Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 14: O Conselho dos Sete

OLPHEIA

 

No aposento real, Raygan estava com as mãos cruzadas atrás das costas, seus olhos focados nos movimentos de Nadye. Era mais uma tentativa sem sucesso de fechar a mala de couro em cima da cama. Entre as roupas que ela verificava, havia um livro escondido, o ponto focal do jovem príncipe.

Nadye, após muito esforço, prendeu os fechos do objeto, e Raygan caminhou até a porta.

― Ninguém pode saber sobre isso ― ele pronunciou, seu tom sério que, embora tenha sido dito por um garoto que ainda não havia atingido a puberdade, tinha uma autoridade convincente. ― Nem mesmo elas.

― Alteza… Esta é a melhor decisão? A princesa… ― Ela entrelaçou os dedos, um hábito nervoso que tornava visível sua incerteza.

― Não me questione. Seu dever é obedecer ― ele retrucou, sem margem para argumentos, silenciando-a em sua curta resposta. ― Como o imperador disse: entregue a mala à Mardô.

Os passos de Raygan, distantes de seu quarto, ressoavam no chão polido do corredor. Lá, duas criadas trabalhavam arduamente para deixá-lo tão reluzente quanto as joias que adornavam as três mulheres da corte que passeavam pelo mesmo trajeto.

Porém, ao pisarem na superfície recém-lavada, um dos calcanhares deslizou.

Diante do susto, a mais jovem dentre elas sobressaltou, inclinando-se ao perder o equilíbrio, mas foi amparada por sua amiga que alertou, dizendo:

― Pelo amor de Deus, tenha cuidado!

Com o leque fechado, firme em sua mão, a nobre aplicou toda a sua força ao golpear o rosto da serva ajoelhada.

― O palácio está repleto de incompetentes! ― resmungou, e elas prosseguiram a caminhada.

Sem esboçar reação alguma, Raygan notou a serva apertar o pano. Os lábios dela se comprimiam em tensão; o queixo tremia contra sua vontade, e as lágrimas estavam prestes a brotar. Mas antes que pudessem cair, uma senhora, a criada ao seu lado, deslizou a mão sobre a dela. Um toque gentil para acalmá-la.

Em vez de pensar sobre o ocorrido, o príncipe, não muito distante da cena que presenciou, se encaminhou para a sacada com vista para os largos portões do palácio. Seus olhos se voltaram para o céu, mais acinzentado do que no dia anterior. E apesar dos flocos de neve ameaçarem o tempo, sua atenção foi capturada pelo anúncio do guarda na entrada após a chegada da carruagem digna da nobreza.

O veículo, tingido por uma cor escura e intensa, era ornamentado por detalhes em dourado; grandes rodas conduzidas pelos cascos dos cavalos ao assobio do cocheiro. Os dois guardas, postados à entrada, assentiram para um dos mordomos, este, que prestou reverência à figura importante.

― Vossa Excelência.

Os homens empurraram as grandiosas portas para a passagem do duque e seu filho, os representantes do ducado de Britham.

A família Baylam.

Ahoneu, cuja reputação diplomática era conhecida por garantir as alianças mais vantajosas para o império, adentrou o recinto. Henryk, no entanto, permaneceu à entrada, convocado para uma conversa com um grupo de noviços que se retiravam pelo caminho do jardim.

De todo o modo, Raygan descansou o cotovelo no balaústre e apoiou o queixo na mão, seu olhar seguindo os movimentos de Ahoneu. Ele julgava todas as suas ações, assim como suas expressões, a qual o duque, ciente da encarada, o ignorou por completo.

― Está negligenciando a aula de novo?

A pergunta interrompeu a concentração dele, e ao virar o corpo, viu Thayrin se aproximar, com seus cabelos elegantemente presos; o vestido de um tom de rosa distinto ― nada excepcional.

― Seu professor deve estar cansado de esperá-lo ― ela complementou, e por cima de seus ombros delicados, um manto drapeado escondia seus braços esguios, arrepiados pelo frio.

― Eu duvido ― ele respondeu, atento aos rapazes vestidos pelas batas marrons que cobriam seus pés.

Thayrin seguiu o olhar de seu irmão, focado conversa dos jovens, seus sorrisos alcançando a ponta de suas orelhas ao saudarem Henryk que se despedia. E sem perceber, uma linha de desdém franzida no nariz cruzou seu rosto ao vê-lo. Todavia, ao verificar a expressão avoada de Raygan, constatou algo diferente.

― Por que você sempre faz essa cara? ― ela indagou com uma leve curiosidade em sua voz.

― É a única que eu tenho.

― Não, não é isso. ― Ela observou os olhos escuros do irmão, vidrados no cocheiro que acariciava a crina dos corcéis. ― Penso que não sei nada sobre você. Sinto que deveria ter feito algo para impedir.

― Impedir o quê?

Thayrin sentia que ele já conhecia a resposta.

O que poderia ser feito? O que teria mudado?

As dúvidas vagavam por sua mente, então, ao respirar fundo, ela continuou:

― Só Deus sabe o que teriam feito se soubessem que o último herdeiro do imperador estava no palácio. ― Olhou para ele. ― Nosso pai caçou todos eles, pendurando suas cabeças em estacas, até ter certeza de que nenhum deles estava vivo. Foi aterrorizante. Aquelas cabeças sem vida pareciam piscar para mim.

No momento em que o cocheiro levou o cabresto dos animais para longe de sua vista, Raygan soltou um suspiro contido enquanto seus braços afrouxavam sobre o balaústre, uma de suas mãos descansando sobre a testa.

Para a infanta, era perceptível que algo o incomodava. Não era raro vê-lo afastado, preso em seus pensamentos, contudo, ela pôs a palma da mão na costa tensa dele.

―, Mas estamos ao seu lado agora. ― Ela mostrou um pequeno sorriso. ― Não era isso que você queria?

Ao perceber o brilho nos olhos de sua irmã, mesmo em um dia tão opaco, Raygan não pôde se conter e bufou.

― Você me conhece mais do que imagina ― ele comentou. Estava um tanto desanimado por deixar que um sorriso brincasse em sua feição alegre, apesar de seu afinco para ocultá-lo.

― Vamos entrar, está frio aqui. ― Ela sugeriu, esquentando os braços.

Entretanto, de surpresa, Nadye surgiu de trás da princesa, ao passar pela chama cambaleante da lamparina presa na parede.

― Minha princesa. ― Ela dobrou os joelhos, as mãos no vestido ao reverenciá-la. ― A madame Marie-Charlotte está no palácio para a aula de etiqueta.

― Nadye! Já estava com saudade. Por onde esteve?

Antes que qualquer palavra, um calafrio percorreu a espinha de Nadye; uma advertência silenciosa contida no olhar de Raygan sobre ela.

― Me atrasei, Alteza. Não irá se repetir.

No cômodo afastado da extensa escadaria que Ahoneu havia ascendido com destreza, os porteiros abriram a passagem para a figura de importância que se aproximava ao som da voz masculina que ressoava pelo ambiente:

― Após a partida do senhor Harley, acredito que este Conselho perdeu sua verdadeira função. ― Ele estava de pé, sua face indecifrável durante a análise. ― Passamos horas debatendo sobre guerra, enquanto nossa maior preocupação deveria ser o povo que sofre com os altos impostos.

― É por isso que as alianças existem, senhor Levi ― interveio o duque ao atravessar a porta, percorrendo o espaço com confiança. ― Quanto mais aliados, menos despesas e menos impostos serão pagos.

Em torno do ambiente, havia sete assentos, porém apenas três deles estavam ocupados, dispostos em uma linha reta em frente à mesa principal. Era ali que Elard, observando a discussão em silêncio, se mantinha sentado, com a única fonte de luz vindo de uma janela que iluminava suas costas.

Dos sete representantes do império, apenas quatro estavam presentes e engajados em suas responsabilidades.

― Senhores ― começou Ahoneu, lançando um breve olhar para a condessa, a única mulher entre os homens. ― Senhora ― acrescentou com cortesia, antes de prosseguir:

― Perdão pelo atraso. E, sim, é verdade que nossas atenções estão voltadas para Balmont no momento. Contudo, acredito que é dever de um chanceler, e, claro, do Conselho, apoiar o meu trabalho no exterior. Condessa, gostaria que nos dissesse a respeito do debute: o que a festa nos proporcionou nesses últimos dias? ― Ahoneu permaneceu de pé ao lado de Elard.

Com a entonação firme, Rosalina respondeu:

― As notícias sobre a flor do império se espalharam por todo o país e além das fronteiras. Sua Alteza, Princesa Thayrin tem sido alvo de numerosas propostas de casamento desde seu debute. A última vez que o povo se comoveu por um membro da realeza foi quando Sua Majestade, a Rainha, concebeu o Príncipe Raygan. Se conseguirmos manter a nobreza distraída com outros eventos grandiosos, acredito que o conflito atual não terá tanto impacto.

― Quando Balmont declarou guerra, os plebeus passaram a viver no medo constante, e a produção nos feudos sofreu um declínio significativo ― interferiu Levi. ― O número de emigrantes só aumentou nos últimos anos. Nosso povo está encontrando uma qualidade de vida melhor em outros países. Não podemos permitir que Olpheia continue a ser associada à imagem manchada trazida por Jighal. ― Ele dirigiu um olhar ao duque, seu cenho levemente franzido.

― Jighal foi um lembrete para aqueles que pensam que suas ações não têm consequências ― contrapôs o duque, convicto em sua fala. ― Não se esqueça, senhor Levi, foi Jighal quem incitou uma rebelião, uma tragédia que nos trouxe apenas dor. Olpheia deve manter sua influência sobre Lorist, antes que outras províncias vejam as ações radicais de Balmont como algo a ser seguido.

― Um povo foi aniquilado! ― Levi, o monge veterano da Igreja, se levantou da cadeira abruptamente. ― O senhor Harley…

― O senhor Harl é um covarde ― afirmou Ahoneu, elevando a voz. ― Jighal é de Olpheia, e com a ajuda de Halcan, permanecerá assim. Enquanto estivermos em trégua, terei assuntos a tratar com o governador de Leswen. E expresso a minha imensa gratidão à Vossa Majestade por confiar-me esta responsabilidade.

― Casá-la com o príncipe Bryce, eu suponho ― Rosalina alfinetou, suas palavras rodeadas de um sorriso sutil.

Ahoneu ergueu uma sobrancelha, sua atenção desviada por Rosalina, até que outro membro interveio: ― E quanto ao senhor Henryk? ― indagou, observando a cadeira vazia. ― Precisamos discutir sobre o valor dos impostos e das minas de mineração em Lorist.

― Não será necessário. Encerramos por hoje. ― falou Elard, erigindo do assento.

Todos os outros membros se levantaram e inclinaram a cabeça em respeito ao comando do soberano, que concluiu: ― Marcarei outra reunião. Estão dispensados.

Assim que Elard saiu, Ahoneu, disposto a segui-lo, foi interceptado por Rosalina, que elevou a voz:

― Usar a princesa não será vantajoso, senhor Baylam. Lembre-se de que os costumes de Leswen não são os mais religiosos, por assim dizer.

― Meu objetivo é garantir boas alianças para o reino, minha querida Rosalina. ― Ele sorriu. ― Fomos agraciados com uma princesa encantadora. Uma mulher de grande beleza. Thayrin será uma excelente esposa.

― Sem seu consentimento? ― indagou Rosalina.

― Não me recordo de as mulheres terem outro propósito além de se casarem e gerarem herdeiros para suas famílias.

― Senhor Baylam, vejo o quanto você é ingênuo em relação às mulheres. ― Ela abriu seu leque. ― A princesa não aparenta ser uma jovem que se submeterá a uma decisão unilateral.

Ahoneu, entretanto, optou pelo silêncio, mantendo um sorriso enquanto saía pela porta, em um breve aceno de cabeça.

E durante o tempo que os irmãos desciam a bifurcação da escadaria central, Nadye, acompanhando Thayrin ao lado de Raygan, ficou surpresa pelo avanço de uma criada, que sussurrou em seu ouvido. A expressão serena de Nadye logo se transformou em apreensão, e ela abriu a boca para falar:

― Príncipe Raygan, o general Halcan deseja vê-lo.

Thayrin, ao avaliar a expressão indiferente de Raygan, perguntou a Nadye:

― Senhor Halcan? O que ele quer com meu irmão?


Próximo Cap. teremos uma conversinha!

Boa leitura!



Comentários