Primordium Brasileira

Autor(a): Lucas Lima


Volume 2

Capítulo 48: Se curve ao seu mestre

— Então por causa do sequestro e assassinato de um dos herdeiros da Casa Barros, todos os herdeiros passaram a receber treinamentos mínimos de autodefesa.

Miguel falou enquanto mordia um dos morangos banhados em chocolate deixados pela empregada minutos antes, apoiando o cotovelo na coxa.

— Isso mesmo… me-me-mestre… — respondeu ela, de quatro, as costas servindo de assento. A voz tremia entre vergonha e algo que Miguel não conseguia decifrar. — A ideia era nos tornarmos intocáveis. Tanto pela guarda quanto pela nossa própria força. Aquele sequestro foi uma vergonha para as Casas… lembrou aos miseráveis que, por mais superiores que sejamos, ainda podemos morrer.

Miguel arqueou uma sobrancelha.

— E você é uma das mais fortes?

Lucy hesitou.

— … Sim, me... me... mestre. Mas existem alguns que são fora da curva até pra mim. Uns esquisitões que se empolgaram demais com essa ideia. Na minha família, tem muitos da nossa idade incrivelmente fortes, que com certeza iriam esfregar sua—

— Como é? — Miguel inclinou o olhar para baixo.

Ela empalideceu.

— Me per— urgh! — É claro que pedir perdão era como se auto mutilar. Ainda assim ela expressou: — Mil perdões, mestre! O que quis dizer é que existem vários dos nossos subordinados, e membros das ramificações, que se dedicam seriamente a ficar mais fortes. Talvez o senhor não os consiga derrotar ainda…

Miguel viu os olhos dela marejarem. Um fiapo de pena quase surgiu — até perceber algo estranho demais para ser ignorado. Lucy não estava ofegante pelo esforço. Era outro tipo de tremor. Outro tipo de respiração.

Suspeito demais.

— Tudo bem. Seu mestre está fraco por enquanto. Estou em uns cinquenta por cento da minha força real. Patético.

— O quê?! — Lucy quase perdeu o equilíbrio, o que fez Miguel deixar cair um bombom no chão. — Perdão! Eu só… me surpreendi, mestre…

Miguel suspirou.

— Humpf. Não desperdice comida. — Levantou-se devagar, olhando para baixo. A visão arrancou um sorriso involuntário: Lucy, herdeira da Casa Leite, o maior tesouro deles, ajoelhada, os longos cabelos caídos, o vestido amarrotado, o corpo servindo de assento. — Coma. Não sujou.

— M-mestre?! Eu—

O sorriso dele suavizou, belo de um jeito irritante.

— E sem usar as mãos.

Lucy congelou.

Depois, inclinou-se. Lentamente.

Os lábios se abriram, delicados e tensos, e ela agarrou o doce com um rubor que parecia incendiar o rosto inteiro. Quando engoliu, Miguel viu… algo. Um micro sorriso? Uma microfratura emocional? Talvez esteja cansado cansaço. Talvez sua imaginação esteja o pregando peças.

— Tô cansado da luta. E machucado também. — Miguel girou o pescoço, estalando-o. — Venha me ajudar no banho.

Lucy praticamente saltou do chão.

— !!!! — o som explodiu dela como um choque elétrico.

— Hm? Vai voltar atrás na sua palavra? — Miguel ergueu um olho, a voz baixa, firme.

— Mas… isso passa do que acordamos! — Lucy bateu o pé, mas o brilho nos olhos denunciava qualquer coisa menos recusa. Expectativa. Confusão. Algo lutando dentro dela. E quando percebeu isso, empalideceu, como se a própria alma tivesse tropeçado.

— É claro que não passa. — Miguel cruzou os braços ignorando veementemente o que via, como se isso negasse a realidade que parecia cada vez mais apontar para o que imaginou instantes atrás. — Nosso acordo diz que você seria minha escrava até domingo e obedeceria a tudo o que eu pedisse, exceto pedidos que comprometam sua virgindade. Lavar meu corpo não quebra essa regra. Aliás, é você quem estará me tocando, não o contrário.

Ele apontou para si com arrogância natural.

— Deveria estar grata de contemplar e apalpar esse corpo divino que só minhas mulheres têm direito.

— Seu bastard— — o insulto morreu no ar quando ela encontrou o olhar dele. Silêncio. Um assentir tímido, cabeça baixa… e, Miguel jurava, um quase sorriso nos cantos da boca.

Ou talvez fosse só o cansaço. Lucy tinha acertado muitos golpes na cabeça dele.

Provavelmente era isso...

♦♦♦

Lucy foi arremessada por vários metros, os sapatos raspando no gramado até ela recuperar o equilíbrio com uma careta curta de dor. Miguel avançou antes que ela respirasse direito — não haveria mais gentileza ali.

Num único passo, cortou a distância. O direto apontado para o plexo solar dela era limpo, decidido; se acertasse, no mínimo quebraria o ar da garota, talvez encerrasse a luta ali mesmo.

Mas ele parou.

O tronco inclinou-se para trás por instinto, uma sombra passando rente à sua visão — o arco perfeito da perna de Lucy varreu o espaço onde seu rosto estava.

O comprimento total da perna dela é de 98 cm. Alcance de chute: cerca de 140 cm. Velocidade… 22 metros por segundo. Força no impacto, algo na casa dos 4000 N.

Miguel recuou meio passo, sentindo no antebraço a vibração do vento cortado.

Uma monstrinha, definitivamente. Talento bruto demais. Mas uma técnica básica demais. Ela não tem muita experiência em lutas reais.

Lucy pousou, girando o corpo para um novo chute, e Miguel absorveu a postura dela com um olhar calmo.

Com minha resistência atual, posso aguentar algumas dezenas desses antes de ficar arriscado. Interromperei minha regeneração para os próximos passos depois da luta.

Ela avançou de novo, o chão tremendo sob o ímpeto do salto. Miguel inclinou o pescoço, desviando por centímetros.

Nossas capacidades físicas estão quase no mesmo nível. Se fosse o eu de três meses atrás… isso seria desesperador. Agora, não.

Outro chute veio, vertical, rápido demais para qualquer espectador comum. Miguel ergueu o antebraço e bloqueou — o impacto repercutiu pelos ossos, mas a expressão dele permaneceu vazia.

Certo. Análise de corpo concluída. Só preciso ajustar a leitura fina, golpe a golpe, até ter todos os dados.

Lucy recuou um passo, suando, o peito subindo e descendo. Miguel avançou de novo, a sombra do sorriso mínimo surgindo no canto de sua boca.

Depois disso… a vitória é inevitavelmente minha.

♦♦♦

O que é isso?

Que inferno é esse desconforto que tá me corroendo?

Cada segundo preso nele me aperta mais, como se minhas pernas estivessem grudando numa teia de aranha invisível.

Eu tenho certeza — certeza — de que sou um pouco mais forte que ele. Então por que meus golpes parecem não fazer nada nele?

Droga… meus antebraços ainda estão dormentes por causa daquele soco.

Esse filho da puta tá realmente usando tudo que tem contra mim, contra essa linda princesa?!

Quem ele pensa que é?! Ninguém nunca encostou em mim daquele jeito!

Não. Não posso pensar nisso agora.

Se eu perder… o que ele vai fazer comigo?

Eu disse que ia transformar ele no meu cachorro… mas e se ele pedir o mesmo?

Eu não posso perder.

Isso seria humilhante. Isso—

Meus pensamentos entram em curto quando trocamos outra sequência de golpes.

Minha respiração tropeça, irregular, como se meu corpo estivesse preso ao ritmo dele.

E ele… ele continua lá, calmo, composto, como se nada disso importasse.

Como alguém pode ser tão irritante?!

Ele não liga pra quem eu sou. Fala comigo de um jeito que ninguém nunca ousou. Como se eu fosse só… mais uma.

E ainda teve a ousadia de me mostrar aquela coisa.

E cair em cima de mim com aquilo encostando na minha bochecha…

A textura… o formato… eu quase consigo ver e sentir...

Droga.

Foca, Lucy. Foca!

Levanto o cotovelo por puro instinto e sinto o impacto vibrar pelo braço inteiro. Se aquele golpe tivesse acertado, seria meu fim.

Onde diabos eu tô com a cabeça?! Por que tô pensando nessas merdas agora?!

Mas… bom… também foi culpa minha.

Se eu não tivesse puxado a calça dele…

Porra! Para de pensar nisso!

Finalmente acerto um soco que o faz recuar. O som úmido quando ele cospe sangue me dá um micro orgulho — que evapora no instante seguinte quando ele limpa a boca sem perder aquela serenidade irritante.

Como ele consegue ficar tão calmo…?

Esses olhos negros…

Meu coração treme toda vez que encaro eles.

Nunca dá pra ler o que se passa ali dentro.

Na superfície ele parece um canalha, um pervertido, um demônio…

Mas lá no fundo existe algo que não vejo em ninguém da nossa idade.

Uma profundidade estranha, firme, velha…

E isso me assusta.

Ele avança.

Eu ergo a guarda… e só então percebo o cansaço me atravessando.

Enquanto eu perdia tempo com pensamentos idiotas… ele já tinha recuperado o folego.

Eu vou perder?

Eu vou mesmo perder?

Um arrepio me sobe pela espinha — metade medo, metade algo que eu não sei nomear.

Sinto um calor inexplicável se acender dentro de mim, pulsando, vivo, como se algo tivesse acordado no fundo do meu peito.

Eu não posso perder.

Eu NÃO posso.

Mas se eu perder…

O que ele vai fazer comigo?

Ele poderá até mesmo…

O calor aumenta, absurdo, quase como se fosse me queimar por dentro. Meu corpo fica leve.

Leve demais.

É como se de alguma forma isso me deixasse mais forte, mesmo enquanto a sensação de estar encurralada aumenta.

Mas se ele vencer…

Não pensa nisso.

Um impacto. Dor. Ele avançando de novo. Meu cérebro travando — por quê? Por quê agora?

Não pensa nisso!

Mas… e se ele… com aquela coisa…

CHEGA.

Se eu perder, e ele pedir o mesmo que eu pedi…

Eu serei a cadela dele?

O calor explode.

Uma onda de formigamento sobe pelas minhas pernas, pelas costas, pelo pescoço.

Ridículo. Perigoso. Incontrolável.

Eu não posso perder!

Eu não posso—

Mas… se eu perder… e ele...

Com aquela coisa…

PARE!

♦♦♦

Miguel não fazia ideia do que se passava na cabeça daquela maluca. Só sabia que, de repente, Lucy começou a ficar lenta. Desatenta. A respiração dela vinha quebrada, arfada, como se cada troca de golpe drenasse mais do que deveria. A hesitação na base, dilatação das pupilas, atraso de meio segundo no timing dos chutes. A capacidade de combate dela simplesmente reduziu muito de um hora pra outra.

E o pior: ela não o encarava mais. Desviava o olhar o tempo todo — e quando finalmente encarava, parecia se perder em alguma coisa que ele não conseguia entender.

A pele inteira dela estava corada, como se tivesse febre. Mas, num paradoxo irritante, seu corpo continuava firme. Mesmo travando no meio dos movimentos, a força não diminuía. A técnica era básica, mas o físico dela continuava monstruoso.

Não importa.

A análise está completa.

E também já levei danos o suficiente para o que quero fazer. É hora de encerrar isso.

O corpo de Miguel pulsava de dor. Sentia os hematomas espalhados pelos braços, tronco e pernas — lembranças de cada golpe que ele deixou passar de propósito. Poderia ter evitado noventa por cento deles. Poderia estar se curando agora mesmo. Bastariam algumas horas para seu corpo apagar qualquer marca.

Mas aquelas marcas tinham propósito.

Ele caminhou devagar em direção a Lucy. Não como antes, quando avançava com pressão, testando o limite dela; agora a aproximação era controlada, silenciosa. Quase estudiosa.

Lucy respirava de forma irregular, mas o olhar… o olhar estava estranho demais. Às vezes, pura determinação brilhava — uma recusa orgulhosa, feroz, de perder para ele. No instante seguinte, esse brilho cedia para algo mais suave. Algo que Miguel não sabia classificar.

Ele iniciou com uma finta simples: palma esquerda avançando, aberta.

Lucy reagiu bem. Empurrou a mão dele em vez de tentar agarrá-la, criando distância — um movimento inteligente. Ela sabia que, se ele segurasse, poderia derrubá-la. O problema é que Miguel também sabia que ela faria isso.

E sabia que, por causa daquele recuo, com a perna esquerda atrás, todo o eixo defensivo da direita estava comprometido. Fisicamente, mecanicamente, Lucy não teria base para defender o próximo ataque.

Miguel girou o quadril.

Seu pé descreveu um arco veloz.

Lucy arregalou os olhos. O braço direito subiu para bloquear o chute que mirava seu rosto — mas travou no meio do caminho. O pé dele simplesmente desceu no final.

A pancada na coxa dela explodiu como um estalo seco. A perna dela cedeu. O corpo perdeu o equilíbrio. Nos olhos dela o caos, o medo estampado, sabendo que era seu fim.

Miguel avançou antes que ela tocasse o chão.

Passou o braço por dentro dos dela, girou o corpo, encaixou a lateral do próprio tórax no pescoço dela.

Um katagatame limpo. Preciso. Finalização inevitável.

A respiração quente de Lucy bateu contra o ombro dele, curta e trêmula — e pela primeira vez, Miguel sentiu o corpo dela desmoronar, não por falta de força, mas por exaustão pura.

Tentou se debater um pouco, mas logo seus olhos foram fechando.

Ele apertou só o suficiente.

— Bons sonhos, princesa.

♦♦♦

— O QUÊ?! O QUE FOI QUE VOCÊ DISSE?!

O berro de Lucy quase abriu um rombo nos tímpanos de Miguel. Ele fez uma careta imediata.

— Você ouviu muito bem — respondeu, esfregando o ouvido. — Até domingo, você vai cumprir a aposta. Vai me chamar de “mestre” e obedecer a tudo que eu pedir. Palavra é palavra, certo?

— M-Mas isso é…! Isso é…!

— Humpf. Eu estava disposto a virar seu cachorro se tivesse perdido. E você não consegue ser minha escrava por dois dias? Aliás, nem dois… um dia e meio. E calma — ergueu a mão. — Não vou pedir nada absurdo. Eu entendo sua posição, não vou forçar nada que afete sua posição social, então relaxe, não vou roubar sua flor.

Lucy ficou vermelha até a raiz do cabelo, quase fumegando.

— Você promete?! — perguntou ela, a voz alta demais, mas carregando uma coisa estranha… quase expectativa. Miguel não entendeu nada.

— Você não está em posição de exigir promessa nenhuma — retrucou. — Vai voltar atrás com sua palavra?

Lucy estufou o peito, indignada.

— É CLARO QUE NÃO! Eu sou Lucy Leite! A mais importante da minha família! Eu nunca volto atrás numa aposta! Mesmo quando é humilhante! Eu… eu terei minha vingança, seu idiota!

Miguel sorriu torto.

— Ótimo. Então, princesinha… fique de quatro.

— O quê?!

— A luta me cansou. Vou sentar. Anda logo.

— SEU DESGRA—

Miguel encostou o dedo nos lábios dela e balançou a cabeça devagar.

— Mestre. Lembra?

O corpo dela tremeu inteiro. Rubor intenso subiu-lhe o rosto. Mas ela desceu. Lentamente. Até ficar na posição exigida. O olhar ficou vazio por um instante — devastação pura no orgulho — como se sua alma tivesse ido parar em outro plano.

Miguel se sentou nas costas dela como quem senta num banquinho improvisado.

Lucy estremeceu toda, mas…

Quando ele olhou de lado, quase caiu para trás: os lábios dela tremiam como se uma tempestade interna estivesse acontecendo, o peito subindo e descendo como se ela tentasse processar tudo.

Que diabos é isso? pensou.

Antes que chegasse a alguma conclusão, uma empregada surgiu com um pratinho de chocolates. Congelou ao ver Lucy naquele estado — de quatro, rosto vermelho, expressão indescritível.

Lucy petrificou — literalmente — como uma estátua de mármore corada.

A empregada apenas entregou os doces para Miguel com os olhos arregalados… e fugiu como se tivesse testemunhado algo proibido.

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