Que Haja Luz Brasileira

Autor(a): L. P. Reis


Volume 1

Capítulo 22: Rick Gaiden 01: Trapaceiros

O sol brilhou com intensidade, banhando o rosto do jovem com sua barba bem feita e cabelo cuidadosamente aparado. O início daquele novo dia não era comum; algo importante estava prestes a acontecer. Uma carta misteriosa chegara até ele, vinda de alguém que não via há muito tempo.

"Venha ao meu encontro, não se trata de uma armadilha, preciso mesmo me encontrar contigo, ainda mais uma pessoa que carrega o equilíbrio dentro de si.

Tenho certeza que você entenderá o que tenho a dizer, uma descoberta que pode desestabilizar os guardiões se não houver uma boa explicação para isso.

Te vejo no dia 22 de abril, na data dos humanos, às 15h na Time Square em Nova York."

Ao se levantar da cama, seus olhos recaíram sobre o calendário. Era o dia 22 de abril na data dos humanos. Da janela de seu quarto, avistava o majestoso Central Park, um lugar que conhecia bem, desde sua fundação até o estado atual. Naquele mundo dos humanos, era um dos locais que mais apreciava, e quem o convidou para a cidade sabia disso muito bem.

Eram 10h, e provavelmente ele andaria muito pela região até o encontro. No entanto, decidiu começar o dia devagar, com água a ferver no fogão para preparar um bom café. Era essencial começar o dia dessa maneira, afinal, como ter um bom começo de dia sem um gole de café?

Com uma caneca em mãos e o celular diante dos olhos, observava os seres humanos perderem tempo discutindo assuntos efêmeros: disputas políticas e cenários temporários. Impérios que eram poderosos no século passado tornaram-se democracias, e nações que eram democráticas se converteram em ditaduras. Para os seres com vidas finitas, discutiam tais assuntos como se fossem viver para sempre. Mas, ao longo do tempo, ele já havia presenciado do que os humanos eram capazes de fazer.

A vida dos humanos era cíclica, e ao longo de suas existências, eles eram aprisionados por suas liberdades, caminhando rapidamente em direção à morte. Observando essa raça por milhares de anos, o jovem pôde perceber uma coisa notável: a perseverança que habitava dentro deles.

Apesar do frio presente, naquele momento, o jovem estava absorto, admirando o rio que fluía em direção ao oceano atlântico. A pressa das águas naquele rio ecoava com a velocidade com que os humanos levavam suas vidas, sempre em busca do agora, do ontem, imersos em um senso de urgência que ele, o rapaz, desconhecia. Ao consultar o relógio do mundo humano, constatou que eram 11:30 da manhã. Ainda havia alguns momentos para aproveitar o dia, e assim, decidiu buscar um lugar para almoçar.

Apesar da agitação que pairava entre os humanos, mesmo na hora do almoço, o jovem notava, no mesmo lugar em que se encontrava, que alguns deles eram capazes de interromper suas vidas completamente para oferecer agasalhos aos desabrigados ou sopas quentes aos que precisavam se aquecer no inverno. Essa situação intrigante escapava de sua compreensão. Os mesmos humanos, compartilhando as mesmas características físicas e habilidades motoras, eram capazes de realizar ações totalmente distintas. Enquanto alguns se queixavam de suas vidas e relacionamentos nas redes sociais, outros saíam às ruas para auxiliar aqueles que mais necessitavam ou se arriscavam em situações perigosas. Para aqueles que enfrentavam dificuldades durante o inverno, uma simples blusa ou cobertor poderia ser a diferença entre a vida e a morte naquele dia.

Assim que conseguia, ou quando encontrava tempo, o jovem visitava cidades como Nova York, São Paulo, Tóquio e Londres, entre outras, para experimentar a forma como os humanos viviam. A sensação que essas cidades transmitiam era única, algo que ele não poderia vivenciar nas outras seis dimensões.

O relógio marcava 13h30 da tarde, e ele já havia almoçado. Agora, ele contemplava sua imagem refletida no lago Jacqueline Kennedy, localizado no Central Park. Vestindo uma blusa verde-musgo, seus olhos cinzas e pele branca refletiam a luz, enquanto seu cabelo, recém-cortado, ressaltava sua pele lisa após o desaparecimento da barba.

De frente para os diversos prédios que cercavam o lago do outro lado da rua, ele se apoiava em um gradil. Observava sua imagem tremer nas águas ainda não congeladas e percebia que as árvores ao redor já haviam perdido todas as folhas, sinalizando o inverno naquela região. A grama seca, com a cor do capim, estava bem aparada, enquanto as outras folhas se acumulavam ao longo do lago no parque.

Há alguns anos, o jovem também avistava duas torres gigantes na cidade. Admirava a perseverança da humanidade, mas, ao mesmo tempo, sentia medo do que os humanos eram capazes de fazer. Mesmo tendo a determinação de não se envolver mais nas ações dos humanos, sentia a vontade de guiá-los pelo caminho correto.

No entanto, toda vez que esses pensamentos surgiam em sua mente, ele se questionava sobre o que realmente seria o caminho correto para esses seres que viviam tão pouco. Se exigisse que seguissem seu caminho “correto”, o que o diferenciaria dos demais humanos ditadores que existiram, existem e existirão nesse lugar chamado de planeta Terra?

Olhando para o horizonte vazio daquelas duas torres, o rapaz nunca chegava em uma resposta definitiva. Sempre, incessantemente, essa questão o acompanhava, e recentemente ele a tinha questionado ao visitar o parque. Ao longo de sua vida, essa perspectiva o intrigava em diversos lugares, do oriente ao ocidente.

Porém, a mensagem que recebera reacendeu aquele sentimento que tentara enterrar há muito tempo, uma questão que o equilíbrio interior ponderava há eras. Nesse tempo, impérios grandiosos haviam caído, como o babilônico, o grego, o romano, e outros se erguiam. Para o jovem, que contemplava essa linha de pensamento, a vida era como uma folha ramificada em uma árvore.

O pensamento contido na mensagem – “Tenho certeza que você entenderá o que tenho a dizer, uma descoberta que pode desestabilizar os guardiões se não houver uma boa explicação para isso.” – mexia com ele desde que recebera aquele comunicado. O que poderia ocorrer naquele encontro para desestabilizar até mesmo a ordem dos guardiões?

Seres criados com o propósito de estabilizar a criação, capazes de sustentar poderes para equilibrar o universo em uma luta eterna entre sombras e bem-aventurados. Mas o que poderia ser tão significativo a ponto de abalar os próprios guardiões?

Seu reflexo na água mais uma vez refletia suas inquietações sobre como tudo poderia mudar a partir daquele momento. Após tantos momentos vividos, há muito tempo não sentia essa inquietude em seu corpo. As peças começariam a se encaixar a partir daquele dia, e com essa ideia em mente, despediu-se do lago Jacqueline Kennedy, seguindo em direção à Time Square, seu destino final.

E com o relógio marcando 5 minutos para as 15h, a rua ganhava vida com uma profusão de telões de LEDs repletos de propagandas, mostrando o mundo inteiro e suas diversas publicidades em questão de minutos. O universo dos humanos desfilava naquelas telas, tornando aquela rua um dos lugares favoritos do jovem na Terra. A pessoa que o havia convidado para aquele local deixava claro com esse gesto que estava ali em paz, mas por quanto tempo?

Antes de atravessar a rua e alcançar seu interlocutor, o rapaz observou quem era a pessoa, confirmando suas suspeitas. Era alguém que ele conhecia não de dias, mas de eras passadas, em que travaram inúmeras batalhas juntos contra as sombras, até que sua desilusão com os guardiões e a falta de intervenção no mundo humano os separou.

O rapaz, de aparência negra, possuía olhos escuros e cabelos raspados. Usava um sobretudo preto com detalhes vermelhos nas bordas, que cobriam suas pernas e pulsos. Ao contrário do passado, ele ostentava uma barba que cobria todo o rosto.

Ao atravessar a rua, cada passo era cronometrado, como se aquele encontro fosse aguardado por muito tempo. O ponteiro do relógio sincronizava-se com os passos do rapaz, marcando 14h59m50s, 51s, 52s, 53s, 54s, 55s, 56s, 57s, 58s, 59s: 15h.

E assim, os dois ficaram frente a frente, num momento em que nenhuma palavra poderia definir o simbolismo daquele encontro. Veteranos, rivais, amigos, inimigos, alegria, raiva, nostalgia? Nada parecia encaixar até que o correspondente abriu a boca para falar:

— Há quanto tempo, Rick Roth? — O guardião, Rick, olhou para o rapaz à sua frente e apenas sorriu, como se aquela conversa fosse algo que ele já esperava.

— Eu digo o mesmo, Jonathan Ismael — Respondeu Rick, de forma um tanto seca, para alguém que não via há muito tempo.

— Eu não estava falando contigo — Disse Jonathan, sorrindo — Estava falando com o verdadeiro Rick. Suas habilidades são assustadoras, Bernardo Pitta, mas nada que eu já não esteja acostumado.

Em questão de segundos, Ismael quebrou a armadilha que Roth e seu discípulo haviam criado, mas Rick já sabia que isso poderia acontecer e se adiantou sussurrando perto de Ismael.

— Ruja, Equinox!!! — Nesse momento, quando o mundo ouviu aquelas palavras, todas as pessoas andando de forma apressada pareciam mudar para um modo devagar e enevoado, como se tivessem sido submersas em uma névoa temporal. Desde a chuva que ameaçava cair, com algumas gotas molhando aquela região da cidade, até os ciclistas que pedalavam apressados para realizar suas entregas, tudo foi envolvido por um véu de lentidão.

As gotas de chuva pareciam suspensas no ar, criando um efeito quase mágico, enquanto os movimentos dos transeuntes se desenrolavam em uma cadência lenta e quase hipnótica. O ritmo normal da vida urbana se desvaneceu, e as luzes da cidade pareciam cintilar mais devagar, como estrelas diminutas em meio à penumbra urbana.

O pulsar dos segundos parecia prolongar-se indefinidamente, criando uma sensação de suspensão temporal. Era como se, naquele instante, o mundo tivesse sido encapsulado em uma dimensão à parte, reservada exclusivamente para aquele encontro.

Enquanto a chuva continuava sua ameaça constante, o espaço ao redor deles ganhava contornos indefinidos, embaçados pela ilusão do tempo suspenso. A Time Square, famosa por sua agitação frenética, transformou-se em um cenário de calma irreal, onde cada movimento parecia ser apreciado em câmera lenta.

E assim, no silêncio temporal, os olhares se cruzavam, e os destinos se entrelaçavam mais uma vez, enquanto o mundo ao redor permanecia suspenso em sua eterna espera, como se aquele momento singular tivesse criado um vácuo no tecido do universo.

Desta forma, uma espada prateada emergiu silenciosamente no espaço entre o pescoço de Ismael e o ar circundante. Sua lâmina brilhante e reluzente refletia as luzes da Time Square.

A empunhadura da espada apresentava detalhes intricados, revelando uma habilidosa confecção. O cabo era adornado com um leão esculpido em couro e madeira, conferindo-lhe uma aparência majestosa e imponente. Cada detalhe minuciosamente esculpido parecia exalar uma energia ancestral, como se a própria história daquela arma estivesse entrelaçada com os segredos do mundo.

E era nela que Rick segurava sua lâmina para ameaçar o pescoço de seu antigo companheiro. Porém, se Roth achava que Jonathan se assustaria com aquilo, o antigo guardião estava apenas sorrindo.

Por trás de Bernardo, uma figura brotou do chão da poça d'água que estava até alguns segundos atrás embaixo dos pés do discípulo de Rick:

— Olá, Bernardo — O jovem que copiava a imagem de Rick abaixou a cabeça, refletindo sobre o erro cometido ao esquecer dos poderes daquela garota — Sentiu a minha falta?

A mão da garota moldava uma espécie de espada feita de água, cuja pressão poderia causar ferimentos graves ao rapaz. Apesar disso, ele não conseguia sentir medo dela, mesmo sabendo o quão imprevisível ela poderia ser.

— Bem, você com essa mão nessa forma fica difícil sentir saudades, Yume — Bernardo proferiu tais palavras, olhando para Rick e compreendendo que eles não foram os únicos que vieram preparados para aquele momento.

A garota que estava atrás de Bernardo também trajava o mesmo sobretudo que Jonathan, com detalhes vermelhos nas extremidades. Seus cabelos negros eram curtos e o sorriso estampado no rosto denotava sua satisfação com aquela situação inusitada.

Ismael observou as ações de Yume e, aplaudindo com um sorriso no rosto, começou a dar o ultimato para que a reunião fosse logo direcionada ao seu objetivo:

— Agora que estamos reunidos aqui e já nos reencontramos, podemos ir ao assunto que interessa ou vamos nos matar antes de eu revelar o motivo de vocês estarem aqui?

FIM DO VOLUME 01!

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