Volume 1
Capítulo 19.2: Noah (parte 2)
— Vamos agir!
— E-es-espere, Lady Sophiette! N-não podemos nos precipitar!
— Hã?
— E-eles são muito perigosos!
— Não se preocupe, eu também sou.
Fazia alguns minutos que o homem baixinho discutia com a mulher de armadura, tentando fazê-la mudar de ideia.
Uma moradora da favela entregou os chefes do tráfico por cem moedas de ouro. Por que esperar? Só precisava eliminar toda a escória da favela de vez.
— Marquês Sabastian, a menos que esteja trabalhando com esses traficantes, não têm motivo para me impedir.
— Ahhh! N-não, c-claro que não! Eu só estava preocupado com a sua segurança!
— Não preciso de sua preocupação. Vamos logo, homens!
A marquesa Sophia Sophiette Sophys III foi enviada para Fallen com o objetivo de capturar um dos maiores traficantes de shellin, um tipo de droga, e itens roubados da região. Mesmo tendo apenas dezessete anos, a garota era um dos guerreiros mais respeitados em Andeavor, chamada por alguns de “Santa da Espada”.
Levou dez minutos da casa do nobre até a entrada da favela. O beco escuro estava deserto naquela hora da noite e o único barulho escutado era o de ratos correndo pela água suja empoçada.
— Avancem com cuidado!
A jovem ordenou aos soldados. A capital enviou quinze homens para ajudar na operação, mas, provavelmente, seria como das últimas vezes: Sophia faria todo o trabalho.
Os homens foram se dispersando pelas trevas do beco. Alguns subiram em casas que poderiam desmoronar a qualquer momento enquanto outros foram pelas poças fedorentas de esgoto.
— Ei, ei, ei. Onde pensa que vai, jovenzinha? — gritou um homem careca e de nariz avantajado, saindo do bréu. — Hã!? Ei vadia, eu te fiz uma pergunta!
— Onde fica o esconderijo da “Ruthy”?
— Tá abusada demais, não?! Ninguém pode falar o nome da chefa assim. Vamos, responda minha pergunta! — O delinquente, que mais parecia um abutre de voz rouca, puxou uma faca enferrujada da cintura e ameaçou: — Desembucha logo ou te mato!
— Que violento. Se quer tanto saber — gesticulou para que nenhum guarda escondido nas trevas se aproximasse —, eu vim capturar alguns traficantes.
Antes que pudesse golpear o rosto da jovem com a faca velha, o abutre recebeu um chute em seu nariz avantajado e foi ao chão. Era incrível a maneira como Sophia conseguia se mover tão rápido com aquela armadura pesada.
— Agora eu que faço as perguntas...
— E-eu non von falar nada... Hã! Pare, pare!
Três dedos foram o suficiente para que o abutre de nariz quebrado abrisse a boca.
— Achei que os bandidos da favela eram mais durões...
Por experiência, Sophia sabia que os criminosos só começavam a falar depois de perderem oito dedos e dois dentes.
A casa apontada pelo homem que agora só conseguia contar até sete — se soubesse contar — era a maior de todas na favela. Haviam três patifes tatuados e de músculos definidos na entrada e outros, provavelmente, escondido nas sombras, assim como os soldados.
— Quem é voc—
— Argh!
Os dois patifes foram atingidos pelas flechas que saíram repentinamente das trevas. O último criminoso sobreviveu, pulou dentro da construção e tocou um sino o mais alto que pôde. Em instantes, cerca de trinta homens mal-encarados apareceram da escuridão.
— Podem aparecer! — com a ordem de Sophia, os soldados ocultos também surgiram.
Eram trinta contra dezesseis, mas a jovem conseguia dar conta de pelo menos vinte deles.
— Que porra tá acontecendo aqui?!
Uma voz feminina firme ecoou de dentro da casa. A dona das cordas vocais másculas era uma garota de rosto sujo de poeira e um corpo bem definido coberto por tatuagens.
— Nós viemos aqui para levá-los. Se todo mundo colaborar, ninguém precisa morrer.
— Ehhh? Tá tirando?! Só pode ser piada! Ou você é tão jegua assim?
— O quê?
— Eu até iria, mas eu fiz uma promessa para uma pessoa, então não vai rolar!
A delinquente tatuada puxou um cutelo médio sabe-se lá de onde e apontou para a jovem de armadura.
— Vem logo pra cima que eu tenho mais o que fazer!
As palavras da criminosa eram firmes. Ela tinha a certeza que derrotaria Sophia e encontraria a pessoa que fez uma promessa. Vendo aqueles olhos determinados, Sophia fez reverência.
— Vejo que é uma oponente digna, sendo assim, permita-me que eu me apresente. Eu sou a marquesa Sophia Sophiette Sophys III, conhecida por alguns como a “Santa da Espada”, embora ache que esse título é demais para minha pessoa.
Dizer o nome em voz alta enquanto fazia reverência para o oponente era uma das maiores demonstrações de respeito naquele mundo, porém, para Ruthy, uma delinquente, isso não significava nada.
— Ehh? Interessante! Eu sou Ruthy! Apenas Ruthy! E aqui sou conhecida como a “tora fimose”! — A garota olhou com excitação para a oponente.
Os homens riram com a declaração da criminosa que mostrava os dentes anormalmente afiados — aquelas presas já tinham feito muitas vítimas.
— Vamos parar com as brincadeiras! Caí dentro!
Ruthy se impulsionou e pulou em cima de Sophia. O plano era abrir a cabeça da marquesa com um golpe do cutelo, mas... O metal batendo contra metal produziu faíscas no ar. O golpe da criminosa foi impedido pela espada brilhante.
— Isso vai ser divertido! — gritou, cerrando as presas pontiagudas.
Os homens de ambos os lados não podiam interferir, após admirar a luta por alguns instantes, eles avançaram uns em direção aos outros. A batalha entre a Ruthy e Sophia no alto da casa velha estava pendendo para a vitória da marquesa. Todo ataque era defendido e os raros acertos não causaram nada além de feridas superficiais na pele da jovem Sophiette…
Trinta minutos depois, só haviam dois corpos suados lutando. A armadura brilhante estava suja e sem alguns pedaços enquanto as tatuagens da traficante estavam cobertas por sangue.
— Porra! — gritou ofegante.
— Se desistir agora, não vou te matar.
— Vocês nobres não sabem de nada!!!
O cutelo que foi reduzido pela metade durante a batalha foi brandido contras os pés de Sophia, que saltou rapidamente.
— Morra!
Sem perder tempo, a traficante cortou o ar e jogou a arma contra o peitoral da marquesa, obrigando-a a usar as mãos para se defender. A lâmina afiada penetrou as luvas metálicas e rasgou um pouco da carne das mãos da marquesa.
— Tsc! Você é durona…
Encarando a armadura metálica à frente, Ruthy notou algo: onde estava a espada? Sophia carregava uma espada média que não poderia ser escondida tão facilmente então...
— Droga!
Assim como fez, a marquesa também arremessou a arma, mas não diretamente. Jogou o mais alto que pôde e, naquele momento, ela caía a toda velocidade na direção de Ruthy.
“Clack!”
O sangue se espalhou pelas paredes sujas quando a criminosa usou as duas mãos para se defender da lâmina que quase perfurou seu peito.
— Muito lenta!
O chute poderoso de Sophia arremessou a delinquente contra a parede de outra casa próxima, maior que aquela, fazendo-a cuspir um bolo escuro de sangue. O som audível de ossos se quebrando ecoou pelo beco tomado pelas trevas.
— P-porra! — Mesmo tendo quebrado alguns ossos, Ruthy tentou se levantar, sem importar-se com a dor excruciante vinda da parte inferior.
— Não precisa mais se esforçar... — Sophia disse em tom calmo.
— V-você não entende... eu tenho que... proteger...
— Entendo... por isso não pode deixar esse mundo, é lamentável.
A visão turva de Ruthy buscava uma arma. Qualquer coisa que pudesse ser usado como arma. Um bastão de madeira serviria… Até mesmo uma pedra.
— Tudo bem...
Não tinha mais o que fazer. A espada da marquesa já estava pronta para dar o golpe de misericórdia na delinquente. Era fraca demais. Sempre se considerou a mais forte de todas pois nunca encontrou um monstro no nível daquela nobre.
— Desculpe... Noah... Raul...
— Se você se render agora...
— N-não... acaba logo com isso... Tsc... Eu ainda... tenh... orgulho...
— Entendo.
— V-você...
— Hã?
— Você parece alguém confiável...
— Pareço? — A marquesa franziu o cenho.
— Porra, isso é humilhante… mas... faz um favor...?
—...
— Salva a Noah e o Raul…
— Noah e Raul?
— Escute...
Vagarosamente, Ruthy contou tudo a Sophia e no fim…
— Farei o que me pediu.
— Ei… p-por f-favor… poderia me dar o... golpe de misericórdia e uma oração?
— Achei que não se importava com o código sagrado dos cavaleiros.
— Tsc... Quem sabe se com isso eu não aumento minhas chances de não ir para o inferno...
— Seja como quiser.
— Se eu encontrar você no pós-vida... Vou querer uma revanche…
— Eu não vou perder.
Os olhos de Ruthy se fecharam lentamente, o corpo repleto de fraturas se aclamou e esperou o golpe final vindo da espada de Sophia. Foi algo doloroso a se fazer, mas a marquesa fechou os olhos, cerrou o punho e cravou a lâmina no peito da deliquente.
Após enterrar o corpo da criminosa com a ajuda do cutelo e fazer uma oração, Sophia seguiu para a casa indicada para salvar a garotinha chamada “Noah”...
A cabeça do homem rolou ao lado da garotinha assustada e o sangue respingou em seu vestido novo.
Ao chegar onde a garotinha estava, Sophia precisou sujar as mãos de sangue duas vezes. Sempre era assim, precisava se banhar no líquido nojento para proteger os inocentes e, algumas vezes, o sangue era de uma pessoa como Ruthy, alguém com sonhos e família para proteger.
— Calma, não vou te machucar! — A marquesa parou em frente à menina ajoelhada. — Sua irmã, a Ruthy, pediu para eu te salvar.
Sophia estendeu a mão para Noah, aquela era a mão que aguardou por tanto tempo, a esperança de um futuro melhor. Tudo isso foi graças ao sacrifício da jovem que considerava uma irmã mais velha...
— Meu nome é Sophia, é um prazer te conhecer, Noah.
A espadachim estendeu a mão direita, coberta com sangue. Noah hesitou por um momento, olhou para as cabeças que estavam no chão… E então se decidiu...
Naquele momento, no aperto entre a mão trêmula e a luva de metal ensanguentada, surgiu o vínculo de mãe e filha da marquesa Sophia Sophiette Sophys III e a garotinha, Noah.