Volume 1
Capítulo 15: Pairon
OLPHEIA
Raygan, ao escutar o chamado que exigia sua presença, apressou os passos a descer os últimos degraus que o separavam da grande entrada do palácio.
― O passeio acabou ― ele declarou, sua marcha segura cessando diante das enormes portas guardadas por dois guardas, estes, revestidos com armaduras que os cobriam do pescoço aos pés. Estes, num gesto firme na maçaneta, permitiram a entrada da claridade externa que iluminou a figura que se assemelhava a um ancião.
Na escadaria, a infanta manteve seus olhos inertes para a abertura tomada pela luminosidade do céu que, para Nadye, no aperto suave de suas mãos, lembrava a cor das íris de sua alteza.
― Abra a boca ― Thayrin ordenou, sua voz com a seriedade habitual para serva de mãos inquietas.
E no levantar da cabeça para encarar o general, Raygan questionou:
― O que está esperando? ― Ele apoiou as mãos nos antebraços.
― Vossa alteza ― Halcan começou, sua mão descansando no cabo da espada ao lado de sua cintura. O cinto estava apertado no quadril por cima de seu traje formal, fora do campo de batalha. ―, gostaria de ter uma palavra com sua majestade antes de partirmos.
Mas Raygan retorquiu com uma dose de sarcasmo. ― Pareço alguém que o segue e sabe por onde ele anda?
― Hum? ― Halcan arqueou a testa, as marcas de expressão seguindo o mesmo movimento. Era um linguajar pouco polido que costumava ouvir dos recrutas, não de um príncipe.
― Vamos logo com isso ― Raygan, não muito distante, andou para onde o cocheiro repousava, distraído ao saborear uma maçã.
― Você, faça a carruagem se mover!
O cocheiro, até então relaxado ao lado do veículo ausente de cavalos, mastigou a fruta.
― Eh? ― Ele olhou para Halcan, em seguida, engoliu com dificuldade o pedaço que, por pouco, não ficou preso em sua garganta.
― Você é surdo?
Na perspectiva do funcionário, a sensação era que, a qualquer momento, Raygan poderia demonstrar sua frustração no bater de seus pés no chão, ou até mesmo desferir um tapa em seu rosto.
―, Mas é que… ― Ele voltou seus olhos para o general, na busca de alguma confirmação, qualquer ação que o afastasse da presença do garoto rabugento.
E num suspiro paciente, Halcan interveio:
― Por favor, poderia preparar os cavalos para a viagem?
― Sim, senhor. ― No aceno da cabeça, o cocheiro limpou as mãos nas calças e partiu para cumprir a ordem.
Não muito longe da entrada principal, nos ramos da grande árvore, os pássaros despertaram ao som do relinchar de um dos cavalos do estábulo. A estrutura foi construída próximo à área onde as criadas se esforçavam para lavar os lençóis.
Os mais jovens, vigorosos e fortes, manejavam a lenha e golpeavam com precisão os machados nos tocos de madeira da pequena vegetação que cercava os grandes muros do palácio.
Enquanto isso, as mulheres equilibravam cestos sobre as cabeças, transportando os tecidos pesados, ao passo que as meninas, com destreza, batiam as mãos nos tecidos refinados, cuja beleza apenas podiam admirar. Entre elas, Hadara, assentada à beira do pequeno lago que se conectava ao jardim real, contemplava as folhas que caíam ao seu redor, à medida que flocos de neve grudavam nos cachos de seu volumoso cabelo.
De súbito, o relincho de um dos cavalos ecoou do estábulo. Atraída pelo som, Hadara, em pequenos saltos na ponta dos pés, andou pelo gramado em direção ao som. Por entre os portões, ela espiou um homem desconhecido. Destoante em suas vestes, ele parecia manter uma conversa com um jovem trajado com uma túnica larga, na qual as mangas longas pendiam sobre suas mãos; seu visual acompanhado de uma pequena cruz de prata que reluzia em seu pescoço.
― Hadara! ― chamou uma criada, interrompendo-a antes que pudesse ouvir o assunto dos homens.
― Senhor, por que num lugar como este? ― perguntou o rapaz.
Henryk fixou seus olhos no compartimento repleto de feno, e no pesar de sua respiração, falou:
― Está vendo este corcel? ― Apontou para o equino de pelagem branca, com sua crina reluzindo como fios de linho bem cuidados, embora seus músculos tensionados indicassem esforço ao apoiar os joelhos sobre o feno.
― Está idoso. ― Observou o noviço.
― O nome dele é Pairon. Ele é um pouco mais velho que eu. ― Henryk sorriu com uma nostalgia melancólica. ― Seu dono era meu melhor amigo. Confesso que quando estou cansado das reuniões do Conselho, venho aqui para desabafar com um animal. É insensato, não?
― Senhor, devo admitir que continuo tentando entender a razão de termos uma conversa sobre a princesa num lugar como este.
― Porque aqui é meu refúgio, onde posso compartilhar algo importante. E é por isso que preciso de sua ajuda. ― Henryk apertou a ripa da portinhola que o separava do animal.
― Estou à disposição, senhor.
― Confio em você, por isso, peço que acompanhe meu pai em uma viagem. Ele irá se encontrar com o governador de Leswen para discutir o casamento da princesa, mas é improvável que esse matrimônio decorra pacificamente.
O noviço reparou na expressão pensativa de seu mentor para o animal debilitado. ― Qual é o problema?
― Conheço a princesa desde sua infância. Ela sempre teve uma personalidade difícil. Acredito que ela possa causar muitos transtornos até o dia do casamento. E para evitar que boatos infelizes se espalhem pela capital, foi-me ordenado o dever de persuadi-la a aceitar o casamento, embora creia que isso seja apenas uma perda de tempo ― Henryk confessou num suspiro, e continuou:
― Seja meus olhos e ouvidos. Fiquei sabendo que a Igreja preparou uma viagem dos noviços para a catedral de Leswen. Uma viagem missionária, não?
― Sim, está certo. Mas como eu farei isso, senhor? Sua excelência, o duque…
― Não se preocupe. Tenho certeza de que meu pai estará ciente de minhas intenções e não fará nada para impedir. ― Henryk desviou o olhar do cavalo para ele. ― Acredite, ele não é do tipo que se incomoda com um grupo de noviços. Além disso, ele precisará de alguém de confiança para ajudá-lo, e você é uma excelente escolha. ― Em um ato reconfortante, Henryk tocou o ombro do jovem. ― Conto com você.
Assim, o noviço inclinou a cabeça em sinal de submissão. ― Farei o possível.
De repente, o ranger da porta do estábulo interrompeu a conversa, e o cocheiro, ajustando o chapéu, paralisou diante deles.
― Ah… ― O homem parecia nervoso. ― D-Desculpe! Eu só vim pegar os cavalos! ― Seu rosto empalideceu ao encontrá-los, sozinhos.
Henryk, porém, com sua voz calma, arqueou uma sobrancelha, informando:
― Já estamos de saída. ― O noviço acompanhou os passos de Henryk enquanto o cocheiro, ao vê-los sair, murmurou:
― Ah, não tem problema… ― Deu de ombros, abrindo a portinhola. ― Pelo menos estavam vestidos. Uhuhum… ― Cantarolou.
No trajeto do estábulo até o jardim, Henryk desviou brevemente seu olhar em direção ao coreto, onde Saône, cercada por suas damas de companhia, apreciava uma xícara de chá. No leve curvar do pescoço, Henryk cumprimentou a soberana, trejeito este correspondido por Saône, que levou o objeto aos lábios.
A paisagem se transformava em tons de cinza e verde quase desbotados, como se desvanecesse diante dos olhos de Henryk. Ele, atravessando o caminho entre os arbustos despidos, onde a folhagem, outrora vibrante das rosas da princesa, era coberta pelos flocos que tingiam as folhas de branco.
Ao retornar à entrada do palácio, Henryk avistou Halcan em uma conversa com um dos mordomos que aguardava do lado de fora.
― Senhor Halcan! ― Henryk estendeu a mão. Um sorriso caloroso se formou em seu rosto.
― Henryk, há quanto tempo! ― proferiu Halcan, em resposta ao aperto de mãos.
― Digo o mesmo. Pensei que já tivesse partido para Kanaris.
― Bem… ― Halcan vacilou.
Sem aviso, Henryk, ao seguir os olhos do general, ficou surpreso pela presença de uma menina, uma princesa em particular.
― Como você pôde esconder isso de mim? ― O comentário dela reverberou para além das portas vigiadas pelos guardas. ― Você ao menos pensou em se despedir?
Henryk recordava tão bem. Mesmo com o semblante repreensivo e seus cabelos amarrados num penteado convencional, ele não deixou de notar no quão bem arrumados estavam suas madeixas.
― Eu não vou morrer, idiota! E eu não te devo nenhuma justificativa! É apenas um treinamento, ou você é tão compulsiva a ponto de não conseguir lidar com uma breve separação?
― Seu moleque! ― Ela apertou a orelha dele com força. ― Eu sou sua irmã! ― Não havia escapatória. Ela agarrou a gola da camisa dele.
― Ai, ai, AI! ― Raygan segurou o pulso dela, as sobrancelhas franzidas. ― Sua bastarda louca! ― Ele puxou uma mecha do cabelo dela.
― AI! Você que é!
Ela buscava alguma maneira de causá-lo dor; a mesma sensação angustiante de sentir seu coração se despedaçar repetidas vezes. Ele estava prestes a partir, e ainda assim, a dor só aumentava.
― Por que não me disse? ― Ela soltou a gola da camisa dele, um soluço escapando de seus lábios.
Raygan percebeu os dela se encherem de lágrimas.
― Eu nunca consigo impedir as pessoas que eu amo de se afastarem de mim. ― As lágrimas escorreram por suas bochechas. ― Já não fiquei sozinha por tempo demais?
Sem perceberem, o cocheiro, já pronto na carruagem, parou próximo a eles. E sem demora, um serviçal caminhou ao lado deles, carregando uma mala mediana sobre os ombros. Ele depositou-as atrás do veículo no instante em que as madeixas douradas de Elard surgiram para longe das grandiosas portas, seguidas pelo mordomo chefe.
Mardô ― articulou Elard, em uma única palavra que fez o mordomo, de imediato, conferir o objeto.
Elard, todavia, contraiu a testa, atraído pela comoção de seus filhos.
― Nadye ― ele chamou. ― Explique.
O general, reverente perante o soberano, lançou o olhar para Henryk. O jovem permanecia inerte ao presenciar o estado de Thayrin, cujo choro silencioso se assemelhava a uma frustração reprimida, tão intensa que a impossibilitou de notar a presença deles.
Ele se viu transportado no tempo, de volta à imagem da pequena Thayrin de nove anos atrás, a mesma criança que chorava desesperadamente pela ausência de seu irmão.
Henryk podia recordar vividamente o contagiante sorriso do menino que, agora, estava mais distante do que ele imaginava.
Mais tarde será postada a segunda parte do capítulo. Junto dele terá um aviso.
Fiquem ligados!
Abraços S2