Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Convento

Atenção

O escrito abaixo trata-se de um desabafo dos pensamentos de Raygan durante a viagem para o campo de treinamento em Kanaris. 

 

Boa leitura!

 

 

Príncipe de Olpheia conta a história de Raygan Ehnov II, filho de Elard Ghaeli Ehnov, soberano do Império Olpheia. Sua mãe é a rainha consorte, Saône Gleymor, e sua irmã, a princesa infanta, Thayrin Rosellin Ehnov. 

Raygan é um garoto que viveu parte de sua infância num convento. Lá, havia somente meninas aspirantes a seguir os dogmas da Igreja, e garotas cujas famílias recorreram ao lugar para discipliná-las. 

Os anos se passaram e a raiva de Raygan crescia com ele. Estava isolado e, ainda que sua mãe e irmã outrora o visitassem, o pequeno príncipe pensava apenas na rejeição de seu pai.

Por anos, o garoto tentou agradá-lo, mas nada agradava o imperador. O homem de expressão fria, com a única emoção de desgosto na face, que ficou marcada na memória de Raygan, convicto de que jamais o faria feliz, não como seu falecido meio-irmão, Leion Ehnov, o bastardo. 



CONVENTO

 

Não consigo esquecer o dia em que percebi seu ódio por mim. Seu desprezo era visível, e eu, apenas uma criança ingênua. Um tolo.

Tinha apenas cinco anos quando me vi em uma carruagem, sem saber para onde íamos ou por quê. Tudo o que consigo recordar é o aroma fresco da terra após a chuva e os olhos sérios do meu pai.

 

Seria medo o que senti naquela hora? Não sei.

 

Seu olhar permaneceu fixo na carruagem até eu estar longe o suficiente. Até eu desaparecer finalmente de sua vida.

 

Ele sempre me odiou.

 

Durante o trajeto, minha mente não parava de vagar pelo toque da minha mãe e pela irritante voz de Thayrin. Seus cheiros, seus rostos se tornavam mais distantes sempre que o cocheiro abria a porta para ter certeza de que eu não estava com frio. Com o tempo, me acostumei a dormir em qualquer lugar, pois o servo tinha ordens estritas de seguir o caminho para o convento, tudo sob o pretexto de proteger o único herdeiro de Olpheia.

Assim, três dias se passaram até chegarmos ao destino.

Acordei com o som dos cavalos relinchando. Estávamos apenas eu e o cocheiro. Embora a carruagem fosse espaçosa e confortável, era fria e solitária.

Ao descer, fui cercado por garotas, todas vestidas igualmente. Vestidos longos cobrindo os pés, mangas até os pulsos, algumas com véus cobrindo os cabelos. Um pingente em forma de cruz adornava seus pescoços, um símbolo religioso que eu não compreendia na época.

 

De um ser divino que nunca olhou para mim.

 

Algumas garotas eram mais velhas que eu. Pareciam surpresas e, sem eu perceber, começaram a me tocar. Mexeram em meu cabelo, deslizaram as mãos pelos meus ombros, mediram meus braços e riram quando me escondi atrás do cocheiro.

Quando olhei para o lado, vi a líder delas me encarando como se eu fosse alguma aberração, alguém que não deveria existir. Mesmo assim, ela se curvou para mim, e todas as garotas fizeram o mesmo. 

Todas reverenciaram o príncipe herdeiro.

Desde então, dois anos se passaram, e junto dele, o inferno ao seu lado.

Nas segundas, éramos levados diretamente à capela para rezar, enquanto tentavam me convencer de que todas as minhas ações eram pecaminosas. Mas por que eu deveria me curvar? Todos se curvavam diante do meu pai, da minha mãe. Todos deveriam se ajoelhar, se prostrar. Então, por que não comigo?

Era como ver um cão implorando por comida, à mercê da boa vontade de um humano que, a qualquer momento, poderia chutá-lo, bater nele, até mesmo matá-lo.

Obedeça! Essas era as ordem dele. 

Para que eu seguisse seus dogmas, me curvasse perante eles, meus servos.

Nas terças, jantávamos à mesa como em todas as refeições, mas sempre havia algo a mais. Uma das irmãs sempre saía por último, sempre cautelosa, observando. O que ela escondia? Por que eu deveria ignorá-la?

Em um desses momentos, decidi sair do meu quarto e, para a minha surpresa, ouvi um som estranho. Era a voz dela, abafada, ofegante.

Ela apoiava as mãos na parede. A serva do bom Deus contendo sua voz para o homem a quem eu confiava meus votos.

 

O que eles faziam enquanto a chama fraca da lamparina caía sobre eles? Eu não sabia. 

 

Era como se outra versão de mim; uma figura distorcida, me dissesse que aquilo era repulsivo.

A chama das lamparinas sobre eles. Sobre seus gestos...

 

Obsceno.

 

Votos para minha mãe e minha irmã…

Eu conseguia ver o brilho refletindo em meus olhos.

 

Repugnante.


 

Mas ele, aquele homem, o sacerdote, já tinha conhecimento disso.

Nas quartas, sentia como se o tempo parasse, assim como nas quintas e sextas, dias em que eu me ajoelhava e desejava estar perto delas, da minha família. Rezava para elas voltarem o mais rápido possível, todavia, as freiras sabiam que meu desejo eram em vão. 

Riam de mim, tenho certeza. Me menosprezavam.

 

“Um príncipe de sangue real rejeitado pelo amor de um pai por seu bastardo.”

 

É verdade. Nunca fizeram questão de esconder o amor do meu pai por meu meio-irmão. E sinceramente, eu já não me importava mais.

 

Isso até aquele dia chegar.

 

Não conseguia dormir. Ele poderia estar me observando, esperando eu fechar os olhos. Não podia permitir que ele se aproximasse de mim.

 

Ninguém tinha o direito… Ela… não poderia dar mais um passo.

 

“Esse é o nosso segredo”.

 

Eu tinha sete anos. 

Ainda sinto a sensação de meus músculos paralisados. Algumas vezes, ouço o tom de sua voz, ano após ano, me alertando para guardar seu maldito segredo.

Sempre fui apaixonado pela leitura, mas também adorava correr, especialmente com ela, minha irmã; me jogar nos braços da minha mãe era uma das melhores sensações que eu poderia experimentar. E apesar que isso pareça como um sonho distante, ainda consigo sentir o calor irradiando de seu sorriso, pai.

 

Seu sorriso era para mim, não era?

 

Bem, esqueça isso, Raygan.

Desta vez, não voltarei. Não permitirei que se aproveite da minha fraqueza. Serei mais forte por elas.

Mesmo que ele me odeie por roubar o lugar de seu amado filho, eu tomarei sua coroa, porque serei melhor que ele. Melhor que você. 

Porque estou vivo, porque serei o seu rei.

 

Serei o seu inferno.


Curiosidades

 

Escrevi o texto já faz um tempo e quis compartilhá-lo com vocês enquanto a outra obra continua na fila de espera para o anúncio.

Espero que tenham gostado, porque essa versão é a mais leve dos acontecimentos que ainda serão abordados na obra.

Obs: A imagem de Raygan mais novo é a sua versão diante dos fatos ocorridos, ou seja, não reflete a aparência dele, e sim seus sentimentos.

 



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