Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 1

Capítulo 26: Besta Negra

O barulho estranho vindo da sala de tortura chamou a atenção do guarda. Alguns dos colegas de trabalho diziam serem as vozes dos prisioneiros mortos por tortura, mas Orcus não acreditava em histórias de fantasmas — claro, fantasmas não existiam, suas pernas estavam trêmulas por outro motivo!

— Tem alguém aí? — A voz do homem ecoou por todo o cômodo. Talvez devesse voltar para trás enquanto não vira nada traumatizante, mas a curiosidade era maior que o medo.

Apesar de ser um local abandonado, a antiga sala de tortura estava limpa, como se alguém a varresse diariamente. O som de correntes batendo chamaram a atenção de Orcus para um dos cômodos mais para dentro da sala de tortura. Os passos se tornaram lentos conforme os batimentos cardíacos faziam o contrário. A espada longa na mão direita tremia. Que tipo de guarda covarde tem medo da escuridão?

A porta do comodo com barulhos de correntes estava aberta, era como uma armadilha o chamando, mas como um bom idiota, ele cairia nela.

— Olá… — anunciou enquanto atravessava a porta com cautela.

O que viu a seguir o surpreendeu, a espada longa foi ao chão e Orcus precisou de alguns segundos para se recuperar e segurar a arma novamente. Eram dezessete crianças no total, todas amordaçadas e vendadas. Quem seria o autor de uma cena tão grotesca?

— E-eu vou libertar vocês! — gritou enquanto cambaleava na direção das garotinhas acorrentadas.

— Eu não faria isso se fosse você, meu caro Orcus… — A voz familiar vinda da porta logo atrás fez suor frio escorrer por todo corpo gordo do homem.

— M-marquês Edward, você está vivo! — "Ou é um fantasma de verdade!?"

— O que faz aqui?

— E-eu escutei um barulho estranho enquanto limpava o andar de cima, então desci e encontrei… As crianças! Me ajude aqui, marquês, alguém aprisionou elas aqui e…

— Eu sei, fui eu que aprisionei elas.

— Q-quê…?

Custava acreditar no que escutou. Seus ouvidos ainda estavam sujos? Edward Soul Za, o marquês supostamente morto que tanta respeitava realmente…

— Isso mesmo, caro Orcus, eu sou a grande mente maquiavélica por trás do sequestro de crianças e do ataque à vila. Já pode me parabenizar.

— I-impossível! O senhor é…

— Um nobre admirável? Alguém que sacrificaria a própria vida pelo seu povo?

— …

— De fato, eu me preocupo com vocês, mas não como pensam...

— Q-quê?

— Para mim, vocês não passam de animais. Animais que ao se reproduzirem criam o alimento necessário para minha existência. Sem vocês, jamais conseguiria uma qualidade tão boa quanto essa. — O marquês apontou para as crianças acorrentadas.

— Então... não me diga que...

— Ah, é mesmo, me desculpe, me desculpe. Lembrei-me do motivo de você ter se juntado a guarda...

— Não... Não... — Orcus caiu de joelhos no chão gelado.

— Sua filha... qual era mesmo o nome dela? Ah! Tail, não era?

— Não...

— Ela foi um sacrifício comportado e acreditou até o fim que o "papai" viria resgatá-la...

— Desgraçado... — O guarda apertou a espada firme.

— Você pode querer usar essa espada para me matar agora, mas do que adiantará? Sua filha já está morta.

Orcus tentou ficar de pé, mas as pernas fraquejavam. Por quê? Edward, o marquês que serviu há tantos anos, mostrou-se ser um monstro. Logo o homem que considerava um dos raros nobres bondosos no mundo... No fim, ele era igual a todo o resto — senão pior!

Lágrimas afloravam dos olhos fundos do guarda enquanto ele ponderava a melhor maneira de afundar a lâmina da espada na carne podre do marquês.

— Não vou lhe culpar se quiser me matar, mas lembre-se que você também tem me ajudado por todo esse tempo. Se não fosse por sua ajuda, jamais teria me tornado tão respeitado na vila Grain. Obrigado, meu caro amigo Orcus.

— Obrigado...?

— Venha, levante-se e me ajude, vamos fingir que nada disso aconteceu. Vou verificar como senhorita Rory e princesa Elisabella estão e já voltou para discutirmos...

— Senhorita Rory...?

— Sim, eu a capturei.

— Pfff...

— Hã? — Edward voltou o rosto para o homem ajoelhado no chão sujo.

As lágrimas do guarda depressivo até então desapareceram e no lugar...

— HAHAHAHAHA!

Estranhamente, o homem começou a gargalhar alto o suficiente para a voz grave ser escutada em todos os cômodos.

— Qual o motivo de tamanha alegria. Se sente feliz por eu aprisionar senhorita Rory?

— Não é isso... HAHAHA...

— Poderia me explicar, não compreendi.

— É simples! Você está morto, senho... Digo, Edward!

— Hã?

— Você mexeu com a irmã do garoto Kurone.

— E?

— Se tivesse visto o que ele fez na batalha contra os orcs entenderia. Diferente de mim, ele não hesita em matar qualquer inimigo que encoste um dedo na irmã, isso porque... aquele garoto é transtornado!

Orcus viu o acesso de fúria de Kurone durante o ataque na vila. Apesar de nunca ter segurado um fuzil na vida, o jovem atirou com tudo em direção aos monstros que se aproximavam de Rory — naquele momento, caída no chão por falta de mana. Por trás daquela franja, havia os olhos de um verdadeiro louco.

— Aquele garoto tem os olhos de alguém que enfrentaria até o rei dos demônios, se esse fizesse a garotinha chorar. Por isso vou repetir mais uma vez: você está morto, Edward. Aquele garoto é um herói e você um vilão, o desfecho da história é claro.

Apesar de manter a postura calma de sempre, suor começou a escorrer vagarosamente da testa do marquês.

— Eu chamaria alguém assim de louco, não herói. De qualquer modo, ele não encontrará esse lugar. Nem mesmo os habitantes da vila sabem daqui, com exceção dos guardas.

— Mestre Edward...

— Ah, Brain... Se livrou do senhor Nakano como eu pedi?

A empregada ruiva desceu as escadas, um pouco preocupada.

— Nem precisei me esforçar, ele foi para a capital tentar ajudar Sophia. Também ficou bem triste quando descobriu a "morte" de Rory.

— Ha! Eu queria ver a cara da Sophiette após ser acusada de algo que não fez. Como pode ver, caro Orcus, o "herói" não está mais aqui para ajudar a irmã.

— Será...? Por que não fazemos uma aposta? — Orcus conseguiu forças para ficar de pé, apoiado na espada.

— Que homem insistente.

— Desculpe interromper, mestre Edward… — Brain chamou a atenção do marquês. — É por isso que vim aqui, onde está a Amélia?

— Amélia... Não a vejo tem algum tempo... Por que a pergunta?

— É que a carruagem desapareceu, então pensei que o senhor mandou ela fazer algum serviço.

— Não ordenei. Aquela cocheira imprudente não podia sair por aí, ainda mais com a carruagem que foi supostamente carbonizada.

— Isso tá me cheirando a traição. — Orcus falou em tom provocativo.

— Não pode ser... Esses demônios são utensílios leais, eles não podem me trair.

— Existe um sentimento maior que a lealdade, mestre Edward.

— Quê? Por que tantas pessoas estão encontrando esse lugar?! — Edward disse irritado ao ver o homem que descia as escadas.

— Eu segui a Brain. — Edgar, o mordomo de cabelos brancos, apontou para a companheira de trabalho. — A jovem Amélia deve estar confusa, é coisa da idade. O senhor deve ter passado por isso também. É bem complicado, ainda mais quando envolve um jovem. — o mordomo falou em tom paternal.

— Impossível! Amélia me traiu...

— Vamos falar do mais importante — Edgar encarou as crianças acorrentadas. — Penso que seu pai não gostaria que o senhor fizesse isso. Como seu mentor, desde que era uma criança, também não aprovo suas ações.

— Calado! Eu estou tentando pensar...

— Desculpe, mestre Edward, mas não vou deixar o senhor causar mais problemas aos moradores dessa vila.

— Senhor Edgar, você devia mesmo estar desafiando o próprio mestre? — perguntou Orcus, confuso.

— Diferente das empregadas, eu sou um humano. Prometi ao pai do senhor Edward que o colocaria no bom caminho, mas parece que vou ter que dar umas palmadinhas nele para o direcionar nesse caminho. — O empregado apontou a espada que carrageva para Edward. — O senhor nunca conseguiu me vencer antes, será que melhorou nesses últimos anos.

— Edgar! Isso é um desrespeito ao mestre! — Brain ficou na frente de Edward, a fim de protegê-lo.

— Que barulho, calem a boca! — Uma voz vinda do fim do corredor chamou a atenção de todos por um momento.

— É a senhorita Rory, não liguem, ela acabou de acordar.  — Edward deu de ombros e apontou para a espada de Orcus antes de prosseguir: — Poderia me emprestar? Eu não vou recusar o convite do meu mentor.

Orcus fez menção de entregar a espada, mas um tremor de terra o impediu. Foi apenas por alguns segundos, mas o tremor pareceu durar por vários minutos dentro do corpo dos presentes. Não era um simples tremor, era um chamado.

— Que pena, "aquilo" chegou mais rápido que o esperado. — O marquês olhou para o teto do cômodo.

— A-aquilo? — perguntou Orcus.

— Sim... "aquilo". Creio que vocês conheçam aquela monstruosidade pelo nome de... Besta Negra.

As palavras de Edward fizeram Orcus e Edgar sentirem um arrepio na espinha. Por que a Besta Negra, um monstro classe Calamidade, estava se aproximando da vila Grain?



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