Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 19: Promessas

GIORGYA

 

Em um movimento calculado e preciso, um dos escravos lançou-se sobre um soldado, enterrando os dedos nos olhos do homem.

― AHHHH!!! ― O grito de dor ecoou, enquanto os outros do grupo se dispersavam nos becos da cidade como sombras fugidias.

― Desgraçados! ― rugiu outro soldado, erguendo a espada em um arco defensivo. ― Filhos da puta! ― A lâmina tremia em sua mão, a raiva pulsando ao ver seu camarada contorcendo-se no chão, seu rosto como uma máscara de sangue e agonia.

O caos dominava o centro da cidade. Daemis permanecia paralisado, seus olhos fixos nos homens que recuavam em desordem. Os habitantes se abrigavam nos estabelecimentos, temerosos dos animais selvagens que haviam escapado, bestas que poderiam atacá-los sem piedade.

Num relance ao redor, Daemis notou que Thomaz e seus amigos tinham se distanciado, arrastados pela maré humana que se formara. O jovem era empurrado de todos os lados, seu corpo sentindo o impacto do pânico coletivo após o ataque súbito.

― O que aconteceu? ― indagou um soldado, chegando ao local. ― Droga, o chefe vai nos matar! ― Ele observou o corpo do nobre caído.

― Ajude-o! ― ordenou, apontando para o companheiro ferido no chão. ― Fechem as saídas e chamem reforços! Esses desgraçados pagarão com a vida! ― Seu olhar incendiado pousou em Daemis.

― Thomaz… ― O corpo de Daemis estava petrificado, as pernas tremendo ao perceber que o soldado de armadura reluzente não desviava o olhar.

― Thomaz? ― Nenhuma resposta. ― Thomaz! ― ele gritou, sentindo os olhares pesados sobre si, embora não fosse o culpado.

A multidão o sufocava, e, ao perceber seu erro, sua falta de vigilância, Daemis olhou em volta, desesperado. Sua respiração acelerou, e suas pernas finalmente cederam ao impulso. Ele começou a correr, à procura dos companheiros. Mas era inútil. Correndo, aceitou sua solidão; ele e o piar de um pássaro que o seguia de cima, rumo ao desconhecido.

Distante dos portões da cidade, Thomaz, com uma sacola de pães firmemente seguro, olhou para seus amigos, que retribuíram o olhar. O carroceiro, impaciente, se dirigiu a eles, dizendo:

― Por que demoraram tanto? ― Ele franziu a testa. ― Vamos, estamos atrasados! ― Ele os apressava até notar algo errado. ― Esperem. ― Ele olhou para o trio, que antes era um quarteto. ― Onde está o garoto?

Thomaz o encarou em silêncio por alguns segundos, então disse:

― Ele se perdeu? ― Seu olhar voltando-se para os amigos.

― Ele o quê!? ― O carroceiro vociferou. ― Vocês são idiotas? Como puderam deixar isso acontecer? ― Ele agarrou a gola da camisa de Thomaz, a raiva queimando em seus olhos.

― Está acontecendo uma rebelião dos escravos ― disse Thomaz, firme. ― Eles mataram um nobre no centro da cidade.

― É verdade, senhor ― confirmou um dos garotos.

O homem, analisando o garoto com cuidado, finalmente soltou-o. Ele pousou os olhos no rosto de Thomaz, o cenho franzindo.

― Subam na carroça. ― Ele suspirou, passando a mão pela testa.

E uma última vez, ele lançou um olhar à cidade, que logo seria engolida pela escuridão da anoitecer.

No palácio, pelos corredores vazios que se estendiam no cair da noite, Ahoneu caminhava, suas botas ecoando no silêncio até que adentrou um vasto salão. Ali, guiado pela voz grave de um homem idoso, encontrou-se na espaçosa biblioteca, onde uma palestra estava prestes a terminar para um grupo de jovens noviços.

Ao avistar as prateleiras repletas de livros antigos e as janelas imponentes que deixavam entrar a luz suave do luar, seus olhos fixaram-se em um rapaz de cabelos ruivos, recostado casualmente contra uma das estantes.

― Você não deveria estar na sala do Primeiro Conselho, ocupado com as contas de Olpheia? ― murmurou Ahoneu, a curiosidade refletida em seu tom. ― Ouvi dizer que alguns nobres pagaram generosas somas para garantir que seus filhos não se machuquem tanto no treinamento organizado por Halcan. Pergunto-me se ele está ciente disso. E por que existem tantos deles aqui?

― Estão se preparando para a viagem missionária à abadia de Leswen. Um deles irá acompanhá-lo em Forston; um amigo de confiança. ― O jovem sorriu. ― Ele estará lá para ajudá-lo.

Vigiá-lo, eu imagino. ― Um sorriso travesso curvou os lábios de Ahoneu. ― Contanto que não interfira em meus assuntos, não vejo problema. Entretanto, espero que esteja cumprindo adequadamente com suas responsabilidades. Não estou indo a Leswen para bater as taças com um velho amigo.

― Não se preocupe, Olpheia ainda possui fundos suficientes para investir em alianças desfavoráveis ao nosso reino ― respondeu em um tom baixo, observando os jovens guardarem os livros e saírem ordenadamente da biblioteca.

Ahoneu ficou em silêncio por um momento, seus olhos seguindo o movimento dos rapazes em direção à saída da vasta biblioteca. E com o sorriso que não se desfez, ele respondeu:

― Para sua sorte, partirei amanhã. A carta que recebi de sua alteza, príncipe Bryce, indica que as negociações continuam em andamento. Ele está ansioso para conhecer a princesa. Apesar de ela não ter todas as características ideais de uma mulher madura, acredito que será uma boa esposa. ― Ele percebeu o olhar distante do filho, que parecia indiferente ao comentário. ― Espero que você já tenha conversado com ela. Não pense que esqueci da maneira como você a conduziu na dança. Quase duvidei de suas intenções.

Henryk encarou seu pai com uma expressão séria.

― Prometi protegê-la ― disse ele, os braços cruzados sobre o peito. ― Você entende o que isso significa?

― Palavras vazias de duas crianças; uma promessa sem valor. Você não é mais uma criança, querido.

― Eu não me importo. Jurei pela minha vida e cumprirei essa promessa até o fim.

― E o que pretende fazer? Convencê-la que casar é uma péssima decisão? Você tem alguma ideia com quem estamos lidando? Esse matrimônio é o melhor que pode acontecer a Olpheia. Imagine as vantagens que essa união trará para nós: espadas, canhões, armaduras resistentes e incontáveis homens para lutar ao nosso lado e por nossa causa. Balmont pode estar confiante após a última batalha, mas isso não durará muito.

Henryk esperou até que o sacerdote, o último membro da Igreja presente, deixasse a biblioteca antes de falar novamente:

― Então, como sugere que eu faça isso? ― Desviou o olhar, insatisfeito. ― Não posso me aproximar dela sozinho, e tenho a impressão de que ela me despreza.

― Despreza você? ― Ahoneu arqueou uma sobrancelha. ― Fez algo a ela?

― Fui um cavalheiro, mas estou inclinado a acreditar que ela prefere outro tipo de homem. Por certo alguém com a força e a brutalidade de um cavalo lhe agradaria mais.

Ahoneu, no entanto, não conteve uma risada que ecoou pelo espaço.

― Hahahaha! Está ofendido porque ela o ignorou?

― Quando você nasce com marcas na pele, recebe vários apelidos e, se eu não fosse seu filho, provavelmente ainda estaria na mira dos comentários dos nobres do palácio ― disse Henryk, numa tentativa sem sucesso de mudar o assunto.

― Seu problema é pensar demais. Está chateado porque ela não se lembra de você. Ela era apenas uma criança quando tudo aconteceu. É natural que, após um longo período estudando no exterior, ela não recorde de seus dias com Leion.

Henryk permaneceu em silêncio, absorvendo as palavras do pai.

― Não cometa o mesmo erro duas vezes. ― Ahoneu o fitou. 

― Farei o que estiver ao meu alcance. ―  Suspirou.

― Lembre-se de que ele faria o que é bom para o império. ― Ahoneu sorriu. ― Dormirei no palácio. Vá para casa. Não deixe sua mãe preocupada. ― Tocou no ombro de Henryk antes de se retirar.

Henryk observou seu pai sair da biblioteca, perdido em seus pensamentos. Ele não confiava em Ahoneu, nem acreditava que unir duas nações tão distintas fosse a solução ideal. No entanto, mesmo com suas incertezas, ele admitia que seu pai estava certo, o que o deixava profundamente frustrado.

O jovem passou a mão pela testa enquanto caminhava entre as estantes da biblioteca, que jazia na escuridão. Ele percorria os livros, e seus dedos deslizavam pelas lombadas, ao tempo que a lua brilhava intensamente, mas não conseguia lançar sua luz através das janelas.

Enquanto isso, no aposento real, este na ala norte do vasto palácio, Nadye desembaraçava delicadamente os cachos da princesa. Seus dedos ágeis e experientes deslizavam pelos fios, enquanto notava as pálpebras cansadas, como se tivesse chorado além que seus olhos pudessem suportar. A dor que transparecia no semblante abatido de Thayrin comoveu Nadye, embora soubesse que palavras de consolo seriam insuficientes para confortá-la.

— Alteza — ela chamou, gentilmente.

— Sim? — Thayrin respondeu, distraída, ao tempo que tocou no colar de pérolas pousado sobre a bancada próxima à sua cama.

— Por que o jovem príncipe foi criado no convento? — Nadye perguntou, afundando os dedos nos cabelos da princesa mais uma vez.

— Minha mãe disse que ele nasceu durante a época em que os rebeldes de Balmont ainda se escondiam em Ariuch. Naquela época, eu nunca havia visto tantos soldados em todo o palácio. — Thayrin colocou o colar ao redor do pescoço, avaliando como ele se harmonizava com outras joias que tinha à disposição. — E no seu aniversário de cinco anos, meu pai decidiu enviá-lo para um lugar que sabia ser seguro.

— Então foi para protegê-lo — comentou Nadye, pegando um par de brincos de safira e oferecendo à princesa para que os avaliasse no espelho, durante o momento que as pequenas chamas das lamparinas oscilavam ao sabor da brisa fria que entrava pela janela entre-aberta. — Combinam com seus olhos.

— Ele nunca quis protegê-lo — disse Thayrin, com um tom sério. — Apenas não conseguia encará-lo depois do que aconteceu.


Capítulo novo toda semana!



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