Volume 1
Capítulo 12: O Vaga-lume que Perdeu seu Brilho
OLPHEIA
Raygan ponderava entre dois caminhos. Um era o labirinto de arbustos, onde pétalas de flores formavam um belo tapete no chão frio. O outro, uma ponte de madeira envelhecida, mas resistente ao tempo, cruzando o lago. Duas oportunidades para uma fuga bem-sucedida que Elard, ciente de seu plano, o observava de braços cruzados e o nariz ligeiramente erguido.
Enquanto o imperador permanecia imóvel, bloqueando a passagem da ponte que rangeu sob seus pés ― e a rota que oferecia a maior probabilidade de sucesso ― Raygan estava em alerta. Ele mantinha uma distância cautelosa que ele considerava prudente, atento a qualquer ação.
Ao vê-lo em alguns passos afastado, Elard estendeu a mão e tocou numa vinha solta na pilastra do coreto. ― Sua irmã escolheu estas rosas a dedo ― comentou, um pingo de satisfação em sua feição. ― Ela estava feliz por recebê-lo e acabou intitulando este local de Lago dos Desejos, que modéstia à parte, é um título um tanto ingênuo, não acha?
Eram pétalas amarelas, de esperança. Douradas como o brilho dos vaga-lumes que rodeavam o lago, iguais aos olhos dos grilos que esfregavam suas patas traseiras. Eles se impulsionaram para um incrível salto através da folhagem à beira da água calma, percebendo ser o momento ideal de se apresentarem e entoar sua melodia.
Cri, cri…
E Elard, ao constar que Raygan não faria questão de falar, indagou:
― Por que bateu no sobrinho da condessa? ― Sua face, apesar de conseguir amedrontá-lo por ser indecifrável, conseguia ser tão receptiva como um monarca interessado nos problemas de seu reino.
― É uma pergunta idiota para quem já sabe ― disse Raygan, engolindo a saliva a seco.
― Não torne as coisas difíceis para você. ― Olhou para ele de relance. ― Responda o que lhe foi perguntado.
Elard carregava uma áurea que o obrigava a repensar sobre todas as suas ações. A entonação de sua fala não se assemelhava à da rainha, capaz de resolver qualquer situação com suas doces palavras; ou à de Thayrin que impunha seus desejos e caprichos como uma criança impaciente, mas que irradiava coragem e gentileza.
A voz de seu pai era única: distinta de um general guiando seus soldados durante uma batalha, oposta a de um padre pregando os ensinamentos sagrados aos fiéis. Era a voz de um monarca que, ao pronunciar uma única palavra, poderia ter tudo que desejasse.
Porém, para Raygan, que sobreviveu anos confinado no convento, era um poder ao qual ele não conseguia se acostumar.
― Meu alvo não era ele. ― respondeu Raygan, sua vista para a água imóvel. ― Ela disse mentiras sobre a Thayrin.
― Diga a verdade. ― falou Elard, cortante como uma faca que fez o corpo de Raygan arrepiar.
― Disse a verdade! Estava protegendo a honra de Thayrin!
De repente, os galhos das árvores começaram a se agitar sob a influência do vento, que trazia consigo uma brisa gélida. A lua, que outrora iluminava o coreto com sua luz suave, lentamente teve seu brilho obscurecido pelas nuvens densas que se aproximavam.
Observando Raygan coçar a mão, Elard, com sua habitual atenção aos detalhes, não deixou a pequena ação passar despercebida e questionou:
― A honra de sua irmã é importante para você?
― O que você acha? ― Raygan sentou no banco do coreto, mantendo os olhos no sapo na espreita de capturar um vaga-lume, à medida que a friagem parecia congelar suas bochechas.
― Um príncipe que não consegue controlar suas emoções quando irado, é uma vergonha para o título que carrega ― enfatizou Elard.
Por um breve instante, os lábios de Raygan tremeram. Seus olhos ficaram vazios, como se nada mais pudesse machucar seu coração endurecido.
E Elard continuou:
― E eu sei que não foi por sua irmã. Leion ficaria decepcionado se soubesse o que você fez.
Leion, Leion, Leion!
Os pulmões de Raygan perderam o ritmo acelerado. Não importava quantas vezes errasse, ele sempre estava presente.
― Se ele estivesse aqui, não teria que se preocupar. ― Raygan sentiu um belisco ao ver sua própria unha cravar na mão.
― Pelo contrário ― advertiu Elard. ― Eu teria que me preocupar em dobro.
― Há! ― Raygan bufou junto de uma risada incrédula. ― Você nunca fez questão de conversar por mais de cinco minutos e agora quer que eu pense que se importa comigo?
― É assim que você se sente? Tão sozinho a ponto de contar o tempo da nossa conversa?
― É o que eu sempre vi.
Elard o fitou por alguns segundos.
― O quê? Eu tentando governar um reino enquanto sua única obrigação sempre foi estudar para ser um bom sucessor?
― Sua ausência ― interrompeu Raygan, seus olhos evitando o rosto dele.
Ao ouvi-lo, Elard tomou consciência de suas palavras. Sua respiração se tornou pesada; um peso que camuflava a culpa oculta por trás de sua autoridade. Diante dele e abaixo de seu semblante pensativo, analisou os cabelos de Raygan que, embora Saône tenha se esforçado para arrumá-los, eles facilmente se desalinharam.
Rebelde e impulsivo, inabalável em sua determinação.
Elard via semelhança entre seu filho e os fios de cabelo que resistiam a serem domados, assim como Raygan resistia a ser controlado. Contudo, ao tensionar os ombros, o rei não se calou, dizendo:
― Nunca te abandonei, Raygan. Tudo que fiz foi para protegê-lo. Eu não poderia arriscar perder meu único herdeiro.
É em vão.
Raygan apertou com força os punhos que fez seus braços tremerem. ― Seu herdeiro, não é? ― ele resmungou.
― Hm? ― Elard levantou uma sobrancelha.
― A porra de um herdeiro… ― Suas mãos, firmes nos joelhos, se acalmaram. ― Enfim, que seja. Não me importo se a sua melhor opção foi me afastar. Mas eu não quero saber o que te motivou a fazer isso. Já ficou claro que, depois que o seu filho morreu, restou apenas um herdeiro.
Elard somente franziu o cenho ao escutá-lo em silêncio.
― Faça o que quiser. Eu só queria mostrar para aquela idiota que soltar a língua para ofender a minha irmã lhe custaria caro. Não imaginava que o primo dela iria se intrometer.
― Então, você admite que tentou machucar uma garota indefesa?
Raygan encarou o lago após o sapo, ao capturar o inseto, encontrou refúgio debaixo d’água. ― Eu faria de novo contra qualquer um que machucasse quem eu amo. ― Ergueu a cabeça, olhando para o rosto dele. ― Azar o seu não ser uma delas.
Elard não reagiu como Raygan esperava, sem expressar nenhuma reprovação em sua face. Em vez disso, o soberano optou por manter uma expressão inalterada, como se o desabafo do filho fosse de pouca importância. Ele dedicou um instante de silêncio para observá-lo até falar:
― Se sua preocupação é voltar para o convento, fique tranquilo. Em breve, Halcan virá buscá-lo. Ele tem uma surpresa para você e aos garotos da sua idade. Pedirei a Nadye que arrume sua mala e a Mardô que o acompanhe até a carruagem. ― Foi a última ordem ao dar as costas para ele.
Raygan, ainda que aparentasse indiferente, foi tomado pelo mesmo sentimento que o assolava quando se encontrava na multidão. Seu coração se apertou à beira de sufocá-lo, espremido por mãos invisíveis, as mesmas que o atormentava em sonho.
No entanto, ao contrário da dor aguda que experimentou ao ferir sua mão em um pequeno corte, desta vez ele sentiu um estranho alívio. ― Sim, Majestade. ― Assistiu seu pai atravessar a ponte, a palma de sua mão tapando miúdo machucado. ― Como quiser.
Elard interrompeu sua caminhada ao ouvir o título, mas não se dignou a olhar na direção de Raygan. Seu único objetivo era reafirmar para si que autoridade absoluta, estavam além da rebeldia do príncipe de frágil temperamento. E assim, ele seguiu trajeto para o palácio.
Raygan observava o céu nublado quando, para sua surpresa, viu um pequeno floco de neve dançando pelo ar antes de pousar suavemente na água e desaparecer ao ter contato com o lago.
Desde que eu não esteja no convento…
― Está tudo bem ― disse para si, seu polegar passeando pelo arranhão na mão enquanto contemplava o tempo fechar mais uma vez.
A neve, que a três dias ameaçava cair, cobria os telhados das casas da capital, assim como o chão das ruas congelantes, e os jornais jogados ao chão, que anunciavam o debute da princesa, eram arrastados pelo vento.
Através da janela, o brilho do luar iluminava um quarto. Nele, Thayrin dormia abraçada com um travesseiro. Perto dela, havia uma vela cuja cera já estava ressacada na cabeceira ao lado da cama. No espaço silencioso, Raygan observava a irmã adormecida. Ele olhava para seus cabelos embaraçados, sem coragem de acordá-la.
Fechando a porta, Raygan, trajado com uma camisola, andou pelo corredor frio e vazio. As lamparinas estavam apagadas, onde a lua era a única a iluminar seu caminho.
Descalço, ele avançou sem causar nenhum ruído em direção às imponentes portas de um dos aposentos reais. Saône estava sentada na cama, com metade do edredom envolvendo sua cintura, imersa na leitura de um livro. Ela ergueu os olhos das páginas quando ouviu o som distinto das batidas na madeira refinada e de melhor qualidade do seu local de descanso.
Toc, toc.
A chama vacilante da vela, prestes a se extinguir, dançou perante o vento frio que rodeava o quarto pelas frestas do cômodo.
― Entre? ― ela murmurou, sua voz arrastada pela inesperada visita.
Quando Raygan adentrou, ele parou na soleira da porta, seus olhos fixados nela por um curto tempo até descerem ao chão. Nenhuma palavra escapou de seus lábios. Saône, com seus cabelos soltos, observou o filho imóvel, congelado pelo frio.
Um sorriso suave curvou os lábios de Saône. ― Venha, sente-se. ― ela convidou.
Raygan se dirigiu até a cama. Ele puxou o cobertor para se aconchegar sob o tecido grosso e confortável. Com delicadeza, seu braço esquerdo envolveu a barriga dela, seu rosto se aninhando no peito de sua mãe em completo silêncio.
A rainha deslizou os dedos num toque suave entre as madeixas dele. ― Aconteceu alguma coisa? ― ela perguntou.
O príncipe, no entanto, manteve os lábios selados. Ele respirou fundo ao se deixar levar pela sensação reconfortante dos batimentos cardíacos de sua mãe.
Cada batida era constante.
Ele enrugou a testa, apertando-a com força. O perfume dela, tão envolvente quanto seu abraço caloroso, despertava uma sensação familiar que Raygan, mesmo após dois anos de retorno ao palácio, temia esquecer.
Tadinho do Vaga-lume