Volume 1
Capítulo 10: Julgamento Divino
— Droga, estou com sede. — A pequena garota olhou ao redor do quarto, à procura de um copo d'água. — Não tem aqui, e não quero ter que sair dessa cama confortável. Droga! Se ao menos o inútil estivesse aqui… — Ela jogou os lençóis para cima e desceu da cama.
Diferente de Kurone, que ainda usava a mesma roupa de quando morreu e foi enviando ao Domínio de Cecily, as empregadas que tanto bajulavam Rory deram um vestido a ela para dormir.
O vestido que usava — feito em uma velocidade surpreendente pela dupla de serviçais —, era um pouco esverdeado e fino, lembrava aqueles usados por pacientes de hospitais, perfeito para dormir, mas não para correr, já que ele chegava até o chão.
— Onde aquelas empregadas estão?... Malditas, como podem se dizer boas empregadas se não estão presentes quando seu mestre mais precisa de sua ajuda? — Relutantemente, a garotinha saiu do quarto à procura de um copo de água, sem nem mesmo se importar em calçar as botas militares ao lado da cama.
— Água, água, água, água. — Ela repetia enquanto andava pelo vasto e estreito corredor iluminado apenas pela luz da lua, era uma maneira de relaxar e conter o impulso de destruir as paredes. Tentava controlar a sua irritação ao máximo, mas tudo ao seu redor era estressante.
— Roryjinha, é voshê? — uma voz estranha sussurrou do outro lado de uma das portas do corredor.
— Sim, quero água.
— Q-quê!? E quanto ao chá que a shenhorita bebeu mais shedo?! — A voz ganhou um tom aflito, como a de alguém que via uma assombração.
— Que voz irritante, está com o pau na boca? Aquela droga não serviu para saciar minha sede, vocês deviam demitir quem fez aquilo.
— A-ahhhh! M-mas fui eu quem fiz! — A porta abriu-se e uma garota com lágrimas nos olhos pulou para o corredor. Essa era Elsie, a empregada de cabelos negros da dupla de serviçais que tanto bajulavam Rory, por algum motivo, ela tinha uma aparência familiar à garotinha.
Elsie emanava uma aura ruim, semelhante à dos demônios, mas ela era muito fraca para criar uma presença hostil… sua personalidade também não ajudava, devia ser um demônio qualquer que foi abrigada pelo marquês.
— Ah, é você, faça algo útil e vá pegar um copo de água para mim. — a menina ordenou, apontando em direção ao fim do corredor, a verdade era que não fazia mais ideia de onde estava ou de como retornar ao seu quarto, seu senso de direção era péssimo.
— A cojinha é do outro lado! Ali shó tem uma janela no fim do corredor!
— Então por que não se atira dela? É o mínimo que pode fazer após me servir aquele chá horrível, e vê se tira o pau da boca e fala direito. — Como sempre, o tom de voz da loli era frio e indiferente, o rosto não só demonstrava uma expressão de desprezo e as palavras eram afiadas o suficiente para cortar o coração dos mais sensíveis.
Chegava a ser irônico palavras tão vulgares serem pronunciadas por alguém com uma dicção perfeita.
— M-me perdoe pelo chá, Roryjinha! Vou agora meshmo pegar um copo de água e me atirar da janela! — a empregada gritou, limpando as lágrimas dos olhos.
— Espera, primeiro me traga a água e depois pule da janela, e para logo com esse jeito irritante de falar, senão corto sua língua, é o meu último aviso.
— Shim… e-espere, a shenhor... quero d-dijer... Quero dizer, vo-você tomou o chá, então por que ainda está acordada?
— Se quer fazer alguém dormir, leite é a melhor opção.
— Leite? — Apesar da expressão confusa com a palavra “leite”, Elsie não estava entendendo como Rory podia estar ali.
Por que ela ainda estava de pé mesmo depois de tomar o chá? E como ela conseguiu sair da cama? Enquanto a empregada refletia, Rory percebeu a sua expressão mudar e suar muito.
Era patético, a garotinha percebeu a magia de sonolência assim que adentrou o quarto, tomou o chá sem hesitar e enrolou-se o mais confortável possível com os lençóis enfeitiçados, apenas insetos seriam afetados por algo tão fraco. Sentia-se ofendida por pensarem que ela seria afetada por um feitiço tão fraco.
— Não me diga que você achou que…
— Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!! — O grito, vindo de alguma parte de fora da mansão, interrompeu a frase de Rory e assustou a empregada; fazendo ela agarrar-se na garotinha.
— Me larga! — Um ataque com a mão aberta foi a suficiente para fazer Elsie soltá-la e agarrar a própria cabeça, no local onde fora golpeada. — Isso foi um grito do idiota, eu devia imaginar que ele seria pego por essa magia. — Rory começou a caminhar, à procura de seu companheiro incompetente.
— Espera Roryjinha! A shenhorita não deve ir! — Elsie tentou detê-la, mas a menina conseguiu esquivar do seu abraço, fazendo-a cair no chão com força.
— Saia da minha frente, empregada irritante. — Os pés infantis pisaram e deixaram marcas no rosto da empregada, a serviçal foi tratada como uma embalagem qualquer jogada no meio da rua.
— Por favor, não vá! — Elsie segurou o tornozelo delicado da garotinha.
— Me larga.
— Não vou!
— Me larga logo ou te mato.
— Se a shenhorita for, ele vai prendê-la também! — Mesmo sendo chutada inúmeras vezes seguidas, a empregada não soltou o tornozelo. A garotinha desistiu de tentar fazer Elsie a soltar e simplesmente começou a andar, arrastando a garota junto.
— Ahhhhhhhhhhh!!! — Outro grito, dessa vez mais curto e alto que o último, foi o suficiente para fazer Rory se dar conta de onde seu companheiro estava.
— Deve ser em algum tipo de porão, é o lugar mais genérico possível para esses pervertidos meia-boca como o Eduardo sei lá o quê.
— Como esperado da Roryjinha, tão esperta!
— Calada, cadela. — Um chute fez a empregada fechar a boca mais uma vez.
Rory viu algo similar a entrada de um porão quando chegou à mansão, sua memória fotográfica era bem útil em momentos assim, porém o senso de direção horrível tornava essa habilidade inútil.
“Que seja, vou andar por aí até encontrar o porão.”
— Isso é um problema.
Duas empregadas e o mordomo ainda estavam acordados, provavelmente eram eles os responsáveis pela segurança da mansão durante a noite.
— É melhor voltar para seu quarto, Roryjinha! Se quiser, eu posho dormir com a shenhorita até de manh…
O “Bam!” repentino calou a empregada e fez um estrago no cenário pouco descrito.
— Ahhhhhh! — berrou Elsie.
— Não acertei em nenhum ponto vital, eles devem ficar bem… eu acho.
A precisão de Rory era perfeita. Em segundos, todos os tiros acertaram as pernas e braços dos empregados contorcendo-se de dor no chão, podia ter usado balas de borracha, mas achava isso mais eficiente. Bastava disparar com cuidado para não matá-los, não gostava de tirar vidas de inocentes sem motivos.
— É por ali… eu suponho.
— Isho mesmo! — Mesmo vendo o que aconteceu a seus colegas de trabalho, a empregada continuava agarrada ao tornozelo de Rory… — Argh! — E continuou agarrada enquanto desciam as escadas para a sala de estar.
— Urgh! — Não soltou nem mesmo quando a garotinha passou por cima do tapete áspero na entrada da mansão.
— Ergh! — Permaneceu firme enquanto seu vestido era rasgado pelos galhos e pedras do jardim.
— Você é um verme bem persistente.
— Obrigada!
— Não foi um elogio, fique quieta, pervertida.
A entrada do porão ficava do lado de fora da mansão, seu senso de direção melhorava um pouco em locais abertos, por isso encontrou o seu objetivo rapidamente.
Eram duas pequenas portas, debaixo de um tipo de roseira que crescia colada à parede da mansão. Sons de chicotadas e gritos ecoavam do interior daquele porão.
— Então é aqui. — Rory e a parasita agarrada em seu pé aproximaram-se das portas de madeira antiga, coberta pelo musgo. Não parecia haver tochas na entrada, mas uma luz irradiava do interior.
— Argh! — Descer as escadas foi mais uma sessão de dor para Elsie, que permanecia agarrada em Rory até o fim, tudo que a protegia de sentir mais dor eram os seus seios equipados de um sutiã resistente que ficou à mostra depois do vestido fino se rasgar no jardim.
O chão do porão era completamente de terra batida. Lembrava o estilo de salas de tortura das prisões antigas. Após as escadas, havia uma parede com cinco portas de ferro. O inútil estava em uma delas.
— Te encontrei? — A primeira sala era um armazém com algumas frutas e vegetais encaixotados. Os gritos e os sons de chicotadas cessaram logo após Rory adentrar no porão, isso tornou a busca da garotinha mais difícil.
— Te encontrei.
A segunda sala estava escura, mas não parecia que Kurone estava aprisionado lá; a terceira tinha algumas caixas suspeitas que exalavam um odor estranho; a quarta estava repleta com uma abundância de roupas femininas, mas não pareciam ser das empregadas, considerando o tamanho que parecia ser o mesmo das roupas de Rory.
“Tem umas coisas bem suspeitas aqui, mas como não me afeta, eu quero que se dane.”
Enfim, ela preparou-se para abrir a última porta...
— Com sherteza é esha! Cof! Cof!… — Elsie tossiu o excesso de terra que entrou na garganta por todos os orifícios do rosto.
Uma luz azul-clara envolveu Rory e o fuzil materializou-se novamente em sua mão. Devia estar preparada para enfrentar quem raptou seu companheiro. Incompetente ou não, ele era essencial para a sua missão dada e para os seus objetivos pessoais.
— Te encontrei.
O que encontrou ao abrir a porta foi...
— Ahhhhhhhhhh! — O grito dessa vez foi de Elsie, apesar de ter resistido a tudo até então, ela soltou o tornozelo de Rory e colocou as mãos nos olhos.
— Estou atrapalhando? — Rory perguntou no tom mais frio até o momento.
Na sala, estava Kurone…
Apenas de cueca, suspenso no ar, acorrentado pelos braços.
Em cima das costas do jovem, estava Brain — com roupas íntimas de couro e o chicote negro. A empregada andava de um lado para o outro, dando chicotadas ocasionalmente nas costas nuas do garoto enquanto ele gemia — talvez de dor ou de prazer? Abaixo dos dois, estava um aglomerado de velas em que as chamas quase tocavam a barriga de Kurone.
— R-Rory! Me ajud… — Clap! A chicotada fez o jovem interromper o pedido de ajuda. — E-ei, espera!
A menina delinquente fechou a porta e começou a andar apressadamente para longe, parou em frente às escadas que davam na saída do porão e virou-se em direção à porta que fedia a luxúria.
— Roryjinha! — Elsie, ainda com o rosto levemente corado, gritou para a garotinha que começou a entoar um feitiço. Os olhos da loli ficaram cada vez mais claros, iluminando todo o porão, os cabelos prateados começaram a flutuar e os lábios moveram-se para terminar de entoar a sua Magia Sagrada:
— [Julgamento Divino].
No mesmo instante, um clarão iluminou todo o porão enquanto uma esfera amarela se materializou em frente a Rory. A bola foi expandindo-se mais e mais, até tocar o teto.
O toque com o telhado teve o mesmo efeito de quando uma agulha espetava um balão, a energia da esfera foi liberada e todo o local explodiu, levando parte da parede da mansão e algumas plantas que estavam ao redor — e também destruiu as salas com o que podiam ser provas de crimes cometidos pelas pessoas desse lugar.
Junto às plantas que eram varridas pela magia de Rory, os dois jovens seminus foram levados pelo ar, caindo em algum local do mar de arbustos no outro lado da mansão.
A explosão intensa pôde ser observada até mesmo da vila Grain, que ficava abaixo da colina.