Volume 1
Capítulo 38.1: Adeus, Elisabella
Como de costume, tudo que viu ao abrir os olhos foi a escuridão. Dez anos era tempo suficiente para se adaptar.
Passou cerca de cinco minutos para se lembrar de onde estava: o trono real. Estava isolado naquela sala há algum tempo, mas não sabia quanto. Não tinha a garota preciosa para lhe dizer que dia era.
Phillip Andrew ford Andeavor II levantou-se de seu trono e andou até a janela.
Ouviu as batidas na porta, e as ignorou novamente. Provavelmente eram seus oficiais. Só abriria a porta quando escutasse o doce som da voz de sua filha: Elisabella Andeavor.
Apesar daquele ser um desconhecido, o rei confiou cegamente — de fato, um trocadilho horrível — no jovem que apareceu durante o julgamento da marquesa Sophiette e se apresentou como "Santo dos Hereges".
Por quanto tempo esteve ao lado de um demônio?
Sentiu-se horrível. Como podia um pai não conseguir discernir sua filha de um monstro?
O vento fresco tocou o rosto do homem. Não podia ver, mas escutava os oficiais, no jardim, tentando chamar sua atenção. Bastava ignorar, afinal, estava no sexto andar do castelo.
— Que coisa feia. — Uma voz feminina ecoou pelo salão.
Inexplicavelmente, o rei sentiu o suor frio escorrer pelas costas. A voz também provocava repulsa. As palavras reverberavam de maneira obscena e parecia que a dona estava excitada. Porém, o pior de tudo era saber que conhecia aquela voz lasciva.
— Nos encontramos de novo, Phillip.
Sem dúvidas. Aquela voz era do maldito demônio.
— A presidenta do inferno...
A cena que apareceu em sua mente foi da primeira vez que encontrou a garota, há dez anos. Ela dizia coisas como "Temos uma proposta para você, nos dê sua filha e vamos parar de atacar Andeavor".
Lembrava-se dos cabelos negros e o rosto ocultado por uma máscara. A voz obscena era a mesma.
O rei tentou atacar a garota-demônio, mas acabou perdendo a visão. Instintivamente, moveu a mão até a cintura, onde estava sua espada luxuosa.
— Não vamos nem conversar? Que pena...
Idade e cegueira eram apenas detalhes. O homem diminuiu sua distância com a garota em questão de segundos, se orientando pela audição. Tudo que restava onde estava há segundos atrás era seu manto vermelho e a coroa.
O golpe vertical da espada tocou algo duro e o partiu ao meio. Era sólido demais para ser o corpo da garota, provavelmente, era o trono.
— Nossa, essa foi por pouco! — A voz veio do lado oposto, bem próxima da janela.
— Eu vou te cortar! — O grito grave ecoou por todo o salão.
Os movimentos do homem se tornaram rápidos. A espada foi brandida em diversas direções, mas a garota esquivava de todos os golpes.
— Que homem rude! Eu só vim aqui para avisar que sua filha foi resgatada.
O rei parou a espada que cortaria a garota em duas bandas.
— O quê?
— Sim, sim. O jovem Kurone Nakano derrotou o Edward de uma maneira inesperada. É inacreditável, mesmo o Edward tendo feito um pacto comigo, ele perdeu, que vergonha, não acha?
— Minha filha...
O rei tinha 1,91 de altura e um físico bem definido, fruto de quando servia a guarda. A garota, não chegava a 1,70. No momento, o homem enorme segurava a espada luxuosa na altura da cabeça e a garota estava abaixo dele, olhando fixamente para o rosto repleto de barba. Era uma luta, e mesmo assim, a garota-demônio estava relaxada. A qualquer momento, poderia se tornar dois pedaços de carne simétricos.
— Sua filha tem algo que eu quero. Então, dessa vez, eu vou levar ela.
— NUNCA!
Sem pensar duas vezes, o rei levou a espada ao chão, rachando o piso do salão. A garota esquivou.
— Você não entendeu. Já está decidido. Adeus, Phillip.
Ela estava próxima da janela, se não agisse logo, a garota fugiria. Mas o corpo se recusava a se mover. Estava pesado.
As pernas bambas obrigaram o homem gigante a ficar de joelhos, apoiado na espada ainda cravada no chão.
De onde vinha aquela dor?
O salão estava silencioso, com exceção do som de algo que fazia "ping".
O som parecia vir de seu corpo...
— Ahhh...
Demorou alguns minutos até perceber... Perceber o fato que estava morto. Levou a mão até o peito e sentiu o sangue escorrendo. Faltava algo ali. Algo importante: o coração.
A garota abriu um orifício do tamanho de uma mão no peito do velho rei. Era o fim.
— Blergh!
Cuspindo sangue, o homem foi ao chão.
— Eli... Elis... Elisabella...
Morreria sem ver sua filha. Era horrível admitir, mas graças àquele demônio, partiria mais despreocupado ao saber que Elisabella estava segura.
Estava tudo bem. Kurone Nakano, o Santo dos Hereges, a protegeria, afinal, aquele jovem era como ele, deduziu isso apenas por aquela voz corajosa.
— Majestade! Majestade! Majestade!
Alguém forçou a entrada na sala, mas era tarde demais. Pelo menos, não apodreceria naquela sala até alguém notar o fedor do corpo morto.