Volume 1
Capítulo 45: Cinzas sobre Forjas
LESWEN, FORSTON
A manhã seguinte irrompeu sob uma vista nem cinza, nem azul.
O ar, que um tempo atrás carregava o frescor das florestas nevadas, estava agora maculado por um odor acre, de fumaça e ferro fundido. Pela estrada coberta de neve enegrecida, as árvores curvavam seus galhos como se lamentassem a perda do próprio fôlego, e o vento, ao invés de revigorante, trazia consigo o gosto amargo da combustão.
As colunas de fumaça elevavam-se aos céus, formando muralhas escuras que se erguiam acima das torres e chaminés. Lá embaixo, entre vielas apinhadas e oficinas fervilhantes, o martelar incessante das forjas ecoava de casa em casa, pois Leswen não apenas produzia armas; ela respirava guerra.
Normalek caminhava lentamente, o manto esfarrapado arrastando-se atrás de si. Seus passos eram cuidadosos, deslizando sobre a neve rarefeita, que já se desfazia nas bordas dos portões de ferro, onde a cidade de fogo e metal mostrava sua verdadeira face. Olhos atentos o seguiam – artesãos, ferreiros, mercadores – mas sem hostilidade. Apenas curiosidade e cansaço.
Leswen era, por direito e por vocação, uma cidade de forja. Homens e mulheres trabalhavam lado a lado, curvados sobre bigornas incandescentes, moldando espadas, lanças e couraças com mãos endurecidas pelo labor de uma dura vida. Crianças brincavam à sombra de guerreiros reais, empunhando pequenas adagas de madeira, enquanto suas mães equilibravam cestos cheios de carvão, minério e alimento nas cabeças.
O céu acima era da cor da fumaça — negra, espessa, eterna.
― É a sua primeira visita à Leswen? ― perguntou a voz grave de Ahoneu, que comparado à cidade, já havia engolido mais fumaça do que ar em sua vida.
O duque, envolto em um sobretudo espesso, ajustava o chapéu de abas largas enquanto limpava as botas na borda de tijolos enegrecidos pela fuligem. Seus olhos, semicerrados, brilhavam com uma luz astuta ao lançarem um olhar breve para os guardas postados diante dos portões.
― Sim, senhor ― respondeu Normalek, mantendo os olhos fixos na cidade. ― Não imaginava que Forston fosse tão desenvolvida.
― Muitos desprezam Leswen pela cultura lasciva de seu rei…, mas quando comparada a Olpheia, devo admitir: está à frente do nosso tempo.
Eles seguiram, os dois lado a lado, embora o jovem mantivesse sempre um passo atrás de seu senhor. As ruas se moviam em um ritmo próprio — como se a cidade inteira fosse um organismo vivo, pulsando ao som dos martelos e do fogo.
― O que lhe interessa em um lugar como esse?
Ahoneu manteve o olhar adiante, observando crianças disputando duelos imaginários enquanto as mães trocavam palavras suaves e vendiam os frutos do trabalho dos maridos.
― Leswen tem o que precisamos para vencer Dorak — aço de qualidade, recursos abundantes, e armamento. Mas ainda é ingênua. Fechada em sua própria arrogância, crendo que sua força reside apenas em sua produção. Se não partilharem suas riquezas, não durarão além da próxima estação de guerra.
― Então o senhor acredita que, ao unirmos Leswen a Olpheia, estaremos salvando-os de si próprios?
― Em parte, sim. ― Ahoneu sorriu, mas havia dureza na curva de seus lábios. ― O que queremos não é só economia. Precisamos garantir que, ao nosso lado, Leswen lute para destruir Balmont. De nada vale seu precioso aço se não for empunhado para nos levar à vitória.
Normalek refletiu por um momento. O silêncio se instalou, mas não ao redor deles.
― Ainda não entendo, senhor. Por que Balmont odeia tanto Olpheia? Desde criança ouço falar da rivalidade entre os Leões Dourados e os Lobos Cinzentos, mas a origem da guerra sempre me escapou.
Ahoneu parou diante de uma banca, fingindo interesse nas mercadorias, antes de falar:
― Eles confiaram uma joia ao antigo monarca. Uma joia viva, rara, pulsante… contudo, ele a desprezou. E, ao desprezá-la, condenou não apenas o objeto, mas a linhagem que deveria protegê-lo. Nomeou o segundo filho para ocupar o trono, obliterando o primogênito — destruído pela loucura da joia que o gerou. ― Ele tocou em um colar que possuía uma pedra de âmbar esculpida e adornada em ouro. ― Balmont acredita que nós somos culpados.
Normalek sentiu um estranho peso pressionar-lhe os ombros.
― O príncipe Leion…
Ahoneu lançou um olhar breve ao jovem antes de virar parcialmente a bolsa de couro sobre o balcão, fazendo deslizar pouco mais da metade das moedas que guardava. O som metálico preencheu o ambiente e, em troca, recebeu a joia — cuidadosamente envolta em um tecido escuro — e um aceno respeitoso do comerciante, cujo semblante misturava gratidão e incredulidade.
― Leion não era o alvo. Eles queriam o legítimo. Não um bastardo.
Houve um silêncio incômodo. A expressão de Ahoneu endureceu, os olhos brilhando como brasas prestes a arder.
― Lamentável.
― Disponha ― disse o duque, com um sorriso que escondia mais do que revelava. ― Talvez Levi devesse ensinar mais sobre nossa verdadeira história.
Normalek sorriu, contidamente.
― Somos devotos apenas ao nosso Deus, Vossa Excelência. Histórias de reis e guerras não fazem parte de nossos estudos.
― Enquanto estiver comigo, suas crenças não me serão úteis.
Pararam diante de uma forja. Homens com braços como troncos atiçavam o fogo, moldando lâminas com uma precisão brutal. Um deles lançou um olhar impaciente ao ver o homem de vestes destoantes da brutalidade do ambiente.
― O salão de beleza fica do outro lado da esquina ― grunhiu.
Ahoneu, imperturbável, colocou uma moeda de ouro sobre o balcão. Ao ver o brasão de Olpheia cunhado na peça, o homem hesitou.
― Está surpreso? ― perguntou Ahoneu, ainda sorrindo.
― Não atendo forasteiros. ― Voltou a martelar.
Ahoneu depositou outra moeda.
― Tenho certeza que não roubarei mais que cinco minutos do seu tempo. Diga-me, o que há de novo em Leswen?
O ferreiro trocou olhares com os colegas. Pegou a moeda, examinando-a.
― Vai me pagar só para conversar?
― Se falar a verdade, terá mais do que espera.
O homem enxugou as mãos sujas em um pano encardido, os olhos desconfiados. Mas falou:
― O que quer saber?
― Quando foi a última vez que seu rei pediu a produção de tantas espadas?
Pôs uma moeda no balcão.
O ferreiro pegou-a e lançou um olhar rápido para a parede tomada por lâminas de todos os tamanhos.
― Não é da minha conta. Apenas sigo ordens. Se há guerra, buscam-se fornecedores.
― Balmont é um deles?
O homem hesitou. Antes que respondesse, Ahoneu recolheu a bolsa.
― Leswen e Balmont não são aliados. Dá para notar de longe. Pelos cabelos longos, peles em excesso e tatuagens que cobrem seus corpos como cicatrizes de rituais. São pagãos.
Ahoneu sorriu, lançando-lhe uma moeda como um cão arremessa um osso.
― De um a dez… quão certo está de que Leswen pertencerá a Olpheia quando eu deixar este balcão?
O ferreiro o encarou. E a resposta saiu, baixa, mas sincera:
― Dez?
Ahoneu riu com gosto. Jogou-lhe então a bolsa inteira.
― Não são só moedas. Há prata… e ouro puro, também. Use com sabedoria.
O homem arregalou os olhos ao ver os minérios brilhar à luz da fornalha. Uma fortuna. Uma promessa. Ou talvez… uma maldição.
― Quem… quem é esse lunático? ― murmurou um dos ajudantes, atônito.
Ahoneu apenas virou-se e seguiu, o som de seus passos ecoando entre o fogo e a fumaça.
Normalek, ainda sem compreender o tom da conversa, apressou os passos para acompanhar o homem de postura firme e andar confiante.
― Senhor, para onde estamos indo?
O homem levou a mão ao bolso, retirando com calma uma caixa de cigarros.
― Para onde mais iríamos? ― respondeu, com um leve sorriso, acendendo o cigarro.
― Olhe adiante, meu jovem.
Normalek obedeceu, e ao erguer os olhos, seu fôlego vacilou.
No horizonte, erguia-se um castelo colossal — mais de quatro torres que rasgavam os céus. Pedra sobre pedra, construído pelas mãos de eras esquecidas e que permanecia intocado, eterno… como se esperasse por eles.
Em Olpheia, embora o céu brilhasse com tons mais vívidos do que o cinzento opaco de Leswen, a quietude solene ainda pairava sobre os corredores do palácio. A rainha caminhava com passos suaves, e seu vestido — um verde mais escuro que esmeralda e com nuances tão profundas quanto o azul do oceano — deslizava como água sobre o assoalho de madeira polida.
Ao passar por uma galeria antiga, seus olhos recaíram sobre um quadro da família. Ela, sentada com altivez na poltrona esculpida; Thayrin, a seus pés, com os olhos brilhantes voltados para o pintor, como se desejasse entender a alma por trás da arte; e Raygan, em pé ao lado do pai, ostentando a mesma expressão indiferente que parecia ter nascido com ele. Mas não foram os rostos que a fizeram parar. Foi a moldura — coberta por uma fina camada de poeira.
— Diga às criadas para nunca esquecerem de olhar as molduras — disse, sua voz firme, mas sem agressividade. — E aproveite para verificar os demais quadros.
Uma das damas, mais velha e experiente, curvou-se com graça diante da ordem real antes de se afastar pelo corredor oposto. As três mais jovens seguiram-na em silêncio, obedientes, como se fizessem parte da costura do vestido que arrastava no chão.
O perfume das rosas de Thayrin alcançou-a antes que dobrasse a próxima esquina. Era um aroma delicado, doce e melancólico, como lembranças esquecidas de dias felizes.
Ela prosseguiu até alcançar a bifurcação da escadaria principal — e ali, como se o destino se divertisse às suas custas, surgiu Elard, subindo e cercado por quatro membros do conselho. Os homens falavam entre si, mas calaram-se ao vê-la. Saône, surpresa, curvou-se levemente, esperando que ele passasse sem dizer nada.
Mas o rei parou.
— Para onde está indo? — perguntou, e a proximidade de sua voz fez o ar ao redor parecer mais denso.
— Ao jardim, Majestade — respondeu ela, a cabeça ainda baixa, sem ousar encontrá-lo com o olhar.
— Permite-me acompanhá-la? — disse ele, estendendo-lhe a mão.
Os conselheiros hesitaram, trocando olhares tensos. Um deles, mais corajoso que os demais, ergueu a voz com cautela:
— Majestade… e a reunião?
— Sigam sem mim. Estarei com vocês em breve. — Ele não desviou os olhos da esposa.
Obedientes, os quatro inclinaram a cabeça em reverência e afastaram-se. E Elard permaneceu frente a ela, com a mão estendida. Saône, contudo, não a tomou.
— Não deveria ter feito isso. Posso ir sozinha — expôs ela, pousando a mão no corrimão e levantando levemente o vestido para prosseguir.
— A reunião pode esperar — insistiu ele, tomando com gentileza a mão dela e entrelaçando os dedos, frios e finos, com os seus, pesados de anéis.
Ela parou no meio da escadaria, surpresa pela ousadia. Fitou-o com olhos inquietos.
— No que está pensando? Acredita que me conquistará tratando-me como no passado?
— Nunca pensei de tal forma — respondeu ele com um sorriso brando. — Sou apenas um marido tentando agradar sua bela esposa.
— Pois então está enganado! — Ela soltou sua mão. — Meu marido comete erros graves ao meu respeito.
— Ah… — ele sussurrou, ainda sorrindo. — Poderia me contar quais são? — Sua vista estava presa nas costas dela; nos longos fios que se emaranhavam entre si, mas cheios de vida, sem um único fio branco.
— Está me confiando um dever que não me pertence. Uma posição que eu não deveria assumir… não novamente.
— A posição de liderar uma nação?
— A posição de ser o alvo de críticas em sua ausência! — A voz dela se elevou, e as criadas atrás trocaram olhares desconfortáveis.
Elard percebeu.
— Podem sair.
E, sem questionar, elas se afastaram.
Ao chegarem ao final da escadaria, ele não permitiu que ela escapasse. Uma mão segurou a dela; a outra repousou-lhe o rosto com ternura.
— Você é a única pessoa em quem confio quando Ahoneu não está. Já lhe confiei Olpheia uma vez… e farei isso de novo. Sei que será capaz.
— Não é isso o que me atormenta! Sei que conseguirei suportar qualquer peso que me seja imposto.
Elard franziu o cenho.
— Então do que tem medo?
— De que algo aconteça com você, Elard! Há inimigos à espreita. E mesmo assim irá a um lugar remoto, por um assunto que sequer é oficial?
O rei não conteve o sorriso que se formou sob a barba dourada, ainda que rala.
— Você não faz ideia do que isso significa para mim, não é?
Ela o fitou, confusa.
Ele aproximou o rosto, e com suavidade, depositou um beijo no canto de sua face. Um gesto tão inesperado que lhe tirou o fôlego por um breve instante.
— Não é um assunto trivial. Eu voltarei. E… quanto mais você tenta esconder sua preocupação… mais tenho certeza de que não aguentarei por muito tempo vê-la dormir longe de mim.
— Pare com isso — Ela desviou o rosto, insatisfeita. — Você não terá o que quer tão cedo.
Ela afastou-se, decidida, e ele, sorrindo, voltou-se ao servo que aguardava alguns degraus acima.
— Faça tudo o que ela mandar.
— Como se eu tivesse escolha — respondeu Mardô com um suspiro resignado. Mas, antes de partir, voltou-se a presença do soberano, dizendo:
— Ela o ama, Majestade. Não provoque-a desse jeito.
Elard cruzou os braços diante do peito e murmurou:
— É o que espero ver com meus próprios olhos… muito em breve.
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Ribeira dos Desejos.
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