Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 11: Um Príncipe em Fuga

OLPHEIA

 

Ao caminhar na direção do jovem de testa machucada, Joellis se aproximou e perguntou:

― Você está bem?

― Sim, obrigado ― respondeu Isaac, com um tom calmo, mas suas palavras não conseguiram ocultar o desconforto em sua voz.

Joellis notou o candelabro estirado no chão, as velas dispersas, quebradas junto da cera derretida e respingos do líquido vermelho sobre o chão enquanto a dúvida se infiltrava gradualmente em sua mente.

― O que aconteceu?

Isaac não ofereceu uma resposta imediata. Seu olhar era vago e o semblante distante, imerso em seus próprios pensamentos. E percebendo o estado abalado do primo, a menina reuniu coragem e quebrou o silêncio numa única palavra.

― Desculpa ― ela falou com a voz embargada, sem olhar para ele.

O rapaz apertou os punhos. ― Isso é culpa sua ― ele resmungou, as palavras carregadas de raiva ao repreendê-la. ― Eu disse pare, e você continuou! 

― Não era isso que eu queria! Me desculpa, por favor! ― Ela implorou, seus olhos suplicantes, ajoelhada em sinal de clemência.

No entanto, os joelhos marcados pelo vestido não resultaram em nada.

Isaac guardou o lenço sujo de sangue no bolso de sua calça e a abandonou, refém de suas escolhas, culpada pelas palavras que o feriu.

― Desculpa! Isaac! Perdão! ― ela berrou. As lágrimas teimosas deslizavam por seu rosto pálido, suas mãos ansiosamente tentando contê-las num gesto desesperado para escondê-las.

Os irmãos observaram o rapaz em silêncio. Joellis, indiferente a qualquer tentativa de detê-lo, tinha convicção de que o príncipe era o único culpado pelo belo candelabro caído no chão.

No salão, os serviçais coletavam os pratos, taças e os utensílios de cima da mesa. Apesar de ser um espetáculo da mais alta sociedade, os nobres que saíam fartos, ignoravam por completo a existência dos criados que limpavam o chão que eles, sem pensar duas vezes, sujaram com muito prazer.

Do outro lado, mãe e filha eram escoltadas pelas damas de companhia para seus aposentos, e ao observá-las, Elard, sentado no trono, notou Ahoneu e Henryk cochicharem perto da segunda porta, esta, que levava para segundo corredor.

Quando o filho do duque se despediu, Ahoneu andou até o soberano, subindo os degraus. ― Foi uma noite agradável. ― Sorriu.

Elard fitava o tapete vermelho da escadaria. ― Onde ele está?

― Ele?

― Raygan ainda não voltou. Ele já deveria ter voltado. ― Inspirou profundamente.

E Ahoneu encostou a palma da mão na costa do amigo. ― Você está bem?

― Preciso de um pouco de vinho. ― Elard tocou nas têmporas.

― Você precisa descansar. ― Os olhos de Ahoneu percorreram o ambiente ao som das vassouras e das porcelanas empilhadas, encontrando somente os criados presentes, dizendo:

― Minutos antes da festa começar, recebi uma carta de Halcan endereçada a você ― murmurou. ― Nela, Halcan fala sobre estar organizando um treinamento para os jovens da capital. Oracis e Kaleid ficarão responsáveis por investigar Balmont enquanto estão ocupados em reunir os suprimentos para a próxima batalha.

― São crianças que não têm nada a ver com esta guerra que já deveria ter chegado ao fim. ― Elard se ergueu do trono. ― Transformá-los em soldados em tão pouco tempo resultará em apenas mais túmulos para preencher as valas.

― Estamos falando do Halcan, Elard. Se você questiona suas habilidades, estará ofendendo diretamente o mestre que o treinou. Confie que ele transformará os garotos em homens capazes de lutar por Olpheia. Muitos deles vêm de famílias pobres que não hesitariam em entregá-los por uma pilha de moedas que a corte cospe em cima.  

― Eu me decidi, Ahoneu. Abaixo da nossa amizade, você continua sendo meu conselheiro; meu subordinado. ― Desceu um degrau da escadaria.

O duque não era conhecido por perder a compostura facilmente, mas havia momentos em que até mesmo sua lendária paciência era posta à prova ao apertar a mandíbula toda vez Elard não seguia seus planos.

Ahoneu, no entanto, pôs a mão no peitoral de Elard, impedindo-o de avançar. ― Isso é o que você pensa ― exprimiu, seu olhar penetrante encontrando o dele. ― Não descansarei até ver cada um no chão. Assim como Jighal se uniu a eles e caiu, Balmont encontrará o mesmo destino em meio às cinzas.

― Essa não é a sua guerra. ― Elard afastou a mão dele. ― Eu agradeceria se você reservasse seus conselhos para quando eu os solicitar. 

Ahoneu, com o rosto indiferente à presença real, deixou escapar um sorriso de canto de boca. ― Não consigo evitar, majestade. Sempre tive uma língua afiada. Pelo menos é o que as mulheres costumam dizer.

Elard arqueou uma sobrancelha. ― Será que devo considerar cortá-la? 

Ahoneu torceu os lábios ao ponderar se deveria ou não rebatê-lo. Mas antes que pudesse decidir, Henryk irrompeu abruptamente pelas portas do salão.

― Com licença! ― Estava apreensivo, e o duque estranhou sua aparição repentina. ― A condessa deseja falar com Sua Majestade.

― A vadia? ― Ahoneu franziu o cenho e olhou para Elard que também não parecia ter conhecimento da reunião inusitada.

― Diga para ela entrar ― disse Elard.

Henryk inclinou a cabeça em consentimento, autorizando os soldados na entrada a permitirem a passagem de Rosalina. A condessa avançou em direção ao rei, mas sua expressão mudou para uma de desdém ao ver Ahoneu sorrir para ela. E atrás dela, Isaac permanecia com a cabeça baixa, no entanto, ao ouvir a ordem dela para que a erguesse, revelou um corte que manchava de sangue os fios de sua sobrancelha.

Ofegante, Raygan corria depressa pelo corredor a caminho do salão, mas seu ritmo diminuiu quando avistou uma mulher ao lado do garoto que enfrentou na presença de seu pai.

Ele paralisou, sentindo os pelos finos do seu braço se levantarem num arrepio que fez seu corpo formigar. Ao perceber a encarada dos guardas, ele deu meia-volta, o mais rápido que conseguia para longe. A cada passo, seu coração palpitava, o suor melando sua testa que se misturava no sereno da noite que caía sobre seu traje impecável.

O príncipe se esgueirava entre arbustos como um fugitivo, pois, segundo sua intuição, qualquer soldado que o visse, o levaria para o imperador. Ele arfava, sua respiração pesada fazendo o ar condensado que saía da sua boca formar pequenas nuvens, se deixando cair no chão áspero e terroso enquanto seu peito subia e descia ao recuperar o fôlego.

Era um breu, uma escuridão densa que envolvia tudo do jardim e ao seu redor. Raygan não conseguia enxergar nada, perdido em trevas que dominava cada canto e recanto do lugar.

― O que eu fiz? ― ele se questionou, escondendo o rosto com as mãos.

Pelo corredor ao ar livre do palácio, uma jovem criada carregava uma enorme toalha, a última da fila, junto às demais meninas que levavam consigo cestas de roupas e outros tecidos à lavanderia.

As lamparinas do pátio iluminavam o caminho, contudo, ela olhou ao lado para ver o coreto banhado pela luz do luar, mas ao cerrar os olhos, notou alguns fios de cabelo dançarem no vento. Era de alguém que tinha pressa em desaparecer pela folhagem das rosas da princesa.

Sorrateiramente, ela abandonou o caminho planejado e se apressou atrás da figura misteriosa. Cada passo acelerado que dava, o ser desconhecido parecia se distanciar ainda mais. Entretanto, de repente, ele parou e se sentou no chão. Escondida atrás de um arbusto, a menina curvou o pescoço, espiando com cautela, apenas para descobrir um garoto escondendo o rosto entre as mãos, se lamentando por algo.

A menina, confusa, permaneceu em silêncio.

― Eu não quero voltar… ― repetiu Raygan, sua voz abafada.

Para onde? ― A menina, de cabelo volumoso e cacheado como uma samambaia, se perguntou.

De surpresa, ela ouviu o chamado agudo vindo da voz de Nadye. ― Príncipe Raygan? Príncipe Raygan! ― A dama desceu os degraus da pequena escadaria para o jardim.

― Droga… ― gesticulou Raygan, olhando para todas as direções que facilitassem sua fuga.

A criada, refém dos passos da mulher que se aproximava, tampou a boca para encobrir o som de sua respiração, imóvel e em alerta.

― Senhorita Nadye? ― uma jovem falou, trajada com vestes simples como a menina escondida com uma cesta de panos nas mãos.

― Boa noite, Célie. Você viu o príncipe Raygan?

― Sua alteza? Não… Na verdade, estava procurando pela Hadara. Ela estava bem atrás… ― Olhou para o jardim, onde as lamparinas jogavam parte de sua luz nas paredes de mármore.

De lampejo, Nadye viu Raygan correr para o coreto.

― Com licença! ― Nadye levantou a bainha da saia e correu atrás dele.

Célie, no entanto, permaneceu, chamando:

― Hadara! Hah… ― Ela bufou. ― Aonde essa menina foi?

― Oi… ― Hadara surgiu dentre os arbustos, segurando firme o pano enrolado. ― Desculpa o sumiço.

― Ei, por onde este? Tem uma folha presa no seu cabelo. ― Retirou a folha dos cachos dela.

― Pensei ter visto algo.

― É mesmo? E o que era?

Hadara apressou os passos para ficar ao lado dela. ― Um filhote de guaxinim inofensivo, eu acho.

― Filhote? Bem, teremos que falar com o Hugo sobre isso.

Ao atravessar a curta ponte curva do lago do coreto, Raygan apoio a mão no pilar do espaço, recobrando o fôlego, mas Nadye já estava atrás dele.

― Não vou voltar! ― afirmou Raygan, se distanciando dela.

― Alteza ― Ela ofegou. ― A princesa está preocupada. Por favor, venha comigo.

― Por que ela não veio com você? ― Raygan enrugou o queixo. ― Se eu for, ele me mandará de volta. Eu não posso voltar para aquela droga de lugar!

Nadye observou seus lábios comprimidos. O olhar distante; o medo visível em suas mãos, trêmulas ao se fecharem.

― Quem o feriu, Alteza?

A respiração de Raygan acelerou, as poucas lágrimas surgindo em seus olhos negros; vazios feito um vulcão adormecido.

― Vá embora… ― Enxugou as lágrimas.

― Não posso. ― Nadye relaxou os ombros e deu um passo à frente.

― Eu mandei ir embora! ― Raygan gritou; um grito que ecoou pelo jardim.

Dois soldados o ouviram. Eles olharam um para o outro, mas não apenas eles. Atrás de Nadye, estava Elard, inerte perante o filho.

― Obrigado, Nadye. Diga a Thayrin e a rainha que ele está bem.

Surpresa com a presença do rei, o homem cuja postura conseguia intimidá-la, Nadye prestou reverência, e ao observar Raygan pela última vez, partiu. 

As passadas de Elard sobre as pedras presas entre o gramado pareciam arrastadas, lentamente torturantes para Raygan que o evitava. O coreto, adornado com rosas e vinhas, emanava uma beleza tranquila. Na estrutura, havia um banco que convidava qualquer um que desejasse desfrutar da vista das belas flores, cultivadas com tanto carinho pela infanta.


Boa leitura!







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