Que Haja Luz Brasileira

Autor(a): L. P. Reis


Volume 3

Capítulo 35: Olho por olho...

— Men! — Gritou uma voz em meio ao silêncio de várias pessoas vestidas de quimono preto.

Todos com suas shinais em mãos aplicaram um golpe de cima para baixo, como se fossem acertar a cabeça de seus adversários, com uma multidão respondendo “Hai”.

Shinais eram espadas de bambu com vários fios da madeira para simular o combate com uma espada, dentro daqueles tatâmis, espadas forjadas pelo ferro e o fogo não podiam ser portadas sem a autorização do mestre.

O dojo onde essa multidão estava reunida era um dos monumentos mais majestosos de Takaamahara, na capital Taiyo. O lugar era verdadeiramente uma obra-prima, uma combinação perfeita de beleza e desafio. As palavras proferidas pela própria rainha Amaterasu durante a sua inauguração estava cravada na entrada do local em madeira maciça, destacando a importância daquele lugar como berço dos melhores samurais do reino.

Ao adentrar o dojo, todos eram recepcionados por uma aura de serenidade e austeridade. A estrutura era magnífica, composta por madeira esculpida com maestria, enaltecendo a tradição. O aroma de incenso suave pairava no ar, preenchendo o ambiente com um toque de calmaria.

As imediações do dojo eram adornadas por maravilhosas fontes de água cristalina, onde nadavam graciosas carpas de cores brancas e laranjas. As águas eram tranquilas, refletindo a beleza dos arredores em seus espelhos líquidos. Pontes arqueadas e delicadas, construídas com esmero, permitiam que as pessoas cruzassem os pequenos lagos com elegância e serenidade.

Dentro do dojo, mais de dez arenas de treinamento se espalhavam pelo vasto espaço. Cada arena era equipada com os melhores materiais disponíveis, proporcionando aos habitantes da capital o acesso às ferramentas ideais para aprimorar suas habilidades marciais. Escudos reluzentes, espadas afiadas e armaduras brilhantes eram cuidadosamente dispostos nas laterais, como guardiões silenciosos, prontos para servirem como instrumentos de aprimoramento dos samurais.

Um pouco distante daquele recinto, nas ruas, uma multidão se aglomerava, atravessando o caminho de duas figuras em movimento bruto. À frente, um senhor caminhava em velocidade incomum, como se estivesse desesperado para encontrar alguém. Logo atrás, um jovem lutava para alcançá-lo, determinado a impedi-lo de seguir adiante — custe o que custar.

E além desse jovem, uma outra voz tentava alertar sobre o que aquela pessoa estava querendo fazer:

— Isso não é algo de seu feito. Pense de forma racional, jovem! — alertava a criatura em forma animalesca, deixando claro que, se aquele senhor não colocasse a cabeça no lugar, as consequências seriam desastrosas.

A voz que ressoava na mente daquele senhor carregava uma firmeza serena, impossível de ignorar. A figura que se formava em sua consciência lembrava a de um falcão de traços precisos e olhos penetrantes, com penas de um cinza profundo que pareciam absorver a luz ao seu redor, destacando-se contra o azul calmo do céu interior que o cercava.

Seus olhos, de um amarelo intenso, não brilhavam de forma exagerada — mas havia neles um movimento sutil, quase hipnótico, como o de redemoinhos contidos na íris. Esses círculos giravam lentamente, como se cada um traduzisse a fluidez e a imprevisibilidade do vento, expressando não poder, mas presença.

O bico, de um tom mais escuro que o das penas, era firme e bem definido. Não precisava parecer uma arma: bastava sua forma precisa para sugerir a ideia de atravessar correntes e abrir caminhos.

Assim como o rosto, todo o corpo do bestoj assumia a forma de um falcão. Não era uma réplica majestosa, mas uma figura precisa — de proporções equilibradas, penas bem alinhadas e asas que se moldavam ao ar com naturalidade. Sua elegância não vinha do exagero, mas do silêncio com que ocupava o espaço.

O bestoj do vento não se impunha com grandiosidade. Ao contrário, havia algo quieto e antigo em sua presença, como se pertencesse a um tempo anterior às palavras. Ele não flutuava entre o físico e o espiritual — ele simplesmente era, como o vento que surge antes que alguém perceba.

Sua voz, quando falava na mente do senhor, não era um trovão, mas uma corrente suave carregada de propósito. Trazia o peso de séculos de conhecimento, e mesmo assim parecia leve.

Ainda assim, por mais que suas palavras tentassem alcançar o coração do homem, elas agora se perdiam — não por falta de força, mas porque o coração que escutava já se afastava do que um dia foi capaz de ouvir o vento.

O senhor se recusava a ouvir a voz daquele que falava com ele em sua consciência, ele tinha uma ideia na sua cabeça, seria olho por olho e dente por dente, e nada tiraria isso da sua mente.

Mas logo atrás, tentando se desvincular da multidão e pedindo licença em cada esbarro que sofria, vinha Luiz Ferro, que havia se colocado nessa empreitada completamente de graça. Por um lado, ele se sentia feliz por Kira tê-lo salvado, pois, se não, ele seria mais um dos samurais mortos por Pitta naquele dia. Só que também era cruel que ele tenha sobrevivido às custas da vida de Gayami. Ele sabia que Takaamahara havia sofrido uma perda inestimável em troca de sua vida, que não tinha nada de especial.

— Mestre, me escuta, o senhor precisa parar! — Ferro tentou chamar a atenção do senhor de cabelos brancos que caminhava pelas ruas enfurecido, como um boi que finalmente havia quebrado os ferrolhos que o prendeu durante muitos anos.

Mesmo assim, o velho não parava em hipótese alguma e seguia esbarrando nas pessoas que ficavam na sua frente. No primeiro momento, elas achavam ruim, mas logo que percebiam de quem se tratava, eram elas que pediam desculpas pelo ocorrido.

— Tsuki! — Gritou a mesma voz, um comando para os mesmos espadachins com shinais em suas mãos.

Todos, vestidos com seus quimonos, acompanhavam os movimentos como se participassem de uma coreografia precisa e silenciosa. As espadas de madeira seguia o ritmo firme de suas mãos, traçando no ar uma estocada à altura média — como se mirasse diretamente a garganta de um inimigo invisível. E então, em uníssono, um único som rompeu o silêncio “Hai”.

Foi tudo o que o líder daquele treino precisava ouvir para aceitar a execução perfeita da ordem.

O velho seguiu em frente, dobrando mais uma esquina. Ao longo do caminho, tendas se espalhavam por ambos os lados, oferecendo de tudo: frutos do mar exóticos, temperos raros e encantamentos destinados a aprimorar o controle da energia elemental. Ainda assim, por mais movimentado que fosse o mercado, qualquer pessoa que cruzava seu caminho recuava de imediato ao vê-lo — como se sua simples presença bastasse para abrir espaço.

Ao observar a convicção inabalável do velho, Ferro compreendeu a gravidade da situação: seu sensei estava caminhando direto para a morte nas mãos daquele guardião. Sem pensar duas vezes, decidiu fazer o impensável — precisava detê-lo.

— Sensei Karumo, o senhor precisa parar! — Luiz segurou os ombros do guardião por um instante. No exato momento em que tocou o corpo do protetor de Takaamahara, soube que havia cometido um erro fatal.

Karumo voltou o olhar para ele, e a próxima imagem que Ferro conseguiu registrar foi seu próprio braço decepado caído no chão. O samurai soltou um grito lancinante ao ver seu braço direito separado do corpo. O golpe havia sido tão veloz que ele sequer percebera o momento em que fora atingido.

Mesmo assim, Luiz sabia que, se fosse preciso morrer para salvar seu mestre, entregaria sua vida sem hesitação. Mas Karumo não estava disposto a conversas. Agarrando Ferro pelo colarinho, o lançou com brutalidade contra uma tenda, destruindo as estruturas de madeira e espalhando legumes por toda parte.

— NÃO INTERFIRA!!! — Aquelas foram as únicas palavras que o guardião dirigiu a Luiz desde que lhe entregara os códigos de Kira.

Enquanto o jovem jazia entre os destroços da barraca, tentando recuperar o fôlego, Karumo pressionou seu peito com força. Em um piscar de olhos, o braço de Ferro reapareceu intacto. Ele nunca o havia perdido — tudo não passara de uma ilusão.

Luiz, ainda caído no chão, viu Karumo soltar o quimono e continuar em direção ao seu destino. Por um instante, foi como se todo o suor de seu corpo escapasse pelos poros de uma só vez. Seu braço estava intacto, mas seu sensei ainda era o alvo do guardião, que avançava com passos firmes e decididos.

Foi então que o samurai compreendeu o que Karumo havia feito. Com um único olhar, o guardião havia subjugado sua energia elemental. A diferença de poder entre os dois era tão colossal que Karumo simplesmente engoliu sua presença e inseriu uma ilusão diretamente dentro de seu corpo. Não se tratava de uma habilidade específica — era o domínio absoluto da própria energia.

Enquanto Ferro lutava para se levantar, ainda abalado pela sensação terrível e real de ter perdido um braço, Karumo seguia em frente. E mais uma vez, alguém tentou detê-lo — desta vez, sua própria besta interior.

— Não faça isso, jovem Karumo. Não haverá volta se cumprir o voto de olho por olho, dente por dente.

A voz ecoava dentro de sua mente enquanto seus passos não hesitavam.

— Se seguir com isso, terá que abdicar do posto de guardião. Esse não é o caminho de um protetor de Takaamahara. Seu inimigo é Bernardo Pitta, não esse rapaz.

— Cala a boca, Akcipitro. Quero mais é que Takaamahara se exploda. Kira era como um filho pra mim!

A resposta de Karumo ressoou como um trovão dentro do plano espiritual onde Akcipitro habitava.

O lugar era vasto e belo, mas nada ali trazia paz a Karumo. Um céu azul profundo se estendia até onde a vista alcançava, pontuado por nuvens brancas que flutuavam lentamente, como em uma tarde perfeita de verão. O chão abaixo era como um espelho cristalino, refletindo o firmamento com perfeição, duplicando a serenidade da paisagem.

Mas para Karumo, aquele paraíso era uma afronta. A calmaria do céu, a suavidade das nuvens, a beleza intocada de cada detalhe — tudo parecia zombar de sua dor. A tranquilidade que impregnava o ambiente era como um escárnio diante da fúria e do luto que o consumiam por dentro.

E então, no centro daquela vastidão azul e silenciosa, ele viu Akcipitro.

— Você não faz ideia do que é perder alguém. Nunca vai entender isso, Akcipitro. Você é só uma besta que sabe manipular o verdadeiro nome do vento. Fora isso… o que mais você tem!?

A voz de Karumo ecoou por todo aquele espaço com o questionamento que não teria resposta.

Akcipitro permaneceu em silêncio. Ele sabia que nenhuma palavra surtiria efeito enquanto a fúria de Karumo ainda ardia em seu peito. Enquanto a sede de vingança não se dissipasse, aquele estado persistiria.

— Kote! — O grito ecoou pelo pátio, vindo do jovem que liderava dezenas de aprendizes de samurai. Ele era diferente dos demais, tanto pela aparência quanto pela presença. Tinha cerca de 22 anos e emanava uma energia vibrante, quase contagiante. Seus cabelos afro, de um branco incomum, destacavam-se como um traço raro, envolvendo-o em uma aura única.

A pele, de tom escuro e marcada pelo sol, parecia contar histórias de treinos incansáveis sob o céu aberto. A íris dos seus olhos, negros como obsidiana, transmitiam foco e profundidade, revelando a dedicação que nutria por ensinar.

A expressão firme mesclava seriedade com entusiasmo — o olhar de quem amava a arte samurai e se realizava ao compartilhá-la. Cada movimento, cada comando, era carregado de propósito. A admiração dos alunos era visível em cada gesto, refletindo o respeito e a confiança que o jovem mestre havia conquistado.

Ele não era apenas um instrutor. Era um exemplo vivo do que significa trilhar o caminho do guerreiro — alguém que moldava não só técnicas, mas também caráter. Sua paciência e compromisso com cada aprendiz tornavam-no uma figura inspiradora, capaz de despertar o melhor em cada discípulo.

Ao seu comando, a resposta foi uníssona “Hai!”

Os jovens executaram o golpe a meia altura, desta vez direcionado para os lados, como se visassem os antebraços dos oponentes — primeiro o direito, depois o esquerdo.

Enquanto isso, Karumo desaparecia da presença de seu bestoj. Em Takaamahara, já conseguia ver ao longe o dojo onde seu alvo o aguardava. Era ali que sua vingança começaria.

Luiz corria, tentando alcançar os passos do guardião, mas o vento parecia resistir a cada tentativa. Karumo o usava como freio, criando uma barreira invisível que impedia Ferro de se aproximar novamente.

O dojo para o qual se dirigiam ocupava uma quadra inteira — uma construção imponente, feita de madeira e com detalhes de ferro que destacavam o primor artesanal de sua arquitetura. Sua estrutura lembrava os tradicionais portais japoneses, pintados em um vermelho profundo.

Para Karumo, no entanto, aquele símbolo de tradição era apenas mais um alvo. Em sua mente, não deixaria pedra sobre pedra daquele lugar.

À sua frente, a grande porta do dojo se erguia, adornada com um símbolo esculpido com maestria: duas espadas entrelaçadas, com um sol entalhado ao fundo, irradiando luz. O brasão representava a essência daquele lugar — o equilíbrio entre força e disciplina.

Acima do símbolo, dois kanjis estavam cravados na madeira: Muteki — Invencível.

Mas para Karumo, aquele nome era uma afronta. Acreditar na invencibilidade era, para ele, uma ilusão escrita na areia. Estava decidido a destruir não apenas o corpo de seu alvo, mas também o significado por trás daquela palavra.

— Do!

O jovem mestre bradou mais uma vez, conduzindo seus discípulos em mais um movimento preciso da shinai, alheio à tempestade que se aproximava.

Todos gritaram “Hai!” mais uma vez em uníssono. As espadas de madeira dançaram ao ritmo dos quimonos, executando uma estocada precisa na altura do estômago — seguida por um recuo ágil, como se puxassem a lâmina de volta ao centro do corpo.

Alguns alunos faziam o movimento com maestria, como se a shinai fosse uma extensão natural de seus braços. Outros, menos refinados, ainda a tratavam como uma ferramenta. E alguns, mais inexperientes, empunhavam a arma como se fosse apenas um porrete de madeira.

Foi então que um estrondo brutal rompeu o equilíbrio da sala. A porta do dojo explodiu em estilhaços, lançando madeira por todos os lados.

O homem de cabelos brancos invadiu o local com a ferocidade de um falcão em pleno mergulho. Seus olhos vasculharam o ambiente, encontraram a presa — e num piscar de olhos, ele sumiu.

Ninguém teve tempo de reagir. Nem mesmo o mestre do dojo.

O golpe se aproximava em velocidade incompreensível. Karumo surgiu diante do sensei com a mão direita erguida, pronto para esmagar seu rosto em um único golpe. Mas no instante exato em que o impacto aconteceria, tudo pareceu desacelerar.

— Tem certeza disso? — A voz de Akcipitro ecoou em sua mente, suspensa no tempo. O bestoj, calmo como o vento antes da tempestade, se materializava mais uma vez diante do guardião — Tem certeza de que é isso que Kira gostaria? Uma vingança tão covarde assim?

No reflexo cristalino do céu sob seus pés, Karumo viu as nuvens brancas começarem a escurecer. A paz daquele plano se dissolvia, contaminada pela fúria crescente.

Ele virou lentamente a cabeça para trás e respondeu com firmeza:

— Tenho.

— Que assim seja, meu jovem.

O tempo retomou seu fluxo. Karumo retornou à realidade — e seu soco seguiu adiante.

O impacto parecia inevitável, mas o mestre do dojo, num milagre de reflexo e instinto, conseguiu evitar o golpe direto. Desviou do punho, mas não da energia invisível que o acompanhava.

A força elemental concentrada na mão de Karumo o atingiu em cheio no rosto, como uma muralha invisível desabando sobre ele.

O corpo do sensei foi lançado para dentro do dojo como uma flecha disparada. Atravessou uma, duas, três, quatro, cinco paredes — até que Karumo parou de contar.

E então, sua voz explodiu pelo salão, vibrando o ar e paralisando todos os presentes:

— VIKTOR! SEU IRMÃO MATOU KIRA… E EU VIM AQUI PARA TE MATAR!!!

Fim do capítulo!

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