Volume 1
Capítulo 19.1: Noah (parte 1)
“Não.” Essa era a resposta de todos para a garotinha que tentava vender flores. Mesmo tendo apenas oito anos, a menina era encarregada de sustentar a mãe, ou melhor, era obrigada.
— M-moço, quer comprar uma flor?
— Saí da frente, não vê que estamos ocupados!
— Calma querido, não precisa ser tão rude.
Uma mulher agarrada no ombro de um homem musculoso olhou com pena para a garotinha de olhos marejados segurando uma cesta de flores.
— Calma, calma. Olha, eu vou levar três, não precisa chorar.
A mulher, uma aventureira, escolheu três rosas da cesta.
— O... o… o… obrigada!
— Sem problemas… Qual o seu nome?
— É… Huh… Noah… — A menina falou o nome em meio a soluços e lágrimas que tentava conter enquanto era afagada pela aventureira.
— Olha Noah, é pra você.
Eram dez moedas de ouro, mais do que o suficiente, visto que uma flor custava uma moeda.
— Ehhh?! Essa grana era pra comprar outro arco pra você! — o homem musculoso protestou.
— Esqueça, vamos conseguir mais dinheiro amanhã.
Noah, a pequena vendedora de flores, ficou paralisada por um momento diante da bondade da aventureira que agora estava indo em direção à floresta com o homem rude. As flores da cesta eram colhidas na mesma floresta, e a garotinha era constantemente repreendida pelos aventureiros quando era vista lá. Aquele local era repleto de monstros perigosos.
Fechando o punho com força, Noah correu o mais rápido possível para chegar à sua casa.
Fallen, que um dia já foi uma cidade próspera, estava movimentada pela presença de um nobre local que a visitava, por isso, era difícil para a garotinha atravessar a multidão na área comercial.
Espremendo-se entre as pessoas amontoadas na praça principal, conseguiu chegar à entrada da favela.
Aquela era a parte da cidade onde se encontravam os pobres entre os pobres, como a pequena vendedora de flores. Os moradores da favela, pessoas que foram completamente esquecidas pelos nobres em sua própria terra, se assemelhavam a ratos.
O beco escuro no meio da cidade, repleto de casas caindo aos pedaços, passava um ar de um local assombrado em que aconteceram diversos crimes — e, de fato, ali era onde a maior parte dos criminosos se escondiam.
Saltando sobre as poças de água suja, Noah chegou em frente à sua casa, se comparada aos outros barracos, era a que estava em melhor condições.
— Foi divertido.
— Hã? Do que cê tá falando? Aquele vadia já foi melhor, mas ela já tá velha!
— Não adianta reclamar, é a mais barata que tem por aqui!
Dois homens — um gordo com barba e outro magro de tapa-olho — saíram da casa de Noah. Não era a primeira vez que desconhecidos entravam e saíam de lá com um sorriso maldoso no rosto, isso a lembrava "daquele incidente".
Ignorando a dupla, a garotinha entrou na casa que usava uma cortina branca como porta.
— C-cheguei, mãe.
— Chegou cedo, conseguiu vender tudo? Haha! Estou brincando, você nunca vende essas porcarias!
— Não é verdade! Olha, hoje eu consegui dez moedas de our—
— Não brinca!
— É verdade, aqui.
A menina estendeu a mão com as dez moedas de ouro, que foram tomadas pela mulher instantaneamente.
A mãe de Noah tinha cerca de quarenta e poucos anos — ela nunca falou a idade para a filha — e passava um ar de prostituta, apesar da idade.
— Ainda não acredito que conseguiu ganhar isso tudo com aquelas flores idiotas…
— Na verdade, uma aventureira foi bem legal e me deu dez moedas por três flores…
— Eu sabia! Essas flores não vão nos levar a lugar nenhum!
Guardando as moedas nos peitos, a mãe de Noah começou a encarar a garotinha suja à frente.
— Hummm, você tem... oito anos, certo? Acho que você já tem idade o suficiente…
— Hã…? O que você quer dizer?
— Eu já estou ficando velha pra isso, os homens preferem as mais novas. Quanto mais nova for, melhor.
— E-espera mãe… Como assim?
— Não seja idiota! — A mãe gritou. — Eu estou falando que é pra você vender seu corpo para os porcos desse buraco! Desista dessa ideia idiota de vender flores e faça algo que nos dê dinheiro, como chupar uns…
— O-o q-quê…
Noah escutava as palavras da mãe com uma expressão confusa. O único barulho produzido na sala imunda foi o da cesta de flores caindo da mão da garota.
— Na verdade, eu já combinei tudo com um homem que veio aqui esses dias, ele parece ter muito dinheiro. O trato era que ele viria atrás de você daqui a uma semana, mas não podemos esperar mais, eu estou devendo uns sujeitos que só aceitam dinheiro como pagamento…
Ao ver a expressão da menina, a mulher deu de ombros e saiu da casa, deixando apenas a garotinha imóvel lá dentro.
Quando a mãe da menina retornou, estava acompanhada de uma garota repleta de tatuagens.
Ruthy, a jovem tatuada, conhecia Noah desde que era bebê. Era como uma irmã para a garota, e agora, nesse momento, estava encarregada de prepará-la para o abate.
Eram como se fossem animais esperando apenas por aquele momento. Perder a virgindade daquela maneira, tão nova, era comum para as crianças que cresciam naquele beco escuro esquecido por deus.
— Dê um banho e algumas dicas para ela para não deixar o cliente insatisfeito, vou usar essas moedas para comprar umas roupas novas. — A mãe de Noah disse para a jovem, saindo novamente. A mulher-monstro não demonstrava qualquer remorso.
— Vamos Noah… Vou te levar para tomar um banho.
Noah e Ruthy saíram da casa em direção ao único lugar no beco que tinha água limpa. Essa água era dedicada ao banho de mulheres que iriam agradar um cliente.
O local que ficava atrás de um prostíbulo era protegido por um muro de madeira repleto de furos — feitos pelos garotos para espiar as mulheres —, ao centro do cercado estava uma piscina com água potável.
Ruthy lavava gentilmente as costas da garotinha, que permanecia calada desde as últimas palavras da mãe.
— Você está com medo, Noah?
— S-sim…
— Sei como é...
— Ei, irmã Ruthy...
— Hã?
— Vão fazer "aquilo" comigo, não é?
— Depende do que você quer dizer com "aquilo".
— U-um dia eu cheguei cedo em casa, e vi minha mãe nua com dois homens… ela gritava enquanto os dois homens… Um deles olhou para mim, lambendo os beiços e minha mãe disse que eu estaria pronta em breve… E-e depois eles deram muitas moedas para ela...
A garotinha falava em um tom melancólico, temendo aquilo que lhe aguardava em um futuro próximo.
— É um castigo desgraçado nascer nessa droga…
Ruthy parou por um momento de banhar e olhou para o céu pensativa.
— Minha pureza foi vendida também quando eu tinha mais ou menos a sua idade. Eu ainda lembro daquele porco… Eu gritava e pedia para ele parar, mas ele se divertia com meu sofrimento…
— V-você acha que minha mãe vai me vender para ele também?
— Tsc, duvido! Eu dei uma facada na garganta do desgraçado quando me encontrei com ele esses dias em um bar.
Para sobreviver nessa cidade repleta de injustiças sociais era necessário abrir mão de muitas coisas, a virgindade desde cedo era uma delas. Ruthy nunca quis se tornar uma traficante, mas esse era o único caminho que tinha para sustentar seu irmão mais novo.
— Ei Noah, você já pensou alguma vez em desistir dessa vida?
— Hã...?
— Sabe, se não fosse pelo meu irmão eu com certeza já teria desistido. Ninguém merece viver nesse inferno. Quando eu conseguir dinheiro o suficiente, com certeza vou dar uma vida digna ao Raul. Dizem que as terras do marquês Soul Za são boas para se viver.
A jovem começou a enxugar o corpo desnutrido de Noah lentamente, enquanto continuava pensando sobre o futuro. Sonhar! Era a única coisa que podia fazer. Ter a esperança que o amanhã seria melhor. Que iria fugir daquele inferno repleto de ratos e porcos.
— Eu prometo, Noah... Eu também vou te levar e todos vamos viver felizes, por isso... Quero que vá para um local seguro até lá...
— O-o quê...
— Eu quero que você fuja! Não vou permitir que sofra como eu... Aproveite agora que sua mãe saiu de casa e fuja. Me espere de frente da saída do beco, eu conheço um convento que cuida de crianças desabrigadas, já combinei de mandar o Raul pra lá, com certeza a irmã Rose não vai se importar em acolher mais uma criança...
A ideia de fugir de casa, dos maus tratos da mãe, se passou algumas vezes pela cabeça da garotinha. Já chegou a correr sem rumo para fugir de tudo isso, mas para onde iria?
Dessa vez, era diferente. Tinha para onde ir e a promessa que alguém cuidaria dela futuramente.
Agarrando-se a essa esperança, Noah concordou em fugir imediatamente. Não possuía nada além das roupas do corpo — um vestido esfarrapado cinza —, então não precisaria passar em casa.
Ruthy pediu para a garotinha esperar enquanto pegava o irmão no barraco em que vivia. A escuridão no beco nunca foi tão assustadora como naquela noite. O silêncio deixava Noah cada vez mais apreensiva, aguardando pacientemente a chegada da pessoa que considerava como uma irmã mais velha.
Essa pessoa nunca chegou... As horas se passaram e ninguém apareceu.
Onde ela estava? Havia desistido da ideia?
Repentinamente, escutou alguém se aproximar. Os passos não vinham de dentro da escuridão do beco, mas da praça principal. Era uma mulher alta de olhos afiados e cabelo castanho sujo assim como a alma.
— O que faz aqui?
— M-mãe!?
— Não me diga que estava pensando em fugir... Quantas vezes já te falei que essa ideia é inútil!?
A mulher puxou o braço magro da menina para dentro do beco. Claramente, ela tinha mais força, afinal, a mulher comia com o dinheiro que Noah conseguia vendendo flores enquanto a garotinha só tinha direito aos ossos e migalhas.
— E-eu não vou voltar! A Irmã Ruthy vai me tirar daqui!
Ao grito da menina, a mãe colocou um sorriso macabro no rosto. Era a expressão mais sombria que a mulher já fizera até aquele momento.
— Não seja idiota... Aquela vadia já deve estar morta a essa hora...
— I-impossível! E-ela disse que ia me tirar daqui!
— Realmente... Ela conseguiria ter te tirado daqui se alguém não tivesse sido bem paga para denunciar os chefes do tráfico dessa região para um certo nobre.
— O-o quê... N-não.. — A garotinha caiu de joelhos, vendo sua última esperança escapando pelas mãos. Lágrimas começaram a aflorar do rosto limpo.
— A-a irmã Ruthy é muito f-forte, ela nunca perdeu uma luta!
— Haha... Isso porque ela nunca enfrentou esses caras enviados pela capital. Veja, eles me pagaram cem moedas pela informação!
— V-você... vendeu a irmã Ruthy?
— Assim como vou fazer com você!
Era apenas para ter o prazer de ver a menina sofrendo?
Mesmo com cem moedas, a mulher continuava com a ideia de vender a filha aos porcos daquela cidade.
Noah foi arrastada pela mãe, as lágrimas não cessaram nem mesmo quando chegou em casa.
O vestido bonito comprado pela mãe com o dinheiro sujo se parecia, para Noah, como um objeto ritualístico. Para quê deixá-la tão bonita se seria destruída logo?
As horas se passaram... Não chegava ninguém. Tinha a chance de fugir, já que sua mãe estava fora... mas não tinha para onde ir.
Onde estava Ruthy? Será que ela realmente perdeu para os idiotas da capital? Será que a mãe foi buscar o terrível porco que sujaria a sua honra?
Eram muitas perguntas. A garotinha só podia ficar no canto da parede refletindo, ainda na esperança de que sua irmã, sua heroína, viesse salvá-la.
A cortina da porta se abriu, fazendo o coração de Noah palpitar ainda mais. Quem adentrou a casa tomada pelo frio foi a mãe... acompanhada por um homem.
Certamente, era alguém importante a julgar pela roupa e pelo físico descuidado de alguém que vivia uma boa vida.
Aquilo que olhou para Noah com malícia enquanto salivava era a verdadeira definição de um porco.
— Deixo tudo com você.
A mãe, sem uma gota de arrependimento, saiu da casa, deixando apenas o porco e a filha dentro.
— Noahzinha, vamos nos divertir.
O homem se aproximava em passos vagarosos, fazendo o coração de Noah disparar. "Por que esse coração não para de vez? Ah! Já sei..."
Ainda ali, naquele momento, tinha esperança de sua irmã aparecer e salvar...
"... Eu tenho que ficar viva para parabenizar a irmã Ruthy."
O homem chegou a uma distância em que Noah podia sentir a respiração pesada dele em seu rosto, a língua áspera do porco foi ao encontro de sua testa.
As lágrimas voltaram ao rosto da garotinha, fazendo o homem rir.
— Não vou mais me conter... Hã?...
Algo foi jogado para dentro da casa e rolou até perto dos pés do homem tirando as calças...
— O-o quê...?
O objeto arremessado começou a respingar no chão, formando uma poça de líquido vermelho.
— É aqui onde tem uma garotinha em apuros?
A silhueta de uma mulher de armadura surgiu na cortina da casa. Ela segurava uma espada média na mão direita... que havia sido usada para ferir a mãe da garotinha. "Aquilo" arremessado na casa era a cabeça da mulher.
— Noah, sua irmã pediu para eu te salvar!