Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 7: Uma Noite Especial

OLPHEIA

 

As vozes dos convidados ecoavam pelo salão. As taças em bandejas reluzentes captavam os reflexos da luz do lustre, bem como os brilhantes broches e brincos usados pela elite presente. Sejam de prata ou ouro, as joias cintilavam intensamente, tal qual os adornos entrelaçados nos cabelos das jovens debutantes.

― Que seja uma noite agradável ― expressou Thayrin, num sorriso no canto dos lábios.

As meninas, uma a uma, se curvaram perante a princesa, suas cabeças inclinadas em respeitoso silêncio. O espaço foi impregnado com o som suave de vestidos roçando o chão. Thayrin, ao vê-las próximo à entrada, sentiu a solidão a envolver. Enquanto buscava alívio, suspirou, seus dedos encontrando caminho até a testa, onde a pressionou levemente.

Do outro lado da porta, ouvia-se o murmúrio entre os membros da corte. Thayrin não conseguiu distingui-los, contudo, cada palavra dita se juntava para recordá-las dos momentos que a governanta ― uma velha carrancuda ― olhava para ela.  

Num vislumbre de suas memórias, ela imaginou uma sala ser tomada em cores vivas. Havia um piano, uma flauta e, mais uma vez, ela errou a nota da partitura durante as aulas de violino. No entanto, a governanta tomou o instrumento de suas delicadas mãos, encarando-a com um olhar gélido.

De repente, viu-se no coreto do jardim. Os pássaros cantavam ao som da melodia desafinada que a pequena e inocente Thayrin tocava para o único membro de sua plateia. Era um garoto cujo rosto era oculto pelas sombras. Ele aplaudiu assim que a princesinha finalizou sua apresentação. 

Logo após, os dois caminharam juntos pelo caminho estreito entre os arbustos floridos. O rapaz, de voz calma, falou:

― Você é incrível. ― Sorriu.

Thayrin, ao reviver o passado, ainda lembrava da sensação de seu toque afável. Todavia, em sua postura e na maneira como sustentava o olhar curvado para baixo, ela voltou a escutar os burburinhos que, aos seus ouvidos, culpavam-na por ser uma princesa que jamais traria orgulho à Olpheia. 

 ― Eu… não vou conseguir. ― Sua respiração acelerou, a mão fechada contra o peito enquanto todas as conversas abafadas envolviam seus ouvidos.

Ela presenciou o momento em que a mão da pequena versão de si mesma foi solta à mercê de várias pétalas caídas no chão. O sorriso gentil, que ela conseguia recordar vividamente, permaneceu imóvel ao ver a figura do irmão se dissipar. As gotículas de suor se formavam em seu rosto até que uma voz a trouxe de volta ao presente. 

― Está bem, Alteza? ― perguntou Henryk, parado diante dela.

Thayrin prendeu sua atenção nele por um instante, mas logo desviou o olhar. Um nó apertou-se em sua garganta enquanto engolia em seco. Seus olhos permaneceram fixos no arranjo de flores na janela quando ela finalmente indagou:

― Algum problema, senhor? ― Mais uma vez, ela tocou o pescoço, preocupada com o colar desaparecido.

Idiota! Como pude perder o colar da vovó? ― Sua consciência a castigava; a punição merecida pela falta de cuidado.

Sem ela perceber, Henryk estendeu a mão direita e exibiu um anel ― com uma pedra de rubi ―  em seu indicador e,  consigo, o colar de pérolas de Thayrin. 

― Bem… devo perguntar: este colar é seu, princesa? O encontrei perto dos aposentos do príncipe. Para uma joia deste valor, acreditei que fosse seu ou da rainha. 

Ao se deparar com o colar, Thayrin soltou um suspiro de alívio, o corpo direcionado para a janela e sem encará-lo. Seja como for, ela tomou a joia de suas mãos enquanto Henryk ― de aparência que variava entre os dezoito a vinte anos ― a observava, como se aguardasse algum gesto de gratidão.   

No entanto, ele estava enganado se esperava tal reconhecimento.

― Me permite ajudá-la? ― ele perguntou.

Thayrin o estudou minuciosamente, seus olhos traçando o contorno da cabeça à cintura. Ela avaliou seus cabelos ruivos, reminiscentes de uma chama insaciável, os olhos cor de âmbar e as pequenas sardas nas maçãs do rosto que, de alguma forma, prenderam-na. 

Estava admirada pela beleza dele, todavia Henryk não parecia inclinado a esperar pela decisão dela. Sua insatisfação com o silêncio era desagradável.

― Princesa? ― indagou ao demonstrar sua impaciência. 

A princesa dirigiu-lhe um olhar desgostoso, e Henryk percebeu que na alta sociedade, as sardas eram consideradas uma espécie de impureza natural, algo que despertava boatos quanto à sua aparência.

Ele não conseguiu evitar um leve franzir de sobrancelhas.

Por que isso seria diferente com ela? ― Era fútil, porém o incomodava. 

Thayrin notou a mudança na entonação da voz de Henryk, ao insinuar que a auxiliá-la era uma tarefa desagradável.

― Não preciso da sua ajuda ― ela revelou.

Não importa o quanto eu tente… ― Olhou para ele. ― Sempre haverá pessoas me julgando.

― Um obrigado sempre é bem-vindo ― alfinetou Henryk.

― O colar agradece. ―Thayrin prendeu a joia em seu pescoço num gesto apressado. Ela se afastou em direção à porta e o abandonou ― ele e o jarro de flores.

Os olhos Henryk acompanharam a princesa quando ela virou as costas, preso no movimento de seus cabelos que se assemelhavam às ondas do oceano. Ele refletiu sobre o plano de seu pai; o destino dela, à medida que contemplava as madeixas onduladas se afastarem.

Nas grandiosas portas fechadas do outro lado do corredor, Elard ajustava as abotoaduras de seu traje azul marinho e branco detalhado em dourado, quando de inesperado, avistou sua esposa de mãos dadas com Raygan ― ele, com uma careta insatisfeita nada surpreendente.

― Está na hora ― destacou Elard, seus cabelos jogados para trás e uma mecha solta em sua testa. ― Onde ela está?

― Não se preocupe. Os convidados podem esperar. ― Saône moveu a franja do cabelo de Raygan para cima, a testa dele, após tanta insistência, enfim visível.

Elard a observou cuidar da aparência do filho. Estava determinada a manter os fios no devido lugar, afastados das sobrancelhas. As mãos dela aparentava ter um toque aveludado que Elard já havia esquecido a sensação, contendo a vontade de inclinar a cabeça perante ela ao ver Thayrin no fim do corredor.

― Está atrasada ― expôs Elard, sério e repreensivo. 

― Desculpe. ― Ela apertou o fecho do colar para ter certeza que estava firme.

― Basta aguardar. ― Saône beijou a testa da filha.

― Obrigada ― respondeu Thayrin num longo suspiro.

De soslaio, Elard viu Raygan cerrar os punhos, sua expressão distante do encontro familiar. Algo parecia perturbá-lo. Raygan, o garoto magro e de estatura baixa que horas antes o provocava, estava diferente, recolhido e retraído, como se desejasse evaporar no ar a qualquer momento.

Indiferente a ele, Elard acenou aos guardas. Do seu lado esquerdo, Saône abriu o leque e, com elegância, o manteve nas mãos repletas de anéis. 

Raygan, um passo atrás dos pais perante as portas, viu todos os nobres reunidos, tantos que não conseguia contar.

Assim que Elard tornou-se visível para os convidados, o arauto proclamou:

― Todos reverenciem o líder desta nobre terra, o leão dourado, nosso rei, o imperador de Olpheia!

Um sorriso encantador nos lábios de Elard,  tomando a mão direita de Saône, conduzindo-a pelo caminho aberto pela corte. 

Homens, mulheres, idosos e toda a nobreza concentravam seus olhares neles.

Os rostos dos convidados se iluminavam enquanto contemplavam suas majestades reais, mas Raygan interrompeu os passos sem perceber. Seu coração batia acelerado, e sua respiração tornava-se cada vez mais difícil. 

Os olhares pesados e penetrantes voltaram-se para Raygan e uma sensação de pânico o dominava; ele desejava fugir, mas suas pernas permaneciam enraizadas no chão.

Em meio à tensão, Elard colocou uma mão reconfortante em seu ombro, empurrando-o sutilmente para frente. Raygan sentiu o impulso do pai, um gesto que o encorajou ―  contra sua vontade ―  a continuar. Em resposta, os nobres ao redor abaixaram suas cabeças em harmonia, em respeito e reconhecimento ao herdeiro real, o príncipe de Olpheia. 

Confuso, Raygan ergueu o queixo para encontrar seu olhar diante da intervenção de seu pai. Estranhamente, seu coração afrouxou no peito, uma sensação de alívio e gratidão surgindo dentro dele.

Não me envergonhe ―  Elard, fixou a vista no trono ao topo da escadaria, onde outrora Raygan se sentou despreocupadamente.

Assim que cruzaram o corredor, Saône, prestes a repousar no assento ao lado, foi impedida por Elard, que deslizou suavemente a mão pela sua cintura.

― Acomode-se em meu trono ― sussurrou em seu ouvido. 

Saône arqueou a testa. ― Perdão? 

― As meninas esperam que você as avalie. É uma noite especial para elas, e Thayrin ficará feliz ao ver a mãe aprová-la para a corte. 

― Eu… ― Ela hesitou. 

― Todos estão olhando… ― Elard subiu um degrau e escoltou Saône. ― Confie em mim. ― Ele pressionou os dedos na costa dela.

Ao se dar conta de que não havia como recuar, Saône acatou as instruções do marido, ocupando o trono, onde vários sussurros escaparam dos lábios da corte após a inusitada cena.

Na juventude, Saône foi educada no dever de servir ao império. Como rainha consorte, sua função era restrita a estar submissa ao rei, e apenas isso, nada mais. 

Ele realmente… ― Ela fitou a multidão.

Então, o arauto anunciou o nome da primeira jovem a se apresentar.

― Excelências e estimados convidados. Senhoras e senhores, damas e cavalheiros, é uma honra testemunharmos o evento mais esperado na vida destas meninas que, a partir de hoje, serão graciosas damas da alta sociedade, trazendo muito orgulho às suas famílias. É com imensa alegria que recebemos a primeira debutante: a herdeira da respeitável Casa Howen e filha da honrada Condessa Rosalina, a senhorita Dhália Howen!

As portas se abriram suavemente, revelando a jovem que avançava com graça pelo salão. Luvas até os cotovelos; olhos azuis, brilhantes como safiras, contrastavam com a pele pálida que lembrava a neve. Seus cabelos negros, presos e sustentados por broches frágeis, eram semelhante a uma flor de dália negra em floração.

Saône estudou a menina. 

Elas precisavam ser perfeitas em tudo, e Dhália conseguiu ser notada pela rainha, contudo, outra pessoa também a admirava ― ou era isso que a jovem constatou ao ver que o jovem príncipe não desviou os olhos dela.

Enquanto as mãos de Raygan suavam como cascatas, secando-as na calça, a presença de Dhália finalmente capturou sua atenção. 

Como ela consegue sustentar os ombros retos? A expressão dela é serena, despreocupada e…, tão confiante. ― Raygan concentrou-se nela.

 


Rosas Rosadas ou Dálias Negras?



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