Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 17: Carruagens e Carroças

OLPHEIA

 

Primeiro dia de viagem.

 

A estrada de terra, pontilhada com pedrinhas espalhadas, tremia sob o peso da carruagem real. As árvores, que se erguiam como sentinelas de um verde vibrante, contrastavam com o céu cinza. O sol, já oculto pelas nuvens, não lançava seus raios, anunciando a chegada do entardecer. E Raygan, que observava exuberante floresta, soltou um suspiro prolongado.

Sentado no banco de frente para ele, Halcan dormia, os braços cruzados sobre o peito, alheio ao balanço da carruagem. Raygan estudou seu rosto marcado pelo tempo e o cabelo curto e ligeiramente espetado, um visual típico dos veteranos de guerra que não se preocupavam com a aparência.

De repente, a carruagem sacudiu violentamente, arrancando Halcan do sono. Ele bateu no teto com a palma da mão, resmungando:

― Ei, cuidado aí!

― Perdão! Não vi o buraco na estrada! ― respondeu o cocheiro.

Num suspiro, o general massageou a testa e murmurou para si:

― Estou velho demais para levar um susto desses.

Enquanto fitava o velho, Raygan, admirado que o coração dele não parou, perguntou:

― Você é parente do marquês?

Halcan voltou sua atenção para ele. ― Ele é meu sobrinho.

― A cor dos seus olhos é igual à dele. ― Raygan desviou o olhar para a janela. ― E seu sotaque é estranho.

Halcan sorriu, um brilho de nostalgia surgindo em seus olhos.

― Minha família se mudou para Olpheia quando eu ainda era jovem. ― Seus olhos, tão distantes quanto a estrada que seguiam, fixaram-se nos de Raygan. ― Perspicaz, Alteza. Um detalhe que poucos percebem.

Raygan, no entanto, deu de ombros, olhando novamente para a paisagem.

― Qualquer idiota perceberia se prestasse atenção.

Mas, para Halcan, Raygan era diferente. Um bom observador, cujas suposições eram tão bem fundamentadas quanto a dos hábeis escrivães do palácio. Ele analisou sua feição, sempre apático, e ainda sorrindo, o velho respondeu:

― Ninguém além dos mais próximos de sua majestade sabe disso, meu príncipe.

Contudo, indiferente ao comentário, o garoto questionou:

― Quanto tempo ainda falta?

― Quando chegarmos a Giorgya, passaremos a noite em uma estalagem. Amanhecendo, partiremos para Kanaris.

― Sem guardas, e escoltando o herdeiro do império sozinho, velhote? ― Raygan deslizou a língua pelos dentes de trás, desconfiado. ― O que está planejando?

O general apenas manteve o sorriso.

― Verás em breve, Alteza.

Próximos à entrada de uma comunidade afastada, uma carroça carregando seis jovens estava parada. O carroceiro, agachado ao lado, coçava a cabeça enquanto examinava uma roda solta no eixo.

― Droga! Não fazem carroças como antigamente! Quem é o líder entre vocês? ― ele perguntou.

― Sou eu ― respondeu um dos rapazes.

O carroceiro analisou a situação. Ele lançou um olhar rápido para a roda e os garotos, percebendo um deles distraído, olhando fixamente para o céu da tarde de inverno.

― Ei, garoto ― chamou, apontando. ― Chame aquele garoto!

Daemis, tendo o braço puxado abruptamente por um dos colegas, foi surpreendido pelo peso dos olhares sobre ele, fazendo seu coração acelerar.

― Quantos anos você tem? ― questionou o carroceiro, arqueando uma sobrancelha.

― Q-Quatorze, senhor ― disse Daemis, engolindo em seco.

― Quê? ― O carroceiro parecia surpreso. Ele precisava confirmar o que seus olhos viram, então ele voltou-se para o líder. ― E você?

― Dezesseis.

O carroceiro soltou uma risada incrédula. Embora Daemis fosse um pouco mais baixo, sua forma parcialmente robusta contrastava com a do líder magro. Os ombros e braços de Daemis mostravam a força de alguém que havia carregado peso por um bom tempo.

― Você é bem saudável. Venha, me ajude a carregar esta roda.

Ao ver o carroceiro se esforçar para alinhar a roda à carroça, o líder dos rapazes tentou se aproximar, mas foi interrompido pelo homem.

― Eu disse ele.

Daemis, com a cabeça baixa, evitou o olhar frustrado do líder. Em seguida, dirigiu-se ao carroceiro e, com um mínimo de esforço, começou a ajudá-lo em uma tarefa que normalmente exigiria pelo menos mais um homem. Daemis era forte o suficiente para erguer a lateral da carroça sozinho e, assim, com a roda retirada, o homem advertiu:

― Não saiam daqui! Halcan cortará minha cabeça se um de vocês se perder. Entenderam?

Os garotos assentiram, atentos. E após alguns segundos, o carroceiro parou na entrada da cidade. Ele conversava com dois homens cujas vestes, para Daemis, não se distinguiam dos tecidos esfarrapados que os soldados do acampamento usavam em seus dias de folga.

O jovem observava os rapazes de sua idade se divertirem. Apesar da estação limitar as brincadeiras, a queda de braço não o cativava. O vento soprava sobre as colinas, e enquanto ouvia os rapazes discutirem quem havia ganhado a aposta, Daemis ergueu os olhos para o céu mais uma vez, indiferente à algazarra dos outros garotos.

Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos de sua túnica surrada, protegendo-se do frio mordaz. Ele suspirou, os pensamentos vagando como as nuvens que se moviam preguiçosamente acima, Mas, de repente, ouviu uma voz:

— Então você é mais novo que eu — disse o líder, sorrindo para ele.

Daemis piscou, surpreso, e virou-se para encarar o rapaz.

— Não pareço ter a idade que tenho? — murmurou ele, desviando os olhos para o chão nevado.

— Sinceramente, pensei que você fosse o mais velho entre nós.

O líder, um jovem de olhos e cabelos castanhos, levemente encaracolados, estudou a estatura do jovem retraído. Para ele, Daemis parecia ter trabalhado desde muito cedo.

— Qual é o seu nome?

— Dae — respondeu, ainda um pouco desconfiado.

— Dae? É um nome diferente — disse ele, estendendo a mão. — Prazer em conhecê-lo, Dae. Me chamo Thomaz.

Daemis analisou Thomaz por um momento. Ele emanava uma confiança tranquila muito diferente dos outros garotos que estavam mais ocupados em apostar quantas mulheres conseguiram transar ao mesmo tempo. Finalmente, ele aceitou a mão estendida, um sorriso hesitante aparecendo em seus lábios, revelando as covinhas nas bochechas.

— É um prazer conhecê-lo também, Thomaz.

Ao tempo que os jovens continuavam suas brincadeiras, brandindo gravetos como espadas, a figura robusta do carroceiro apareceu, atravessando a neve com passos firmes. Os recrutas rapidamente formaram uma fileira, em alerta à sua presença.

— Boas notícias, rapazes — anunciou o carroceiro, sua voz grave ecoando no ar frio. — Encontrei um amigo que pode nos ajudar. Ele será nosso guia pela cidade enquanto alguns de vocês me ajudam a consertar a roda da carroça. — Seus olhos se fixaram em Thomaz.

— Já que você é o líder, escolha três para acompanhá-lo e ajudá-lo a comprar comida para a viagem. Isso deve ser suficiente para deixá-los de barriga cheia assim que chegarmos a Kanaris. E nem pensem em gastar tudo! — Ele entregou uma bolsa de moedas a Thomaz, que a aceitou com um aceno de cabeça.

Daemis observava a interação, uma estranha mistura de ansiedade e nervosismo apertando-lhe o peito. Entre seus companheiros, ele parecia ser o único que relutava em se destacar. Sabia que, se o fizesse, seu nome seria conhecido por toda Olpheia e seus reinos. E talvez, só talvez, ele encontrasse seu espaço em uma terra onde ainda era um forasteiro.

Thomaz olhou para trás e escolheu dois de seus amigos a dedo. Seus olhos fixaram-se em Daemis, que estava, como sempre, olhando para o céu. O céu, livre de nuvens, não exibia o azul-celeste típico de uma tarde de verão calorosa, mas aproximava-se de um laranja opaco e solitário do entardecer.

— O que você está procurando? — perguntou Thomaz a Daemis, com os olhos fixos no horizonte, repleto de uma incrível vegetação que parecia nunca ter sido explorada por nenhum humano.

— O quê? Eu? — indagou Daemis, apontando para si.

Thomaz soltou uma risada com a expressão confusa de Daemis.

— Haha! Sim, você, Dae. Por que você sempre olha para o céu?

— Ah… Bem, gosto de imaginar um lugar infinito acima de nós, inexplorado e que possamos descobrir um dia. Um lugar para além de onde a chuva cai e de onde os pássaros planam.

— Você é meio esquisito, mas gosto da sua maneira de ver as coisas. — Thomaz sorriu. — Quer se juntar a mim e aos meus amigos? Vamos comprar algumas frutas e pães para a viagem.

Daemis conferiu a expressão amigável de Thomaz; seu sorriso gentil e a expectativa em seus olhos. Parecia que um “não” seria uma resposta inviável.

— Tudo bem. — Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso.

Então, Daemis se juntou ao trio, guiados pelo homem que aguardava próximo aos vigias na entrada remota da cidade. Enquanto caminhavam, Daemis sentiu uma estranha sensação de estar sendo observado. Não era por ser um estrangeiro, mas algo incômodo.

O olhar de um morador, em comparação aos rapazes, era penetrante, vindo pelo canto dos olhos. E não era apenas ele. Assim que entraram na vila, Daemis sentiu como se estivesse em um campo cercado, bem como em Lorist, confinado em Jighal.

Pela rua alinhada, os moradores transitavam pelos estabelecimentos. O movimento era maior, mais organizado e, sem dúvida, notavelmente mais preservado. Seja quem fosse o dono daquele lugar, o jovem recruta, retraído atrás dos outros, sentia a tensão aumentar conforme se afastavam do grupo principal. E a cada passo que dava, os olhares pareciam pesar mais sobre seu corpo.


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