Volume 2
Capítulo 49: O que foi que eu fiz?
— Você fez o quê?!
Miguel nem teve tempo de abrir a boca. As mãos pequenas de Éloise fecharam na gola dele, o levantando do chão como se fosse uma toalha molhada.
O ar sumiu.
As pernas balançaram.
A dignidade evaporou.
— P–Puff! Ahahaha! Ai minha barriga! — Victoria se dobrava no tapete, lágrimas nos olhos, já rolando de rir. — Eu vou morrer! Hahaha, eu vou morrer de verdade!
Samira, ao contrário, parecia esculpida em mármore. Nem piscava.
E Céline ria… de puro nervoso, o sorriso tremendo nos cantos da boca.
Miguel finalmente tocou o chão quando Éloise o largou.
— Eu só… tô fazendo o que me pediram — ele resmungou, coçando a nuca.
— Quando é que te pedimos pra humilhar a filha mais querida e mimada da família Leite?! — Éloise bufava como uma chaleira prestes a explodir. — Se descobrirem isso vão arrancar sua pele e deixá-lo assando no sol!
— Ela não vai contar.
Éloise quase caiu para trás. A expressão dela alternava entre “instinto maternal” e “vontade sincera de cometer homicídio”. Miguel se encolheu, tocando a bochecha com um meio sorriso culpado.
Céline respirou fundo e subiu as escadas.
— Eu vou ver como ela está.
— Meu Deus… — Éloise massageava as têmporas. — Se isso vazar… porra… e você ainda teve que levar ela pra tomar banho com você?! Não me diga que…?
A alma dela começou a deixar o corpo.
Miguel puxou de volta com uma frase:
— Claro que não! Eu não iria tão longe. Ela só… lavou meu corpo. Além disso, acho que ela acabou não aguentando tanto estimulo e desmaiou, então eu a levei pro quarto dela. Viu, não fizemos nada demais.
Silêncio.
Depois, uma explosão.
O mundo de Miguel escureceu por um segundo quando o punho de Éloise acertou sua cabeça. O impacto foi tão forte que ele cambaleou, quase apagando.
— Mi… — ela sorriu enquanto lágrimas ameaçavam descer. — Hehehe… você é tão incorrigível quanto sua mãe.
Aquela expressão… era como se ela estivesse diante de um condenado.
Miguel engoliu seco.
Um mal-estar subiu pelo estômago.
Talvez… talvez ele realmente tivesse exagerado. Lucy o tirou do sério. Muito mais do que admitia.
Ele abriu a boca para se desculpar — mas passos leves desceram as escadas.
Céline desceu quase flutuando.
O rosto dela brilhava como alguém que acabara de receber uma notícia maravilhosa. E seu rosto um rubor fervente.
Ela parou diante de Miguel, segurou os ombros dele e disse com um sorrisinho triunfal:
— Mi… como posso dizer isso… apenas continue o que está fazendo. Hehehe.
Miguel piscou.
Uma, duas, dez vezes.
Interrogações pairaram acima da cabeça dele como hologramas.
Éloise puxou a irmã de lado, querendo explicações. Bastou Céline sussurrar meia dúzia de palavras para a primogênita empalidecer.
— Ela tava fazendo o quê?!
E sumiu, correndo de volta pro segundo andar.
Miguel tentou aproveitar a brecha.
— O que tá acontecendo? Vou ver a Lucy. — Deu um passo, mas Céline rapidamente bloqueou seu caminho com o braço estendido.
— Mi, Lucy precisa descansar agora. De verdade.
Ele hesitou, mas assentiu. Sabia que nenhuma delas deixaria ele subir de qualquer jeito.
Pouquíssimos minutos depois, Éloise voltou radiante.
Não “feliz”. Radiante.
Assustadoramente radiante.
Ela agarrou Miguel num abraço forte e gargalhou de orelha a orelha:
— Você e sua mãe… essa maldita sorte para coisas bizarras! Hahahaha!
— ????? — foi tudo que Miguel conseguiu responder.
Enquanto Céline e Éloise arrastavam Victoria e Samira para o quintal norte, prontas para fofocar como hienas excitadas, Miguel ficou onde estava.
Estático.
Perdido.
Completamente escanteado.
E se perguntando o que diabos havia acabado de acontecer.
♦♦♦
A sala de meditação estava silenciosa, iluminada apenas por lâmpadas âmbar escondidas atrás de painéis de madeira. O aroma sutil de chá de ervas ainda pairava no ar, e o piso acolchoado cedia sob os passos lentos de Miguel. Ali dentro, o mundo parecia respirar mais devagar.
— Lucy… ela é muito fora da curva. — Murmurou, afastando um pouco as pernas antes de se agachar. A palma direita deslizou num movimento horizontal controlado, enquanto a esquerda permaneceu firme, sustentando o eixo do corpo.
A análise se encaixava em sua mente como peças desconexas formando um quebra-cabeças.
1,65m, pernas longas demais para essa altura… não exatamente improvável, mas muito raro. Contudo...
Um biotipo improvável para sua herança genética. Portuguesas dificilmente apresentavam proporções assim — e aquilo não era simplesmente obra do Primordium.
Não podia ser.
O Primordium não remodelava o corpo dessa maneira, a não ser em casos extremos; e o dela, ele sabia, não se encaixava nesse perfil.
O Primordium não cria proporções impossíveis a menos que necessário — ele em quase todo caso, aperfeiçoa o que já existe, é muito mais prático e eficiente a curto prazo.
Ou seja, ele pega o que já há disponível e compensa suas “carências” a partir de aprimoramentos que são capazes de levar ao resultado desejado pelo hospedeiro.
Se Lucy tivesse nascido com um corpo mais compacto, mais natural a sua herança genética, para dar chutes como os que dá, seus músculos provavelmente seriam mais robustos e suas fibras bem mais elásticas, ele teria apenas amplificado essas características.
Ou então, ela teria nascido tão alta quanto Julia.
Mas Lucy… ela já nasceu assim.
Uma genética abençoada, depois elevada a outro patamar pelo Primordium.
Miguel esticou o tronco, sustentando o equilíbrio por alguns segundos antes de inspirar fundo.
Entendi…
Naquela época, a engenharia genética já havia avançado o bastante para permitir alterações embrionárias específicas — ajustes sutis, otimizações calculadas.
E agora com o Primordium como segurança biológica, há a garantia de estabilidade, reparando danos e evitando fatalidades no desenvolvimento fetal, possibilidades que antes seriam arriscadas se tornavam viáveis.
Mesmo um erro, uma mutação indesejada… o Primordium sustentaria a vida, corrigindo anomalias com precisão. No “pior” dos casos, a criança simplesmente nasceria saudável, mas sem nenhuma melhora.
Lucy, com sua estranha harmonia corporal, força absurda e talentos tão incompatíveis com sua idade, só poderia ser fruto disso.
Um projeto bem-sucedido.
Miguel ergueu os braços à altura do peito e os esticou lentamente, abrindo as palmas até sentir a pele tensionar. Expirou tudo, até o último resquício de ar abandonar seus pulmões. Em seguida, uniu as pernas, ficou ereto e fez uma reverência curta antes de começar um alongamento ritmado.
— E ela ainda disse que nem é a mais forte… — murmurou, inclinando o pescoço até ouvir um leve estalo. — Que existem pessoas da nossa idade capazes de me espancar.
Refletiu sobre isso enquanto alongava os ombros.
Lucy era um gênio. Sua taxa de aprendizado era absurda, mas sua técnica… bem básica. O que indicava que ela mal havia começado a praticar.
Falta de experiência, ausência de malícia, movimentos reativos demais. Era puro talento bruto, sustentado por um corpo excepcional.
Assim sendo, era extremamente difícil mensurar a força média dos outros herdeiros. Lucy falou que muitos eram mais fortes que ela, mas o quanto a mais eles treinaram? Qual era a diferença entre seus talentos puros?
Mas, no fim, aquilo não mudava nada.
Miguel apenas soltou um suspiro leve e fechou os olhos por um instante, sentindo a calma da sala envolver seus pensamentos como um manto quente.
Só estava… curioso.
Curioso o bastante para querer ver até onde esses “prodigiosos” realmente podiam ir.
♦♦♦
O quarto separado para o uso de Miguel era um espaço amplo e aconchegante, decorado de forma simples, mas elegante. Tapetes macios cobriam parte do piso de madeira clara, e a luz suave de abajures espalhava um brilho quente pelo ambiente. Estantes discretas guardavam livros. Sobre a cama, cobertores dobrados e travesseiros cuidadosamente posicionados sugeriam que ali se podia relaxar, mas agora o ambiente estava tomado por tensão e estranheza.
— Mestre... — a voz de Lucy saiu suave, diferente das outras vezes, quase como se tivesse aceitado sua posição. — Desculpa ter te machucado tanto.
Ela aplicava a pomada com cuidado sobre o abdômen de Miguel, dedos esguios massageando a pele roxa em vários pontos. O rosto corado, a respiração acelerada, revelavam uma mistura de preocupação e constrangimento.
— Valeu a pena. Agora tenho a princesinha cuidando de mim e me dando banho. Posso morrer feliz, não é? — disse Miguel, tentando disfarçar a excitação da situação. — Pude até ver o que mais ninguém viu...
Lucy corou ainda mais, desviando o olhar, mas manteve as mãos sobre a pele dele.
— Mas por ter desmaiado e me dado mais trabalho, humpf, merece uma punição!
— Mas, mestre! Eu... eu só... quando tive que — ela encarou a virilha dele, os olhos arregalaram, travando por um instante. — Eu... eu...
— Eu não pedi pra ir tão longe, disse que era só minhas costas e um pouco da frente! Você que não prestou atenção, hein? Heh… que escrava mais patética. Como devo puni-la…
Miguel percebeu a própria estranheza ao falar de forma tão descarada. Sua antipatia por Lucy tinha desaparecido há tempos, mas havia algo de divertido em provocar aquela reação. Ela não parecia odiar; ao contrário, o olhar dela dizia outra coisa, e aquilo enviava calafrios por sua espinha.
Lucy continuava, como se perdida em outro mundo:
— Mas mestre! Eu prestei atenção no que disse… mas… de repente… ficou no caminho… porque subiu… e aí… — as palavras saíam desconexas, a pomada escorrendo e sujando a calça de Miguel. Ele sentiu a veia da testa pulsar. — …eu tinha que tirar do caminho… mas… pensei que talvez… devesse… também…
— Ora, tá me sujando todo! E aquilo… bem que homem não ficaria daquele jeito diante de um corpo tão maravilhoso quanto o seu! Seria estranho se ele continuasse dormindo! — Miguel empalideceu, percebendo o absurdo do que disse.
Mudou rapidamente de foco: — Você já está bem? Não quer voltar e descansar? Line e Lise parecem ter visto você agindo estranho… o que estava fazendo?
Lucy travou. Vermelha como um romã, quase paralisada.
— Não era nada!
— O que? Não vai me contar?! Eu sou seu mestre!
— Não! Eu não tava fazendo nada! Juro!
— Vai continuar mentindo pra mim? Dá pra ver na sua cara que estava aprontando! Heheh… quer mesmo que eu te puna, não é?
Miguel continuou fingindo estar bravo enquanto se cobria com seu moletom preto.
Lucy recuou, engatinhando. Parecia perdida, mas um lampejo de decisão surgiu:
— Eu… hum… o senhor pode me… punir… pode me bater…
Miguel entrou em curto, seu cérebro se recusando a aceitar o que ouviu, ficando estático.
— O que disse?
— …
— Lucy… repete.
— …
— Hehehe… acho que ouvi coisas.
O corpo dela tremia, os lábios trêmulos e os olhos penetrantes denunciando nervosismo e ansiedade, a calça de moletom justa, não era do seu tamanho. As roupas emprestadas por Samira ficaram ótimas nela, dando um ar menos aristocrático e mais de garota moderna.
— Mestre… o senhor pode me bater…
— …Você quer apanhar? — perguntou Miguel, tirando forças de algum lugar.
— Claro que não! — ela gritou, mas Miguel não acreditava. — Eu só falei sem pensar, pra sugerir algo… mas realmente não quero!
— Lucy, venha aqui e deite com o peito sobre meu colo.
— !!! — ela tremia, os lábios trêmulos, olhos penetrantes. Sem protestar, aproximou-se e se deitou. Miguel engoliu em seco, incrédulo.
— Mestre? — chamou ela, assustada e ansiosa, depois de algum tempo.
Miguel hesitou. Algo como isso também estava no “Manual Celestial”, mas ver Lucy assim era… absurdo demais.
— Lucy, quando era mais nova, sofreu algum tipo de punição assim?
— Não, senhor, mestre. Papai e mamãe nunca tocaram em um fio do meu cabelo, no máximo broncas…
— Então, nunca recebeu sequer uma palmada?
— Não… o senhor foi o primeiro, a me machucar, mestre.
A mão de Miguel desceu, firme, mas controlada.
— Pá!
O estalo ecoou no quarto, e ele sentiu a ardência leve, calor se espalhando. A textura, a firmeza… Miguel constatou duas coisas: Lucy provavelmente era mesmo uma M… e, infelizmente, bater na bunda dela era mais gostoso do que bater na bunda de sua amada Mia.
— Ahh! — Lucy se encolheu, cobrindo a boca com as mãos, vermelha como uma romã, visivelmente confusa com a situação.
— Mestre… eu… não doeu tanto… aguento mais… pode me punir como desejar...
— PÁ — desta vez o eco foi ainda mais forte. Miguel gravou o movimento do glúteo, o corpo dela se contraindo.
— Hummm! — gemido abafado.
Miguel ficou pálido. Estupefato. Aquilo era absurdo.
— Lucy… você… está gostando?
— O QUE?! ESTÁ LOUCO?! CLARO QUE N—
— PÁÁ!
— Humm… ahh… mestre…
— …
O que eu fiz? O que diabos eu fiz?
Puta merda…
Ele encarou o teto, pânico misturado à excitação. Maldito corpo! Por que agora, Miguel?!
— Mestre… está… cutucando… minha barriga…
Miguel poderia assumir que estava excitado, efeito natural de tanto estímulo, mas ainda estava em pânico.
— Lucy… pode ir brincar com as meninas.
— Ah… mas... tudo… — a frustração ainda na voz, mas aceitando. — Tudo bem. Obrigada, mestre.
— O que foi que eu fiz… — murmurou sozinho, resignado.
Ainda assim, precisava aceitar. Miguel levantou-se e correu para o banheiro, a cabeça girando com a sequência de acontecimentos.
♦♦♦
Ao longo do resto do dia, Miguel passou a evitar Lucy. Por sorte, a garota também estava distraída, ocupada com Samira e Victoria, que pareciam sintonizadas com o plano das irmãs Beaulieu.
Miguel, por outro lado, estava tenso demais, preocupado demais. Aquela situação havia saído completamente do seu controle. Nunca imaginara que Lucy pudesse ter aquele lado… mas, pensando bem, talvez não fosse tão inesperado, considerando o estilo de vida que ela levara toda a vida e a forma como ele invadira seu mundo.
Revisitar teorias de psicanálise não era algo que seu espírito perturbado estivesse disposto a fazer naquele momento; a mente dele estava ocupada demais com o caos interno para curiosidade acadêmica.
Ele precisava encontrar uma forma de consertar aquilo. Porque, se esse traço de Lucy vazasse quando ela voltasse para a família, investigariam a fundo as causas… e chegariam até ele. Nesse caso, estaria completamente fodido.
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