Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 13: A Dama da Neve

OLPHEIA

 

Percebendo que ele não tinha a intenção de responder sua pergunta, Saône soltou um suspiro resignado e, num leve sopro, apagou a pequena chama. Ela se acomodou ao lado do filho, seus olhos percorreram o rosto dele ao visualizar os longos cílios e os lábios finamente desenhados que lembravam a imagem de Elard quando jovem.

― Será uma noite fria ― ela comentou, afundando os dedos entre os fios do cabelo dele. ― Sua irmã deve estar triste pelas flores murchas.

― Eu disse para ela esquecer aquele jardim idiota ― ele interrompeu.

― Tenha mais consideração. O jardim é um lugar especial para ela.

Raygan, inerte ao ouvi-la, questionou:

― Se uma rosa desabrochasse entre as pedras de um chão arenoso, seria uma benção ou maldição?

― O que quer dizer? ― Ela olhou para ele.

― No livro sobre Etyllia, há um verso que diz isso e, sendo sincero, não faço ideia do que significa.

― Nada é impossível para Deus, querido. Então, acredito que seja um milagre.

Por um instante, Raygan refletiu sobre o nome do ser divino que as freiras sempre lhe falaram. No entanto, ele falou:

― Prefiro acreditar que rosas desabrocham no inverno. ― Ele afundou o rosto contra o corpo dela. ― Hah… Estou cansado. ― Ele bocejou.

― Durma bem ― disse Saône. ― Eu te amo. ― Ela depositou um suave beijo na testa dele.

Raygan ponderou por um momento, pois a ideia de colocar a soberana contra seu próprio pai parecia mais intrigante do que buscar conforto nos braços dela. O jovem príncipe entendia que, mesmo que ela decidisse confrontá-lo, as ordens do imperador permaneceriam convictas. Afinal, era assim que os reis agiam.

“Inabalável em sua conduta, justo em suas escolhas”. ― pensou Raygan. Uma lição que aspirantes a herdeiros são ensinados a lembrar durante os estudos; induzido nele como parte essencial de seu treinamento para se tornar um imperador, um herdeiro digno de suceder seu pai.

Leion deveria ser esse tipo de herdeiro.

― Eu também. ― respondeu Raygan.

Ele se rendeu ao abraço que parecia afastar o frio que penetrava pelas telhas do teto, o clima que congelava as folhas das poucas árvores ao redor do estábulo improvisado. Lá, as ripas criavam pequenas cabanas para os cavalos já adormecidos do campo de Lorist.

Sentado no feno macio, Dae, envolvido numa manta duas vezes maior que ele, observava a lua ser encoberta por nuvens negras, enquanto uma ave solitária desaparecia na escuridão do céu.

― Três meses… ― murmurou, seu hálito quente formando o vapor no ar gelado. ― Espere por mim, Maxi.

Horas mais tarde, sob o céu no qual os raios de sol não ousavam queimar a pele dos habitantes da vila, um garoto emergiu em meio aos flocos da alva neve que caíam lentamente. Com passos cautelosos, ele avançou em direção aos portões de ferro de uma mansão construída distante das pacatas ruas de Fordwel.

Longe da ostentação típica da nobreza, a residência exibia um charme simples, com móveis de madeira desgastados pelo tempo, ou pela fachada com vinhas e flores presas na parede. No interior, a governanta da casa orientava as criadas em suas tarefas, preparando um cômodo repleto de prateleiras e estantes. E no centro, uma poltrona se destacava, cujo conforto parecia palpável.

As meninas, dedicadas a espanar os panos empoeirados, escutaram a voz firme da mulher, que ordenava:

― Este quarto deve brilhar! Não permitiremos que nossa senhora tenha a surpresa de encontrar um aposento entregue a poeira. ― Ela soprou o pó que se acumulava no indicador, deslizando-o ao longo da cabeceira próxima à janela.

De repente, as criadas, empenhadas em suas tarefas, interromperam seus movimentos ao perceberem uma figura se aproximar pela entrada do local.

― O que estão esperando? Vamos! Não temos o dia todo!

Atrás da governanta, as jovens reverenciaram a mulher, a senhora do lugar. A velha, surpreendida pela presença ilustre, se curvou ao vê-la.

― Vossa graça.

A mulher adentrou o quarto com uma aura serena de autoridade. Seu cabelo, branco como a própria neve, estava cuidadosamente preso e seu pescoço exposto. E sobre seus ombros, um xale delicado que a protegia do tempo.

Sem extravagâncias, apenas um vestido de tecido fino que lhe permitia se movimentar com muita graça. Seus olhos vagaram por cada detalhe do ambiente; das cortinas aos pequenos brinquedos de pelúcia de animais, com um cão, uma raposa e uma coruja tricotados em lã, até os móveis cobertos de poeira, tudo sob seu minucioso olhar.

Todavia, de surpresa, uma voz agitada soou pelo quarto.

― Mamãe! ― Ayanna correu em direção à figura materna, mas teve seu braço puxado pela governanta.

― Senhorita! Tenha cuidado ao correr! ― admoestou a governanta, sua voz séria, preocupada com o estado de saúde de sua senhora.

No entanto, antes que qualquer repreensão pudesse ser proferida, a mãe de Ayanna interveio:

― Está tudo bem, Louise ― ela falou. Seu rosto estava sereno pela ação rotineira de sua filha.

Um leve traço de desacordo se formou no rosto envelhecido da governanta ao observar a interação entre a mãe e filha ― incrivelmente parecidas.

Ayanna, após ser repreendida, recuou com timidez da velha e, ao acalmar sua empolgação, se dirigiu à enorme barriga de sua mãe. No toque suave da palma da sua mão, ela perguntou:

― Como ele está? ― Seus olhos brilharam ao sentir um chute. ― Mamãe, ele chutou! Mamãe!

― “Ele”? ― Um sorriso iluminou o rosto da mãe.

E Ayanna assentiu. ― Tão forte e bonito quanto o papai e o Joe.

A mãe acariciou a cabeça da menina com ternura. ― O bebê está bem, querida.

Assim que Ayanna abriu um sorriso, uma criada parou à porta.

― Senhora ― Curvou o pescoço em respeito. ― O general está aguardando na sala de estar ― ela anunciou.

― Fique aqui― instruiu à Ayanna, a caminho do lugar de encontro.

No espaço decorado, onde pequenas flores desalinhadas alegravam o ambiente junto das figuras de animais que adornavam as paredes, as criadas trabalhavam com diligência para remover a poeira dos móveis. Enquanto isso, Halcan, sentado no confortável sofá, fitou com admiração a mulher grávida que se aproximava.

― Senhor Halcan ― ela cumprimentou no aceno de cabeça.

― Laemi ― ele respondeu ao se inclinar e beijar a mão dela com cortesia.

― Como o senhor está?

― Bem, obrigado. E você? Pela barriga, parece que o bebê chegará a qualquer momento.

Um riso escapou dos lábios de Laemi. ― Está impaciente. Não vê a hora de nascer. Posso saber a razão desta adorável visita? ― Ela se sentou, assim como Halcan frente a ela.

― Meu sobrinho está?

― Ele e Joellis foram juntos ao porto. Aconteceu algo? ― A curiosidade estava visível na face.

― De modo algum. Estou interessado em saber se ele concorda em permitir que Joellis parta comigo à Kanaris.

― Kanaris? ― Ela arqueou a sobrancelha.

― Haverá um treinamento entre os recrutas. Como já deves saber, Balmont aceitou as condições de trégua. Mas temo que noventa dias não sejam o suficiente para torná-los em soldados.

Laemi desviou o olhar. Uma sombra de incerteza cruzou seu rosto, e seus ombros, cobertos pelo xale, caíram enquanto seus dedos se agitaram.

― Sei que está em desacordo. ― falou Halcan, consigo, o sorriso compadecido que surgiu entre os fios cinza de sua barba.

― Deixarei que Harl pense melhor. ― Sua voz estava calma, contudo, sua expressão persistia distante.

― Claro. Faça a escolha certa.

Quando Halcan se preparou para levantar do sofá, sentiu algo segurar suas pernas. Eram os braços finos de uma menininha determinada a impedi-lo de partir. ― Vovô! ― ela exclamou, seu rosto radiante ao vê-lo.

― Coelhinha! ― Ele a pegou nos braços e a ergueu, respondendo ao seu entusiasmo.

― Posso ir com o Joe? O senhor também vai me levar? ― perguntou a menina, cheia de energia.

― Ouviste tudo? Crianças não devem se intrometer na conversa de adultos. ― Halcan trocou olhares com Laemi antes de continuar: ― Se você for uma boa menina, direi a uma velha amiga do convento que a leve para passear, mas só se você se comportar e obedecer à sua mãe. ― Ele a colocou de volta no chão.

A menina correu para fora da sala, animada pela recompensa que iria receber, e Halcan, com um sorriso afável ao vê-las bem, expressou:

― Ela está muito parecida com você. Lembro-me quando Harl a apelidava de Dama da Neve. Ele sempre esteve atraído por sua aparência.

Halcan focou sua atenção nos olhos trêmulos de Laemi. Era um azul quase translúcido que parecia mudar de cor, adquirindo um tom de violeta único.

― Obrigada, senhor Halcan. ― Ela prestou reverência. ― Direi a Harl sobre a nossa conversa.

― Eu que agradeço. Bem, preciso ir. ― Halcan recebeu sua espada das mãos da serva da mansão. ― Obrigado pela hospitalidade.

― Joe ficaria feliz se pudesse esperá-lo.

― Estou a caminho do palácio. ― Prendeu a espada na cintura. ― O jovem príncipe e eu temos alguns assuntos a acertar.

Laemi, com os olhos desconfiados, tomou coragem para perguntar:

― Os rumores… O príncipe feriu o sobrinho de Rosalina? Joe e Ayanna pareciam diferentes quando retornaram do palácio. Era a primeira vez deles em um lugar como aquele… ― Ela apertava o xale ao som crepitante da lenha da lareira.

― Laemi. ― A voz séria de Halcan chamou sua atenção. ― Por agora, não podemos julgar aquela família.

― Entendo o que quer dizer. ― Ela esfregou os braços. ― Mas…

― Sou parte de sua família, filha, contudo, meu compromisso é com Olpheia. ― Ele encarou o retrato dos irmãos preso na parede. ― Proteja essas crianças, para elas crescerem saudáveis, e que este bebê possa ver seus irmãos como inspiração.

Laemi encarou a expressão do velho que, embora feliz pela família que seu sobrinho construiu, parecia atordoado por uma memória antiga ― uma recordação muito querida.

Então, o general acenou para a marquesa e saiu pela porta ao som do assobio do cocheiro, enquanto dizia:

― Joellis tem um bom coração. Ele poderia se tornar um soldado talentoso.

Ao vê-lo partir rumo ao palácio, Ayanna observou Halcan até a criada fechar a porta. Já no palácio, Raygan, parado na sacada do segundo andar, analisou uma carruagem atravessar os portões. E saindo dela, viu o duque, que não escondeu o desdém estampado no rosto ao perceber o olhar do príncipe sobre ele.


Obrigada pelo interesse na história, pessoal! S2



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