily explicara que era por conta da língua da sua terra natal, o Japão.

— Eu prometo, não vou esconder mais nada… 

Roooooooonc! O som vindo da barriga da garota ecoou pela floresta como o rugido de uma fera faminta.

— Tá com fome?

— N-na-não! De je-jeito nenhum! — respondeu com o rosto vermelho tanto de queimaduras quanto de vergonha.

— Viu, tá mentindo de novo — provocou Ryuu entregando uma barra de serial amassada à garota.

— Seeenhor Ryuu! — ela gritou enquanto pegava a barra de serial e devorava em uma velocidade inacreditável. Lágrimas escorriam dos olhos e tocavam o rosto corado.

— Tem muita comida no acampamento, ele tá logo ali, passando por aqueles arbustos — comentou o homem apontando para o local.

Eles pensaram em acelerar o passo, porém pararam ao escutar o som de algo quebrando no topo de uma árvore.

— Desculpem desapontar suas barrigas famintas, mas eu comi tudo que estava lá… — começou uma voz feminina e, após lamber os lábios de forma audível, completou: — tudo estava realmente saboroso.

Ryuu e Luminus arregalaram os olhos quando a dona da voz liberou sua presença esmagadora, era a mesma que sentiram no dia anterior. Como um ser conseguia ocultar algo tão poderoso como aquilo por tanto tempo e libertar quando quisesse. Alguém normal jamais conseguiria tal feito, apenas um…

— Maldito Duque do Inferno! — berrou Ryuu virando o fuzil para a origem da voz obscena e puxando Luminus para perto do seu corpo.



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