Volume 1
Sentimentos que Aquecem o Coração (Part. 2)
“NÃO HÁ INOCENTES”
A maldita voz sempre diz.
O rio gorgolejava, com a água límpida serpenteando em torno das pedras molhadas, mas agora manchada pelo sangue que tingia sua corrente como uma sombra sinistra. Corpos jaziam ao longo da margem, as veias sem vida entregando-se à lavagem incessante da chuva, que purgava, em vão, o sangue dos que ali caíram. E entre eles, uma figura minúscula se movia — um garoto, metade submerso, fincando uma das mãos nos pedregulhos e lutando contra a corrente que insistia em levá-lo, arrastá-lo… ele e a criança que mantinha firmemente nos braços.
Com um último esforço, ele atingiu a outra margem, os passos longos enquanto seus pulmões imploravam por descanso. Com a cabeça da criança cuidadosamente envolta no pano úmido, o garoto correu, mas o som dos cascos dos cavalos, dos soldados que retornavam à costa, ecoou como um aviso trovejante. Ele apressou o passo – só mais alguns metros para alcançar a salvação.
Mas, antes que pudesse gritar, uma mão brutal o agarrou, surgindo da escuridão como uma sombra. A criança, protegida em seus braços finos, por um descuido, quase caiu. Contudo, seu aperto estava firme, e seu corpo frágil o envolveu, como se guardasse um precioso tesouro.
— O que está fazendo aqui? — rosnou o soldado, sem traço de compaixão. — Olhem só, achei um fedelho da vila! — bradou, com uma satisfação perversa.
O soldado o puxava para longe, seus dedos cobertos pelo aço, apertando-o semelhante às garras de ferro. E o menino, em desespero, gritou com todas as forças que sua pequena voz poderia reunir:
— Senhor!
E de novo, mais alto, com uma determinação inquebrável:
— Senhor soldado!
Mais alto!
— General!
Lá, em cima da rampa que levava às embarcações, Halcan ouviu algo. Parou, com o olhar vasculhando a névoa e a chuva. E então, ele viu: um garoto franzino, rosto pálido e olhos arregalados de terror, sendo arrastado, mas segurando algo com um aperto desesperado.
Halcan deu meia-volta, descendo rapidamente, sua presença mais poderosa que qualquer ameaça.
Dez segundos, até alcançá-lo.
— Senhor… — murmurou o soldado, nervoso, soltando o garoto e fazendo uma reverência rápida. — Eu só… estava disciplinando-o.
Mas Halcan ergueu uma mão, ordenando o silêncio. Ele olhou fixamente ao menino.
— O que queres?
Em resposta, o garoto apenas afastou o pano que cobria o rosto da criança em seus braços, revelando um rostinho de não mais que seis anos. Os olhos eram verdes como folhas novas, e ao fitá-los, Halcan foi inesperadamente tomado por uma sensação que espalhava o ar tranquilo de um bosque banhado pela chuva suave.
— Por favor, cuide dele. — O menino colocou a criança no chão, aos seus pés.
Ao avaliá-los, o general, apesar de confuso, notou suas estaturas distintas. Apesar de baixo, o garoto parecia surpreendentemente robusto para sua idade.
— Correste com ele em seus braços? — questionou, um tanto admirado com sua resistência. — Quantos anos tens?
— Sou o mais velho! Tenho dez anos, mas… Ele é novo! Ele não tem idade para lutar, eu juro!
Uma criança está cuidando de outra.
— Só… só não o mate. — O menino recuou, os olhos fixos no general.
— Onde estão seus pais?
O menino, no entanto, não respondeu de imediato.
— Sobrevivendo.
Ao ouvir a cruel resposta, Halcan tentou estender a mão para impedir que ele se afastasse, mas o garoto já estava correndo.
— Ei, espere!
E antes de desaparecer na névoa, o garoto gritou uma última vez:
— Vou encontrá-lo! Eu vou encontrar o meu irmão!
E então sumiu, a figura esmaecendo-se na neblina enquanto Halcan fitava a criança a seus pés. Ali, indefeso e solitário, sem origem, sem ninguém.
— Senhor? — perguntou o soldado, a expressão confusa e incrédula. — O que fará com ele?
Halcan suspirou. Ele se agachou e, com uma ternura inesperada, ergueu a criança em seus braços.
— O menino precisa de um lar — respondeu, resoluto.
— Vai… irá levá-lo? — perguntou o soldado, boquiaberto.
— Ou o deixaria aqui para morrer? — Os olhos de Halcan brilharam intensamente, sombrios e desafiadores. — Lutamos e matamos quando necessário, mas estas crianças não têm culpa de nada. Somos soldados, não monstros. — Olhou para a criança, protegendo-a dos respingos da chuva.
Impassível, e com o menino seguro em seus braços, ele se virou e se afastou, deixando o soldado para trás.
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O menino que, naquele dia, jurou proteger.
Obra retorna em janeiro. Boas festas e Feliz Natal!
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Ribeira dos Desejos.