Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 5: Alianças

OLPHEIA

 

Não muito distante dos aposentos de Saône, Elard apressou os passos pelos corredores quando, de repente, viu-se acompanhado por um de seus conselheiros.

― É um dia e tanto, não é? ― Ahoneu exibiu um leve sorriso.

Elard preferiu ignorá-lo e atribuir o encontro à exaustão mental, como se fossem meras vozes da sua cabeça.

Ahoneu deu um leve tapinha no ombro de Elard com um papel enrolado; uma mensagem para ele.

― Não finja que não estou aqui. Também tive um dia difícil. Você parece tenso, querido.

― Vá direto ao ponto, antes que me dê um motivo para lhe cortar a língua e dá-la de alimento aos corvos.

― Há uma guerra acontecendo. ― Sua voz, inicialmente brincalhona, assumiu um tom sério. ― Quando você pretende tomar a liderança e mostrar quem está no comando?

Elard soltou o fôlego, seus olhos vagos que refletiam desinteresse.

― Estamos lidando com isso. Balmont não vai conseguir avançar enquanto Jighal estiver sob nosso controle.

― Aí está o problema. ― Ahoneu segurou o ombro dele, impedindo-o de avançar. ― Até quando Jighal permanecerá sob nosso domínio? ― Suas íris ― iguais ao azul-turquesa do broche envolto no lenço em seu pescoço ― fixaram-se em Elard, aguardando uma posição.

Ahoneu era um pouco mais alto que Elard e estava entre os poucos conselheiros em quem o imperador detinha confiança. O cavanhaque na face era impecável, da mesma forma que seus cabelos lisos estavam cuidadosamente arrumados para trás.

Alguém que Elard podia confiar.

― Jighal já está sob nosso controle, não há motivo para preocupação ― Elard prosseguiu a caminhada. ― Volte para casa e prepare-se para a festa.

A hora marcou dezoito horas da noite.

Tic, tac.

O som do ponteiro do grande relógio apoiado na parede ecoava pelo corredor. Ele esperou até que Elard andasse mais três passos antes de proferir:

― Precisamos ter uma conversa, Elard. ― O duque acelerou as pernadas e, logo à frente, abriu a porta do escritório real. ― Majestade.

Ahoneu inclinou respeitosamente o pescoço, não o suficiente para se curvar, mas em deferência à figura imperial diante dele.

No escritório, cercado por estantes de livros, Elard foi até a mesa e tomou um cinzeiro nas mãos, questionando-o:

― Então, diga-me ― Ele se dirigiu até a janela. ―, o que houve?

― Recebi este mapa diretamente do acampamento. ― Ele abriu o documento e apontou para um círculo destacado no topo do papel. ― Balmont conseguiu passar pelo desfiladeiro entre Jighal e Elfrid. Eles contornaram o rio e nadaram até chegarem às margens da vila, tudo isso debaixo do nosso nariz.

 O duque empurrou o papel para o lado, deslizando os dedos pelos fios de sua barba.

― E o anúncio de retirada? ― indagou Elard.

― Pouco importa os méritos de um acordo idiota. Eles podem ter recuado, mas não significa que ficariam parados sem fazer nada!

― Elfrid é uma região montanhosa, não havia como eles saberem disso.

― É uma guerra, Elard! Essa era a opção mais óbvia! Aquele desgraçado sabia que não teríamos visibilidade enquanto estivéssemos confinados em Jighal. Precisamos tomar a iniciativa!

Embora Jighal fosse caracterizada por vastas extensões abertas, ainda se deparava com colinas que obscureciam a visão, e Balmont explorou habilmente os benefícios naturais da região. Após estudarem o terreno, ficou claro que, ao contrário de Olpheia, Lorist estava escapando do controle de seu soberano.

Elfrid, no entanto, era cercada por árvores e montanhas, uma área desconhecida para eles, mas familiar aos seus inimigos.

― Vamos deixar que Halcan e os comandantes lidem com isso. 

A visão de Ahoneu se prendeu em Elard. Era inexpressivo. O homem de cabelos ruivos ― um cobre claro e intenso ― observou seu rei e amigo pegar um cigarro da escrivaninha e com ajuda de um isqueiro, tragá-lo na sacada.

Elard exalou a fumaça e percebeu Ahoneu se aproximar. ― Não podemos nos aventurar em território desconhecido ― declarou.

Ahoneu abriu uma caixa pequena sobre o corrimão, sustentado pelos balaústres, e acendeu o cigarro na chama da lamparina que lançava sua luz sobre metade de seus rostos. Uma brisa fria mexeu seus cabelos, enquanto o som das folhas da árvore no jardim da princesa pairava pelo ambiente.

― Estamos perdendo, e a culpa é sua ― exprimiu Ahoneu, inalando a fumaça.

Elard bateu as cinzas do cigarro no cinzeiro. Ele estava ciente da acusação e seu rosto não mostrou nenhum sinal de arrependimento. Guerras sempre existiram, e a falta de sucesso não o incomodava de forma alguma. Por outro lado, Ahoneu odiava a ideia de estar nas mãos do inimigo. 

Era uma afronta mais do que mortal e absolutamente “intragável” para ele.

― Não posso evitar. ― Elard apoiou os cotovelos no corrimão.

― Talvez seja hora de considerar utilizar sua capacidade de gerar herdeiros. 

Elard revelou os dentes num sorriso descontraído, soltando a fumaça da boca. ― Há! O que faço ou deixo de fazer com minha esposa o preocupa?

― Sim ― Ahoneu respondeu de imediato. ― Deveria se esforçar para botar seu pau entre as pernas da sua esposa.

― Não é tão simples. 

― Ah, sim, é simples. Você a convida e diz: “Vamos transar?” E ela responde: “Claro, meu amor. Vamos!” Depois de nove meses ou menos, você terá o resultado desejado. Se ela recusar, posso até assumir seu lugar. ― Ele sorriu.

Os gestos sugestivos das mãos dele estavam tão coordenados que Elard sentiu um leve desconforto, digno de um tutorial na mocidade. 

― Você tem uma filha, que tal atribuir uma função a ela?

Elard deu a última tragada no cigarro e lançou o olhar para Ahoneu junto no arquear de uma sobrancelha.

― O que está sugerindo?

― Faça dela a rainha de algum reino, precisamos de aliados. ― Ele apertou a bituca do cigarro no cinzeiro. ― Enquanto seu filho estiver causando problemas, de nada valerá mantê-la confinada no palácio.

Elard ponderou por um momento e, em seguida, assentiu com a cabeça. ― Faça o que for melhor para ela.

Ahoneu ficou em silêncio e observou o rei.

Precisa fazer o que fosse melhor para Olpheia. ― Seu amigo, que, embora mostrasse as rugas, os ombros caídos e o cabelo bagunçado, revelou preocupação. 

― Você precisa seguir em frente. ― Ahoneu tocou na ponta dos dedos no mapa. ― Raygan nunca entenderá, a menos que você fale.

O coração de Elard deu um salto, sentindo um aperto. ― Vá para casa ― ordenou, indiferente ao que lhe foi dito. 

Ahoneu lançou um último olhar para Elard antes de deixar o escritório. O rei não precisou vê-lo para saber que Ahoneu inclinou a cabeça em sinal de respeito. 

O vento balançou os cabelos de Elard. Tinha os olhos cansados. As olheiras profundas revelavam que ele não estava de bons termos com o sono, assim como com sua esposa. Num suspiro, tocou as madeixas cor de mel. Estava exausto, e sua mente vagueou por lembranças antigas, algumas das quais ele não conseguia discernir se valia a pena recordar.

O tempo voava, como os panfletos nas calçadas vazias, anunciando a festa; o debute prestes a acontecer. Apenas meia hora separava o orgulhoso pai de testemunhar a estreia de sua filha.

Em Fordwel, Harl carregava a adormecida Ayanna nos braços. Os fios de cabelo cobriam metade de seu rosto; suas bochechas como morangos e a pele pálida, semelhantes à papel, tremiam sob a brisa vinda do local, de onde mais de dez embarcações, algumas maiores que outras, acabaram de atracar.

Joellis seguia os passos de seu pai enquanto observava as gaivotas no cais devorarem o que sobrara da carcaça dos peixes, junto aos últimos raios do pôr-do-sol. As ondas batiam contra o quebra-mar, que reverberava na estrutura que vários homens se moviam, preparados para embarcar novamente e transportar mercadorias para outras províncias.

O garoto de treze anos olhou para os ombros de seu pai. Sua irmã ainda dormia, até que finalmente reuniu coragem para perguntar:

― O que aconteceu no palácio?

Harl continuou a caminhar, e após alguns segundos, respondeu:

― Às vezes, é melhor esquecer.

Joellis inclinou a cabeça para baixo, seus olhos para o chão de tijolos de pedra, pensativo. Os olhos azuis-celeste do céu e tons suaves de violeta buscavam um questionamento que o levasse a uma conclusão. O  garoto desejava entender o que seu pai sentia; a chance para se conectar com o mundo cheio de responsabilidades e deveres que o aguardava como adulto.

― É fácil fugir dos problemas ― proferiu.

Harl virou-se para encará-lo, sua mão repousando nas costas de Ayanna. O rapaz desviou o olhar, incomodado pela tendência do marquês de evitar discutir questões de “adultos” com ele. 

E Harl não conseguiu conter o sorriso. ― O que você vê de tão intrigante nesses assuntos?

― Não me importo com o palácio ― ele segurou a barra da camisa dele. ― Quero saber mais sobre o seu trabalho. Quero ser como o senhor. Quero proteger nossa família deles. ― Seus olhos resplandeceram sob o domínio do céu rubro, uma tonalidade que enfeitiçava o marquês.

“Deles”. Para Harl, a família que causara tantos problemas; da qual mantinha seus filhos afastados, longe dos olhares predatórios da corte, de suas proles e de seus soberanos. 

― O porto foi afetado com a última batalha em Jighal. Nossos aliados tinham a nossa confiança, nossos negócios, nossas mercadorias. Nunca falharam no pagamento das taxas e, na primeira oportunidade, foram brutalmente assassinados. ― Harl encontrou os olhos de Joellis. ― Todos eles foram mortos, todas aquelas vidas inocentes se extinguiram.

― E o imperador é o culpado?

Harl manteve a feição séria para Joellis. Muitas emoções atingiram seu coração. Havia raiva, desprezo e aversão.

Diga a verdade, ou mostre quem são nossos verdadeiros inimigos.

Então, Harl confessou:

― Olpheia é a culpada. ― O marquês retomou a caminhada. ― Vamos até a carruagem; sua mãe nos aguarda em casa ― ele sorriu e estendeu a mão para o filho.

O garoto agarrou a mão de seu pai antes de se posicionar ao lado dele.

Era um cenário de conflitos. Alguns se juntavam aos companheiros no campo de batalha, enquanto outros enfrentavam seus próprios aliados.


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Última ilustração para fechar a coleção desta família muito unida :)

Aguarde para mais!

 

 
 

Ilustração: Rhainah



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