Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 1

Capítulo 42: Declaração De Guerra

Os olhos frios se voltaram uma última vez para o homem repousando eternamente. Apesar daquele ser o corpo de seu falecido pai, Elisabella não sentia qualquer resquício de tristeza. Na verdade, o sentimento que dominava o seu coração naquele momento era… ódio.

As lembranças de dois dias atrás se repetiam várias e várias vezes. Lembrava claramente de cada detalhe.

Ela acabara de ver o corpo do rei com um orifício no peito. Ao chegar em seu quarto, com os olhos inchados após uma sessão de choro, a garota se deparou com um demônio em sua cama — ironicamente, quando criança, ela afirmava para a irmã que havia um monstro embaixo da cama.

“Sim, fui eu quem matei seu amado pai!”. Elisabella só pôde ficar estática com a declaração repentina do demônio mascarado.

Ali estava a culpada — a voz por trás da máscara era de uma garota —, brincando com os lençóis caros da princesa. Porém, Elisabella não pôde fazer nada.

Suor frio escorreu pelas costas da garota quando o demônio começou a andar em sua direção. O monstro, a encarnação da luxúria em roupas de empregada, cochichou:

“Eu já levei sua irmã, mas ela não me serviu… Quero que você venha comigo, como uma boa garota, após o sepultamento do rei. Serei paciente, por isso, não me deixe esperando.”

Quando Elisabella percebeu, a garota já havia desaparecido. Imaginação? Não! O medo que a garota sentiu era real o suficiente para provar que aquela conversa aconteceu.

— Princesa, é hora do vosso discurso. — Um homem de vestes brancas chamou a princesa de volta para a realidade.

Até aquele momento, Elisabella estivera sozinha com o corpo do falecido rei, mas chegava a hora de seu pronunciamento.

A garota fez um gesto com a mão: “pode ir na frente”, e o homem confirmou, balançando a cabeça.

Ao perceber que as costas cobertas por um manto branco desapareceram completamente, a princesa se dirigiu à escada que levava ao andar superior da catedral — não sem antes olhar uma última vez para o corpo do rei em um caixão de vidro e reafirmar sua determinação.

Os passos lentos ecoaram pelas paredes estreitas da escadaria conforme Elisabella subia. Era uma boa caminhada até o andar de cima, tempo suficiente para pensar bem em como pôr seu plano de vingança em ação.

Quando se aproximou da saída do mausoléu, escutou um aglomerado de vozes ecoando pelas paredes amareladas da catedral.

A igreja era dividida em três andares: o mausoléu no subterrâneo, onde eram enterrados membros da família real, heróis de Andeavor e líderes religiosos; o primeiro piso, composto por diversas portas e, em uma delas, uma nave se estendia por mais de cinquenta metros.

Por fim, tinha o segundo piso, o local de reunião dos líderes religiosos.

Em um prédio anexo à catedral se encontrava o convento das sacerdotisas da Grande Deusa Annie — várias dessas mulheres transitavam de um lado para o outro pelo corredor.

Elisabella apressou os passos e se dirigiu à porta entreaberta. Era difícil andar muito rápido devido ao comprimento de seu vestido vermelho.

A multidão no lado de dentro voltou os olhos para a garota de cabelos dourados abrindo a porta com um “creeeck”.

Os lindos olhos da princesa, primeiro, se encontraram com o de alguns nobres desconhecidos, em seguida, foi a vez do Santo Bishop e sua trupe de palhaços que se autodenominavam “religiosos”.

Em meio a multidão de nobres mais importantes, sentados mais ao centro, estava a marquesa Sophiette e sua empregada, Noah.

Por fim, o campo de visão da garota se encontrou com o rapaz de franja estranha e manto branco: Kurone Nakano, o E.T. pervertido.

Ele estava sentado em um local quase oculto da nave, junto aos religiosos da Igreja da Grande Deusa Cecily. Aquela posição mais afastada da multidão era uma provocação do Santo Bishop.

Como de praxe, havia duas garotinhas de cabelos prateados ao lado dele; a de pele morena dormia profundamente, com a cabeça apoiada no colo do jovem, enquanto a outra olhava as pessoas com desprezo. A cocheira também cochilava sutilmente, apoiada no ombro do jovem.

Pelo que a cocheira, Amélia, contou, fazia algum tempo desde que dormira decentemente, nada mais justo que um cochilo após tantas viagens no ombro de alguém especial.

Após correr os olhos por todo o salão, Elisabella subiu até a parte superior do local — ali era onde os líderes religiosos pregavam para à multidão.

Uma tontura momentânea acometeu a princesa, ao olhar para a vasta multidão, mas ela conseguiu se recuperar rapidamente.

Foram necessários alguns minutos até ela se preparar psicologicamente para o que diria — não era algo fácil, mas estava preparada para isso. Tinha ainda mais confiança ao olhar para a figura de Kurone Nakano, limpando a baba da garotinha parda do manto.

Um suspiro profundo foi escutado antes de uma voz ecoar pela catedral:

— P-Para quem não m-me conhece, meu nome é Elisabella Andeavor. — A voz começou fraca e arranhada, mas se estabilizou após algumas palavras. — Sou a atual princesa regente e a única na linha de sucessão real.

Percebendo o silêncio de todos, a garota prosseguiu:

— Agora que meu pai, o rei, infelizmente está morto — quase não conseguiu pronunciar essa parte —, assumirei o papel de rainha. Sei que é uma responsabilidade…

— Hã? Você não sabe ler ou é só burra mesmo? — O homem rude interrompeu.

Era o tipo de nobre de olhos podres que Elisabella tanto odiava, se a memória não falhava, o nome dele era Guller.

— Segundo nossa querida constituição real, mulheres em casos como o seu só podem ascender ao trono se estiverem casadas ou tiverem mais de vinte anos… Não estou vendo um homem ao seu lado e esses peitos mixurucas denunciam que você ainda é uma pirralha.

— Guller, não é? — Percebendo que o nobre afirmou, ela continuou: — Primeiramente, não lembro de ter pedido a sua opinião. — As palavras da garota fizeram o homem se contorcer no banco com um “ugh!”.

Ele olhou para os lados, em busca de ajuda, mas foi em vão. Claro, quase todos os nobres que apoiavam as ideias de Guller foram presos por pertencer ao grupo denominado "Corvos". Por que esse homem desprezivo não foi também?

— Segundo, eu sou a princesa regente, posso mudar as regras como bem entender, mas não preciso fazer isso, pois… eu tenho um noivo.

A declaração surpreendeu todos os presentes, principalmente as garotas que estudavam com Elisabella na academia real.

De fato, era mais fácil seguir a constituição que tentar mudá-la de última hora.

Vendo que Guller se calara, ela continuou:

— Não quero perder meu tempo e muito menos o de vocês, por isso irei logo ao ponto. 

O tom de voz da princesa se tornou algo próximo ao tom habitual de Rory. Era como se desprezasse todos ao seu redor.

As palavras de Guller foram um gatilho para fazer a garota perder o pouco de sanidade que lhe restava. Diria tudo de uma vez.

— Como muitos sabem, nosso reino permanece neutro em relação à luta dos humanos e o exército do rei demônio.

— Espere! Você quer mexer com os demônios!? — Guller interferiu novamente.

— Meu pai, minha mãe e provavelmente minha irmã, estão todos mortos por culpa dos demônios, eu não vou deixar isso barato, por isso…

Tristeza e ódio se misturaram no tom de voz da garota, mas ela forçou um sorriso amarelo enquanto falava.

— Princesa! — Quem se levantou desesperado foi o Santo Avios Bishop, porém, era tarde demais.

— Eu, após pensar muito com meu noivo, declaro aqui e agora nossa posição em relação aos demônios! A partir de hoje, Andeavor é um reino inimigo dos demônios! — Elisabella declarou em um tom furioso, mas firme.

O grito ecoou por toda a catedral e se repetiu mais algumas vezes, para que todos tivessem certeza do que escutaram.

Um silêncio mortal envolveu a sala. Todos olhavam sem piscar para a princesa, mas um jovem em especial tentava processar o que fora dito após a declaração de guerra: “Não é, Kurone Nakano, meu querido noivo?”



Comentários