Que Haja Luz Brasileira

Autor(a): L. P. Reis


Volume 1

Capítulo 3: Era uma casa muito engraçada

Gael caiu abruptamente do teto, aterrissando no chão com um estrondo. Parecia que ele havia surgido de um lugar abaixo de seu quarto, algo que logicamente não fazia sentido. O mais curioso era que ele não sofreu nenhum dano ao tocar o solo, apesar de a queda ter sido de mais de três metros.

Ao se levantar, Gael notou uma sala iluminada sem lâmpadas ou janelas, mas ele conseguia ver as pessoas à sua frente. Estranhamente, o lugar não tinha uma porta visível.

Isso se tornou o maior dilema de Gael. Assim que adentrou aquele recinto, olhares curiosos se voltaram em sua direção, tentando compreender o que estava ocorrendo.

— Quem é você? — A voz ecoou pela sala, reverberando até os ouvidos de Gael.

Todos se voltaram para onde o garoto havia caído, e naquele momento, ele já estava de pé, claramente assustado com o que via ao seu redor.

Os homens estavam sentados formalmente em torno de uma mesa retangular simples, mas as cadeiras eram verdadeiras obras de arte. Cada assento era meticulosamente adornado com entalhes primorosos, representando diferentes animais em seus encostos esculpidos. Da posição em que Gael estava, ele podia distinguir claramente as figuras de um urso, um lobo e uma águia, cada uma detalhadamente esculpida em madeira. A peculiaridade dessas representações despertou sua curiosidade, levando-o a deduzir que cada indivíduo sentado à mesa era simbolicamente associado a um animal.

Na extremidade oposta de Gael, havia uma cadeira vazia. A mesa tinha três cadeiras de cada lado, e não havia nada sobre ela além dos braços das pessoas presentes.

Falando dessas figuras sentadas, havia apenas seis à mesa. Um deles parecia não ter chegado ainda, mas, mesmo que o rapaz que havia proferido as palavras não fosse o mais fisicamente imponente do grupo, sua presença e seu olhar amedrontaram o garoto.

Além dos seis sentados à mesa, outros seis estavam de pé, encostados na parede ao fundo da sala, parecendo apenas ouvir a conversa dos que estavam sentados, até que Gael entrou na reunião sem ter sido convidado.

No entanto, o que mais assustou Silva na sala foi o sujeito que gritou assim que ele se levantou. Ele tinha cabelos ruivos quase alaranjados, volumosos, e usava uma capa verde que cobria todo o seu traje. Com um palito de madeira na boca, ele parecia ameaçador, embora não aparentasse ter mais do que dezesseis anos:

— Vou perguntar pela última vez. Quem é você?! — Indagou o jovem, enquanto uma substância líquida parecia se formar em sua mão. Silva sentiu a pressão e se viu imobilizado, sem saber como reagir.

— Eu… Eu não faço a menor ideia de como cheguei aqui — Respondeu Gael totalmente confuso — Para ser sincero, eu também pergunto: quem são vocês?

— Cale a boca e responda à pergunta dele —Interveio outro rapaz, sentado na mesa, cuja cadeira exibia um entalhe de urso. Esse rapaz aparentava estar na casa dos vinte anos, com cabelos castanhos escuros e compridos, presos em um coque samurai. Seus olhos eram de um verde mais claro que os de Gael, talvez intencionalmente, para ocultar a fúria que parecia emanar dele.

Ao ser atingido por aquelas palavras, ao piscar novamente, Gael percebeu horrorizado que não estava mais naquela sala. Ele se viu, assustado, testemunhando uma cena aterrorizante se desenrolar diante de seus olhos.

O chão começou a congelar rapidamente, formando um caminho sinistro de gelo que se estendia até o horizonte. Monstros surgiram das sombras, suas presas afiadas reluzindo à luz. O ar ficou gélido e uma sensação de desespero tomou conta dele ao perceber que seu corpo estava começando a congelar por inteiro.

No entanto, ao piscar os olhos novamente, Gael percebeu que tudo não passava de uma ilusão, criada cruelmente por aquele ser. Um suspiro de alívio escapou de seus lábios quando tudo o que tinha visto desapareceu como num passe de mágica.

— Deixem o garoto em paz, Eduardo! — Disse uma das vozes à mesa, com as mãos erguidas. Foi ele quem dissipou a ilusão criada por esse Eduardo. Parecia tão real, mas Gael finalmente conseguiu processar a situação. Agora, a pergunta era: como ele sairia dessa loucura?

Gael examinou cuidadosamente o homem sentado à mesa e percebeu que, no pescoço daquele que o mandou calar a boca, havia uma tatuagem de um urso com traços semelhantes à do leão em seu braço esquerdo.

— Talvez essa tatuagem seja uma pista — Disse Gael, levantando a manga da camiseta para mostrar que não estava mentindo.

— E quem garante que você esteja dizendo a verdade? — Questionou o jovem ruivo a sua frente — Talvez você a tenha a adquirido tendo matado o Rick! Quem é realmente você?

Ele mesmo respondeu a pergunta que havia feito para Gael. Dessa vez, ele levantou-se da cadeira, revelando uma escultura de dentes e cabeça de tubarão entalhada nela.

— Calma, Vinícius, não devemos tirar conclusões precipitadas — Disse o homem mais uma vez que havia quebrado a ilusão feita pelo Eduardo, com uma postura serena e calma — Ele pode estar tão perdido quanto nós nessa situação.

— Perdido, Miguel? — Questionou Vinícius com ímpeto — João, você não vê a marca de Rick no braço desse garoto? Que explicação teríamos para esse símbolo? Rick Roth era o guardião mais forte entre nós e ele está morto!

João Miguel, de cabelos longos e negros sempre amarrados em um rabo de cavalo, tinha uma pele extremamente pálida. Com uma personalidade ponderada, ele sempre preferia pensar antes de agir, mantendo seus olhos castanhos escuros e sua compostura sempre intacta.

— Como eu estava dizendo, Vinícius, antes de você me interromper, não devemos atacá-lo. Primeiro, precisamos descobrir o que aconteceu com Rick — Enfatizou Miguel, em busca de alguma razão, antes que Vinícius Lubu e Anthony Eduardo cometessem um erro irreparável.

— Não é porque o Rick pode ter encontrado seu fim que você tem o direito de se autodenominar líder, fique em seu lugar, do contrário, você se unirá a ele — Proferiu Anthony, lançando um ar quente de sua boca, formando uma fumaça que permeou o ambiente. A temperatura parecia mudar com as palavras do rapaz, que já se encontrava de pé.

Vinícius se afastou da mesa e se aproximou de Gael, e o garoto sentiu suas mãos tremerem com a aproximação do rapaz. Ele ergueu a mão direita diante de si, e Gael sentiu seu corpo se mover involuntariamente, caindo de joelhos no chão. Não entendia o motivo, mas seu corpo parecia agir por conta própria.

— Vamos lá, garoto. O que você fez com Rick e como obteve essa marca? — Vinícius indagou, pressionando Gael contra o chão até que seu rosto tocasse o pó do local — Se tentar qualquer coisa ou falar qualquer mentira, seremos responsáveis por sua morte.

Gael estava apavorado. O que via e sentia era completamente desconexo da realidade, desafiando toda lógica. Vinícius estava controlando seu corpo contra sua vontade, e a ameaça de morte ia além de qualquer senso racional.

O garoto tentou descrever todos os detalhes que lembrava daquele dia: a explosão do transformador, o homem barbudo e cabeludo morto no chão, como apenas ele parecia ser capaz de enxergar o corpo caído aos pés do poste e como esse mesmo indivíduo ressuscitou dos mortos e desferiu uma espada inexistente, até então, em seu abdômen. Contou também como acordou em sua casa, como se nada daquilo tivesse acontecido.

— Vocês ouviram, o garoto foi escolhido por ele, não há mais necessidade de fazê-lo passar por isso — Argumentou Miguel, tentando convencer Vinícius a cessar.

— Então, vamos ver se ele é realmente o escolhido! — Disse Anthony, com sua mão se tornando gélida como o próprio gelo.

Ao proferir essas palavras, o rapaz já se encontrava ao lado de Gael. Levantou sua mão para socar a cabeça de Silva como se fosse um prego prestes a ser martelado, e o gelo sobre ela se intensificou. O impacto seria iminente, e o garoto apenas fechou os olhos, aguardando o pior. Contudo, quando parecia que o soco iria atingi-lo com força total, surpreendentemente, o impacto não ocorreu.

Então, ele ouviu uma voz firme, suave e leve ecoando em seus ouvidos:

— Fale o nome!

Gael abriu os olhos em busca de quem estava falando, mas não encontrou ninguém. Entre todas as coisas impossíveis que havia testemunhado naquele dia, essa era uma das que mais o intrigou. Ao olhar para cima, notou a mão congelada de Eduardo descendo em sua direção, como se estivesse em câmera lenta.

— Fale o nome!

O garoto ouviu novamente, compreendendo que a voz não provinha de ninguém na sala, mas sim de dentro de sua própria mente. Isso levou Silva a questionar:

— Falar o nome de quem?!

A mão de gelo de Anthony se aproximava lentamente da cabeça de Gael, que ainda não conseguia se mover com o rosto pressionado contra o chão.

— Procure, olhe para dentro de si mesmo e ouça o verdadeiro nome do fogo.

A sensação de câmera lenta desapareceu, e quando Anthony estava prestes a atingir Gael, o garoto gritou sem saber se daria certo:

— IGNIS!

Uma parede de fogo, com chamas dançantes e hipnotizantes, emergiu com uma intensidade avassaladora. Seu brilho alaranjado e dourado iluminou cada centímetro da sala, criando uma barreira ardente que dividia o espaço, separando Gael dos demais presentes. O calor intenso emanava das labaredas vorazes, fazendo o ar tremer e distorcendo a visão ao seu redor. O fogo avançava, empurrando Eduardo com vigor para longe de Silva como uma força invisível.

Vinícius estava visivelmente surpreso. O seu controle sobre Gael, mantido com encantamento, desmoronou diante da explosão de fogo. Seus olhos se arregalaram diante da magnitude da cena, testemunhando um poder tão grande sobre o elemento que não via há muito tempo, talvez séculos ou até milênios.

O muro de fogo brilhava intensamente, iluminando os rostos atônitos de todos e transformando o ambiente em um cenário majestoso e imponente, onde a força elemental se mostrava em sua forma mais gloriosa.

Fim do capítulo

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