Volume 1
Capítulo 11: Orcs!
A cozinha empoeirada era limpa aos poucos pelos empregados, entre eles estavam Edgar e as outras duas garotas vítimas do ataque noturno de Rory.
Foram necessárias quase quatro horas para curar os três, devido ao efeito das balas do fuzil, mas não foi um problema para Elsie — a empregada com o Tipo Elemental Água, especializada em magia de cura, conseguiu dar conta do serviço.
Na mesa, sentado em frente à dupla, estava o marquês Edward Soul Za, com sua expressão assustadoramente calma de sempre e um óculos redondo, diferente do quadrado que usava no dia anterior. No lado oposto, encontrava-se a garotinha responsável por empoeirar toda a cozinha, rachar algumas paredes e ferir os empregados… isso apenas no interior da mansão.
No exterior, alguns pedreiros foram contratados da vila, mas por algum motivo, a cocheira ainda não retornou com eles.
Tudo o que restou no local onde ficava o porão foi uma enorme cratera.
Ao lado de Rory, estava uma das vítimas tanto do interrogatório do marquês quanto da fúria da garotinha: Kurone — com algumas ataduras nos braços e no pescoço.
O cansaço de Elsie não a permitiu curar mais uma pessoa depois dos três empregados. Nesse mundo, a falta de mana poderia acarretar a morte de uma pessoa, e, para impedir isso, o corpo dava sinais que não podia mais continuar utilizando magia — um deles era fraqueza.
Brain também estava na mesma situação do jovem, porém com menos ataduras. O corpo da garota era mais resistente, mas nem esse corpo forte saiu ileso da fúria de Rory.
— Então, Brain, o que me diz? Esses dois senhores são espiões?— o marquês perguntou à empregada ao seu lado, a resposta dela certamente iria decidir o futuro da dupla.
— Esses dois, com certeza…
— S-se-senhor Edward! — Um homem adentrou a cozinha ofegante, suor escorria pelo rosto gordo e oleoso dele; o uniforme e a cara eram bem familiares a Kurone e Rory.
— Orcus, meu amigo, o que houve?
— E-estamos sendo atacados! — Orcus, O líder dos guardas da vila de Grain, gritou com uma expressão de medo no rosto e, no segundo seguinte, desmoronou no chão. Edgar tentou acordar o homem, mas seus primeiros socorros foram em vão, magia também não teve efeito.
— Eu posso explicar. — Quem adentrou a sala foi a cocheira enviada por Edward para recrutar mão de obra na vila.
— Amélia! Diga-me, o que está acontecendo?
— Está um caos lá fora, marquês. Quando cheguei na metade do caminho, encontrei esse homem que vinha correndo desesperado da vila...
— Seja objetiva, Amélia, parece uma situação séria.
— Desculpe, é a vila, senhor, ela está sendo atacada por orcs!
— Oh, não... de novo não...
— O portão não foi consertado a tempo, os orcs se aproveitaram da brecha para atacar.
Orcs, inimigos mortais de guerreiras e elfas peitudas, monstros que atacavam mulheres com o único objetivo de saciarem sua luxúria. Kurone já teve a oportunidade de enfrentar um desses monstros, em um videogame, claro, e acabou desistindo da batalha depois que seu personagem foi violado três vezes seguidas por um desses monstros.
Foi uma experiência traumatizante que fez o jovem desistir de jogar e nem querer saber de comprar a continuação. Na verdade, ele nem devia ter jogado o primeiro jogo, afinal ainda era menor de idade na época.
— O-orcs...
— Adiemos nossa conversa, senhor Nakano, como pode ver, estou com problemas no momento… — Edward tinha um tom assustadoramente calmo para a situação.
O marquês saiu da cozinha, subiu as escadas da sala e foi em direção a seu escritório, passou aproximadamente três minutos lá e, em seguida, retornou à cozinha onde todos estavam reunidos.
O som metálico ressoou em cima da mesa, chamando a atenção de Kurone e Rory.
— Cem moedas de ouro. — O marquês apontou para a bolsa de pano em cima da mesa. — Eu pagarei cem moedas de ouro para que o senhor e a senhorita Rory me ajudem a eliminar esses monstros. Inimigos ou não, a força dos senhores é notável…
“Os senhores” era um equívoco, Rory era a única trapaceira aqui.
Houve um minuto de silêncio até que Kurone pegou a bolsa de dinheiro e a balançou, produzindo o som de ouro batendo contra ouro.
— Não precisamos do seu dinheiro! — O jovem jogou a bolsa para o marquês confuso, a garotinha ao lado apenas suspirou para o seu drama exagerado.
— Eu quero. — Rory fez menção de agarrar a bolsa.
— Não! — gritou ainda fazendo drama. — Esse ataque tá acontecendo por nossa culpa, se a gente não tivesse atacado o portão da vila, os orcs não teriam conseguido invadir. — Mesmo explicando a situação, Rory não se sentia nem um pouco culpada por suas ações e pretendia cobrar pelos serviços.
“Entenda as entrelinhas, caramba!” Essa era a chance de limpar o nome e fugir da suspeita de ser um espião. — Esse serviço será um pedido de desculpas ao marquês!
Rory olhou fixamente para Kurone, ele também não desviou o olhar dela e, no fim…
— Faça o que você quiser, mas você vai ficar me devendo o dinheiro que ganharíamos, e isso somado ao valor de antes vai dar bastante carne assada.
“Enfim entendeu!... Pera aí, ela é uma agiota por acaso?”
Relutantemente, a garotinha concordou com a ideia de não cobrar nada ao marquês pelo serviço, apesar de atribuir a dívida ao companheiro. O nobre suspirou em alívio.
— Estou profundamente grato, sinto-me até mal pelo que fiz com você na noite passada. Quando retornarem, darei um pedido de desculpas digno — Edward disse timidamente.
— Ahhh… não precisa! — o jovem respondeu, colocando a mão na cabeça e massageando os cabelos.
Apesar de suas fraturas, sabia que o marquês só fez o que fez para proteger seu povo, ele estava até mesmo disposto a pagar aos invasores para impedir outros invasores de atacar a vila. O nobre era um homem responsável, e faria qualquer coisa para proteger o que era seu — assemelhava-se a Kurone nesse aspecto.
— Se já pararam com o namorico, vamos logo para a vila — Rory disse em tom frio, irritada pelo fato de ser ignorada mesmo tendo um papel importante para a nova missão.
No lado de fora da mansão, o sol já castigava a terra desde cedo, a luz intensa fez Kurone pôr as mãos nos olhos para poder conseguir enxergar o jardim. Empregados iam e vinham, de um lado para o outro, limpando a sujeira feita pela garotinha delinquente.
A carruagem já estava pronta para a partida da dupla, mas dessa vez era um veículo maior que o anterior — o último tinha espaço apenas para quatro passageiros, esse poderia acomodar confortavelmente até oito pessoas.
— Por que uma carruagem tão grande? A gente vai demorar ainda mais pra chegar na vila.
— Haha! Você não sabe de nada mesmo, garoto, o importante é o cocheiro e não a carruagem! — a cocheira respondeu.
Quem estava encarregado de transportar os dois até a vila era Amélia, a mesma cocheira que os trouxe para a mansão — também foi quem trouxe Orcus, apesar de tentar parecer madura e séria, ela mal conseguia olhar para o rosto de Kurone sem corar.
Vez ou outra, o garoto pegava aquela cocheira o encarando com um olhar estranho… Agora estava claro o motivo, ele e sua pequena companheira eram completos suspeitos.
— Estamos aos seus cuidados, senhorita Amélia! — A empregada de cabelos ruivos, Brain, fez uma reverência à colega.
Apesar de não condenar as ações de Edward, Kurone ainda sentia calafrios ao ver ou escutar a voz da empregada sádica — que o fez passar por maus bocados por um bom tempo —, mesmo Elsie tendo usado o restante de sua magia para o curar, ele ainda sentia a dor das chicotadas em suas costas só de olhar para a garota.
Brain era sádica, Edgar parecia ser leal até demais e Amélia parecia ter sido designada para vigiá-lo, precisava ficar atento aos movimentos deles.
— Não se preocupem, Amélia é a melhor cocheira de todo reino. — Edgar, que apareceu repentinamente ao lado do jovem, disse, fazendo a garota mencionada sentir-se orgulhosa, mas quando ela encarou Kurone, escondeu o rosto em seu chapéu anormalmente grande com uma pena no topo.
Além do chapéu, a cocheira trajava um uniforme azul com abotoaduras douradas. Os cabelos curtos e os seios quase inexistentes davam um ar masculino a ela, mas bastava olhar do quadril para baixo — especificamente para a cintura fina e as coxas grossas — para descobrir seu gênero. Essa garota era a definição da palavra “tomboy”.
“Poulaines?” Kurone encarou os sapatos azuis como o resto da roupa — o bico fino que fazia uma dobra era bem peculiar, o jovem viu sapatos como esses em um livro, certa vez.
O som de bagagem sendo arremessada dentro da carruagem chamou a atenção dele.
— Então vamos confiar em você… A propósito, por que tá todo mundo aqui?
— O marquês não avisou? Vamos ajudar os senhores — Edgar afirmou colocando a mão em seu peito enquanto Kurone olhava de lado para o marquês aproximando-se.
— V-vocês!?
— Pode não parecer, mas somos bem fortes — o mordomo disse em tom modesto. — Eu já fui um bravo guerreiro em meus tempos de glória.
— Eu quero me divertir com um orc… — Brain disse ofegante enquanto contorcia seu corpo.
“Normalmente acontece o contrário…”, ele pensou em dizer, porém a empregada logo se recompôs e mudou de expressão excitada e ofegante para garota com um sorriso angelical, ao ver que os olhos de todos estavam voltados para ela. “Então essa é a sua verdadeira natureza?”
— Eu lamento, gostaria de os acompanhá-los, mas infelizmente necessito de enviar um relatório à capital. Orcs só atacam em bandos enormes, precisaremos reforços de cavaleiros experientes.
— Não vai ser preciso — a loli arrogante falou enquanto materializava o seu fiel fuzil militar, que acabou chamando a atenção do marquês.
— Essa arma me intriga...
— Tira o olh…
— Então vamos nessa! — a cocheira interrompeu a possível resposta rude de Rory.
Clap! Amélia bateu as rédeas com força nos lombos dos cavalos e conduziu a carruagem até o portão negro com grades, duas empregadas já o tinham deixado aberto.
Kurone percebeu nesse momento que seu subconsciente ficara traumatizado depois da experiência com a empregada. O som das rédeas batendo nas costas dos cavalos fez com que as memórias recentes, que tentava esquecer, se desencadeassem novamente.
— Anda logo, imbecil! — Rory o empurrou para dentro da carruagem.
Precisava se esquecer daquilo, pensou que talvez sentar ao lado da janela pudesse o ajudar...
— Ahh!
Mas acabou ficando ao lado de Brain.
“Iaah!”
A cocheira trajada com vestes de homem bateu novamente as rédeas e colocou os cavalos para correr a toda velocidade em direção à vila. A velocidade era influenciada pela descida da colina, mas parecia ter algo mais influenciando, talvez, alguma habilidade da garota?
Esses empregados eram realmente peculiares.