Príncipe de Olpheia Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Capítulo 10: As Velas do Candelabro

OLPHEIA

 

A sala era iluminada pelo brilho dourado das velas fixas na parede, e por um instante, houve silêncio. 

Nas mãos de Raygan, o livro foi depositado com cuidado na estante ao lado de um candelabro dourado de três velas, emanando uma luz trêmula, de tal forma como a garota, atônita, encarava o jovem príncipe. Raygan, tinha um olhar imperdoável, prestes a sentenciá-los por um crime imperdoável.

― Há algo a mais que ela precise saber? ― Ele parou diante deles. 

― A-Alteza… Eu não quis… ― A resposta mal formulada soava como um pedido de desculpas, um ruído de palavras que não teve efeito algum. 

No entanto, Raygan, com seus olhos escuros imprevisíveis, não estava satisfeito. O príncipe rolou os olhos quando ela começou a falar.  Ele queria testá-la, humilhá-la, e se não fosse satisfatório o suficiente, ordenar que ela beijasse suas botas. 

― Ajoelhe-se e peça perdão. ― Raygan mandou. A ordem foi clara, cortante como uma lâmina.

Desacreditada, ela deixou escapar uma risada nervosa de seus lábios. ― Alteza?

Raygan, todavia, repetiu:

― Ajoelhe-se, e peça perdão. ― Seu queixo erguido, os braços cruzados quando seus ombros foram jogados para trás, e a ponta do nariz para cima sem qualquer sinal de empatia. ― Implore por perdão. 

Ela, no leve franzir da testa, contestou ao cerrar os punhos: 

 ― Se eu tiver que me curvar, será perante a princesa. 

Raygan inclinou a cabeça. Ele estudou a postura firme que, apesar de ter a coragem de desafiá-lo, não parecia convicta de sua resposta. 

― Amélie ― sussurrou o rapaz. ― Alteza ― O primo interveio, de altura um pouco maior que a do príncipe, na tentativa de suavizar a tensão entre eles. ―, o que a minha prima quis dizer é…

Mas Amélie o interrompeu, dizendo:

― Devo minhas desculpas à princesa, não a você. ― A escolha estava nas mãos da garota, e ela optou por contrariá-lo.

― Que assim seja. Vamos ver como ela reagirá ao ouvir o que tenho a dizer. ― Raygan mostrou um sorriso arrogante. ― Se me dão licença. ― Ele se virou em direção à porta, mas antes, não deixou de pegar o livro. 

O medo congelou o rosto da garota. O suor melou a metade de sua franja de fios escuros, e o medo se fez visível em seu rosto assustado. Ainda assim, conseguia expressar a raiva que sentia.

― Agora entendo quando dizem que o tesouro do imperador foi roubado. 

Raygan permaneceu imóvel, e ela continuou:

― Ele era o único que realmente dava orgulho. Não consigo imaginar a dor de sua majestade quando perdeu o único filho que amava. 

O jovem pegou abruptamente com força no braço da garota. Seus olhos arregalados, o terror em suas expressões, rogando para que ela se calasse. 

― Amélie! ― Ele forçou-a a apoiar os joelhos no chão. ― Ajoelhe-se, agora! ― mandou, sem qualquer traço de benevolência.

A garota caiu de joelhos, mas não deixou de alfinetar o príncipe estático à estante.

― É o que dizem os anciãos, a corte e os nobres! O príncipe Leion era um garoto justo que teve uma morte injusta! Se ele ainda estivesse vivo, acredita mesmo que ele estaria aqui? ― apontou para Raygan. ― Aqui não é o lugar dele! O lugar dele é no convento! 

O olhar enjoado do rapaz para a prima revelava a frustração consigo mesmo, por não conseguir evitar as palavras cruéis na presença do príncipe.

Raygan, embora estivesse com olhos direcionados para o chão, ouviu o nome de seu irmão percutir em sua cabeça. Desde os dias sombrios do convento, o nome da figura misteriosa era como um fantasma que o atormentava. Cada pessoa que cruzava seu caminho parecia encontrar um estranho prazer em relembrar do verdadeiro príncipe que não deveria ter partido. 

Suas mãos tremiam, torcendo os lábios enquanto sua respiração acelerava. 

“É lamentável que não tenha herdado a educação dele.” ― A voz de Elard soou em sua cabeça como uma sentença, uma condenação por suas ações e ao erro de sua existência.

Seu rosto foi tomado pela raiva, uma fúria contida que ardia em seu interior. E impulsionado por uma força irrefreável, Raygan estendeu a mão para pegar o livro ― ou era isso que imaginou ao tomar o candelabro em suas mãos e caminhar em linha reta em direção à garota distraída no chão.

Ele segurou firme a haste do objeto, uma extensão de seu próprio ódio pulsante. A raiva percorreu suas veias, alimentando cada passo apressado que dava. 

Então, ele ergueu o candelabro sem qualquer hesitação, a luz tremeluzente das velas que pareciam tão intensas quanto sua decisão, depositando toda sua força em seu braço destro ao desferir um único golpe. 

Contudo, num piscar de olhos, o rapaz percebeu a ação rápida do príncipe. Como uma sombra ágil, ele jogou seu corpo para proteger a prima, mas não escapou ileso. O candelabro atingiu a lateral de sua testa, fazendo-o tombar sobre o corpo dela. 

 A garota, atemorizada, presenciou a cena com olhos arregalados, trêmula ao sentir o sangue quente de seu primo respingar em seu rosto.

Um corte fundo. 

― Isaac! ― ela gritou.

As velas caíram dançantes em sua queda. Ao conferir o machucado, Isaac tateou no pouco de cera que grudou em sua sobrancelha, o ferimento do objeto que rasgou sua pele, vestígios da impulsividade que Raygan, sem acreditar, duvidou possuir.

Ele permaneceu imóvel; petrificado. Não havia como decifrar se era raiva, espanto ou outra emoção que se escondia por trás do semblante enigmático, deixando Amélie perplexa e incapaz de compreendê-lo.

― Isaac! Isaac, você está bem? ― Sua voz nervosa, sem saber como acudi-lo.

Raygan largou o candelabro, inerte, olhando fixamente para suas mãos trêmulas. Entretanto, o remorso era inexistente em seu semblante. Seu foco desceu ao piso polido, entregue à reflexão sobre suas próprias ações enquanto o sangue escorria do corte na testa de Isaac. 

Fora do alcance do som das vozes alegres do salão, Joellis escoltou Ayanna. Estavam de mãos dadas, seguindo trajeto pelo corredor vazio para voltarem à festa. Existia duas estátuas ― de dois metros, ou mais ― de armaduras estendidas perto da parede junto às lanças que ameaçavam a presença de qualquer estranho. 

Joellis as encarou por alguns segundos, suficiente para sentir que os objetos inanimados observavam seus movimentos. 

― Não conseguir segurar a bexiga numa ocasião como esta é o cúmulo, Nana ― Joellis reclamou, os olhos bem atentos na decoração instigante, conferindo se elas realmente não conseguiam sentir seu desconforto.

Ayanna, para a surpresa do irmão, soltou a mão dele para correr livremente pelo espaço, até se deparar com uma sala de porta aberta.

― Ei, volte aqui! ― Joellis murmurou, os passos apressados para impedi-la de adentrar o cômodo. ― Ayanna!

Quando Joellis empurrou a porta, foi atordoado com a sala de imensas estantes, um sofá e muitos livros junto ao total de seis quadros adornados com molduras mergulhadas em ouro. Eram retratos de figuras importantes para o império, de um estilo clássico que capturava as principais características de cada indivíduo.

Três homens e três mulheres. 

― Quem são eles? ― perguntou Ayanna, andando lentamente para apreciar a arte detalhada. 

Os ouvidos de Joellis pareciam ter sido tampados diante do questionamento dela, sua atenção na pintura de um homem, este, da fisionomia quase idêntica ao atual imperador. Imóvel durante o tempo que contemplava a pintura, viu alguém que emanava poder, confiança e, como se não fosse bastante, capaz de eliminar qualquer inimigo num piscar de olhos. 

― Eu… não faço ideia. ― Joellis olhou para o retrato ao lado. Era de uma mulher cujos fios de cabelo irradiavam tons suaves de um amarelo platinado, iguais às pétalas de uma camélia branca banhada pelos raios de sol do amanhecer. Seu semblante era gentil, convidando-o a admirá-la por mais tempo. 

Se, ao menos, a sala estivesse melhor iluminada, Joellis poderia avaliar cada detalhe que o artista deteve em seu minucioso trabalho.

― Irmão, veja! ― ela apontou para um quadro. ― É a rainha mais nova! Por que ela parece triste? 

A rainha consorte, tão bela quanto a antiga soberana, e ao seu lado, lá estava ele, Elard, ou, como melhor conhecido, o Leão Dourado.

― Seis quadros… ― Joellis olhou para Ayanna. ― São os antigos monarcas. ― Ele analisou os dois primeiros quadros novamente, dizendo:

― Este deve ser o imperador Redron. E esta… a imperatriz Ophélia. 

― Ophélia? ― Ayanna observou o quadro. ― Não é Olpheia?

Joellis encarou o retrato, seus pensamentos visíveis na face tomada pela vontade de saber mais da história do seu país. No entanto, antes que o rapaz pudesse refletir, um grito tornou-se audível. 

Os irmãos, espantados com a voz fina, correram até a origem do som. Ayanna foi a primeira a chegar na sala. Ofegante, ela estava incapaz de regular a respiração, suas bochechas ruborizadas após a rápida corrida. 

Ao ver a cena, Ayanna abriu bem os olhos ao presenciar o príncipe de pés diante de um garoto, cuja testa estava rasgada num pequeno corte. A menina, de vestido azul-claro, sujo com as poucas gotas de sangue do primo, olhou atemorizada para Joellis logo atrás da irmã, paralisado e confuso.

― Por favor, me ajude! Ele machucou meu primo!

― Está tudo bem… ― Isaac pegou um lenço para estancar o machucado. ― Eu peço desculpas por isso, Alteza. 

Ayanna mirou sua curiosidade para o candelabro estirado no chão sujo da mescla de cera e sangue quando Raygan, instigado, passou a observá-los.

Ali estava a menina de olhos curiosos. Era a mesma criança que ele havia visto anteriormente, com um véu sobre a cabeça, uma escolha que ele agora compreendia ao ver os fios brancos deslumbrantes que ela tentava esconder.

Joellis percebeu o interesse de Raygan sobre ela, pondo-se à frente para evitar o contato visual entre os dois. 

― Fique atrás de mim ― instruiu Joellis, protegendo-a seja lá do que o príncipe conseguisse fazer. 

Raygan, de outro modo, olhou uma última vez para os primos, indo ao encontro dos irmãos imóveis na porta. 

Joellis tocou bruscamente no ombro de Ayanna para impossibilitá-la de se mover. Enquanto isso, Raygan pegou o livro e saiu da sala, o rosto indiferente, fingindo que nada havia acontecido. 

Joellis verificou a pose dele. Um príncipe que se porta de tal maneira fez o rapaz lembrar da conversa mais cedo com seu pai. 

Se todos falavam, agiam, pensavam somente em si, motivo algum era plausível para defendê-los; estar junto deles, não depois que fizeram com Jighal. 

Afinal… 

A realeza sempre foi assim? ― Joellis torceu o cenho, um desconforto crescente que fez seu sangue borbulhar.


Obrigada à todos que estão acompanhando a obra!

Próxima semana tem mais!

 

"A imagem da antiga soberana da nação surgiu em sua forma majestosa em seus pensamentos, acompanhado pela arte do sorriso que o cativou." 

 



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