Volume 2
Capítulo 47: A solidão dos gênios parte 2
Miguel soltou apenas um sopro breve pelo nariz, como quem descarta uma provocação com elegância.
— Acha mesmo que eu contaria quem sou só porque você perguntou?
Lucy piscou várias vezes, como se tentasse alinhar pensamentos que se dissolviam antes de virarem palavras. Os lábios se mexiam, frágeis, indecisos — nada saía.
— A menos, claro, que você se torne minha amiga — Miguel abriu os braços num gesto leve, quase teatral, como se estivesse lembrando o óbvio. — Amigos compartilham segredos. Mas, nesse caso… eu também teria que conhecer alguns segredinhos dessa linda princesa. O princípio da confiança é a igualdade.
— Humpf! E quem disse que eu quero ser sua amiga? — ela ergueu o queixo, tentando recuperar terreno. — E você realmente acredita que eu não poderia descobrir quem você é com os recursos que tenho?
Miguel sabia que ela jamais faria isso. Lucy era orgulhosa demais para recorrer ao poder da própria família só para o investigar. Seria admitir interesse — e admitir interesse estava além do que o ego dela permitiria, sem contar que se fizesse isso, sua família questionaria o motivo dela estar interessada nele, seria a pior coisa pra ela.
E, ainda assim… ele tinha certeza absoluta de uma coisa: Lucy já tinha mordido a isca.
A pequena princesa — criada em seda, cercada de aplausos desde o berço, tratada como joia rara — encontrou nele algo que não sabia processar. Uma quebra de padrão. Uma anomalia sedutora.
Ele surgiu tomando um espaço que, na cabeça dela, sempre lhe pertenceu por direito. As irmãs Beaulieu, que raramente demonstravam favoritismos, o trataram com um mimo descarado — empurrando Lucy para a margem sem delicadeza alguma.
Depois, quando ela exigiu que ele dissesse quem era… ele simplesmente a ignorou. Um gesto que esmagava seu orgulho de forma inédita.
No xadrez, ela revelou sua identidade com a confiança de quem espera uma reação. Ele manteve a mesma calma. Como se nada daquilo tivesse importância. E ainda a venceu no que parecia ser seu jogo preferido e baseado na confiança que ela transmitia, talvez nunca tenha perdido pra alguém antes.
E então veio o episódio tragicômico… quando ele caiu com a rola na cara dela, o choque, o soco, o vexame — e tudo culpa dela; não era a melhor memória para se plantar na cabeça de Lucy... ao menos era inesquecível.
E agora, instantes atrás, ele tocara piano diante dela. Mas não apenas tocara. Ele a transportara, arrancando dela lágrimas. Ela, que crescera cercada das composições mais refinadas, ficou desarmada diante de algo que não conseguia explicar.
E, por fim, o golpe definitivo: ele tinha Primordium.
E não vinha de nenhuma grande família.
A mente dela não poderia aceitar esse vazio. Precisava preenchê-lo.
O cérebro detesta lacunas.
Detesta mistério.
E justamente por isso, se deixa laçar por ele.
Quando não temos informações suficientes sobre alguém, o cérebro entra em modo preditivo: tenta completar o quebra-cabeça. E isso aciona mecanismos profundos — dopamina de busca, antecipação, excitação. O querer saber se torna mais viciante do que a resposta em si.
Miguel não precisava que Lucy se apaixonasse naquele instante. Nem seria plausível. Mas havia outra dinâmica, tão poderosa quanto.
Algo que imita a paixão.
Algo que confunde o raciocínio.
Algo que ocupa espaço demais na cabeça.
Ele sabia exatamente como aquele mecanismo psicológico funcionava.
E já tinha plantado a semente.
Se era para ir com tudo, iria sem hesitar.
Céline estava certa: Lucy seria essencial. Ele precisaria dela quando chegasse o momento decisivo.
O sentimentalismo… esse, ele guardaria para depois.
— Você não tem amigos, não é, princesa?
Lucy ficou vermelha de imediato — não de vergonha, mas de raiva quente.
— Como assim não tenho amigos?! É claro que tenho amigos!
— Então me diga o nome de três deles.
A resposta veio em silêncio. Lucy congelou; as mãos tremularam, os olhos brilharam perigosamente, prestes a transbordar.
— Eu não estou zombando de você, princesa — Miguel suavizou o olhar e esboçou um sorriso gentil, o tipo que desarma defesas sem pedir permissão. — Por mais que duvide, eu sei como é essa sensação. A alienação por ser diferente demais… o medo que os outros criam por causa de ideias idiotas. Quando percebeu que era distinta de todos, tentou parecer normal, para não ficar sozinha, não é?
Lucy desviou os olhos. Uma respiração curta mal conseguiu sair.
— E, no fim, não deu certo. Isso só te frustrou. E… acabou solitária do mesmo jeito.
Miguel se aproximou devagar. Ela recuou um passo. Depois outro. E mais um — até a parede impedir o próximo. Ele não a encurralou; apenas diminuiu a distância com uma presença silenciosa, firme, mas não agressiva.
— Princesa… você se sente solitária, não é? — a voz dele era baixa, quase um sussurro. — Quase ninguém entende a dor que acompanha uma mente brilhante. As pessoas veem arrogância. E, bem, somos mesmo um pouco arrogantes, hehe… mas não somos só isso. Também queremos conexão. Queremos amigos. Queremos, às vezes, só ser normais.
Lucy o encarava fixamente. O rosto erguido, os olhos presos aos dele, vulnerável sem perceber.
— Ontem, você queria brincar com a gente. Mas achou que seria rejeitada. Então se trancou na sua armadura, negando os outros antes que pudessem te negar. Mas quando eu te chut— joguei na piscina… o quanto você se divertiu mesmo?
As bochechas dela foram ficando coradas, lentamente, como tinta espalhando no papel.
— Você estava linda sorrindo daquele jeito. Bem melhor do que essa cara emburrada que faz para manter as pessoas afastadas. Uma princesa tem que sorrir e roubar corações, sabe?
Miguel quase sentiu culpa por manipular aquele ponto frágil.
— Vic é um absurdo de talento — continuou. — Talvez até mais que nós dois, embora não tenha o Primordium. E Samira… mesmo sem genialidade, viu o quanto ela é incrível, não é?
Lucy assentiu, ainda ruborizada.
— Heh… então eu estava errado. Essa princesa tem sim amigos. Victoria e Samira gostam de você. E pode confiar nisso: se não gostassem, não dariam a mínima para o seu título. O que sentem é verdadeiro.
— E você? — ela perguntou, a voz baixa, misto de expectativa e receio. — O que você é?
Miguel inclinou a cabeça, provocativo.
— Não sei. Me diga você.
Lucy respirou fundo. Algo brilhou nos olhos dela, e então disparou:
— Você é uma barata.
Miguel quase caiu ali mesmo.
— Desprezível. — Ela deu outro golpe. — Pervertido. Predador sexual. Inconsequente. Arrogante.
Ele piscou várias vezes. Ei, ei, ei, calma lá…
Mas antes que sua alma saísse do corpo, ela completou:
— Mas… eu permito que seja meu amigo — murmurou, desviando os olhos. — Só que com uma condição.
— Ah é? E que condição é essa?
— Você terá que me vencer de novo.
— Outra partida de xadrez? Agora que sabe o truque que usei, vai me triturar. Não é injusto?
Lucy fez um beicinho irritado, empurrou o ombro dele e deu dois passos para longe, recuperando sua postura de princesa mimada, porém perigosa.
— Nada de xadrez. Vamos fazer do jeito antigo. Como nossas famílias fazem quando querem exibir os próprios talentos. Um simples e direto: duelo.
Duelo? Miguel quase riu. Soava ridículo — tão ultrapassado.
— Princesinha, se espera que eu pegue leve só porque é fofa, pode esquecer.
— Heh! — Lucy riu com desprezo afiado. — Eu vou fazer você comer terra enquanto piso na sua cabeça.
Ele engoliu em seco. Essa garota é criativa até demais no sadismo.
— Ah, e como eu disse ontem, terei minha vingança! Se eu vencer, sua vida será minha!
— Ei! Pera aí! Que aposta absurda é essa?! — Miguel quase engasgou.
Ela murmurou algo inaudível, cruzou os braços e completou:
— Tudo bem, então só vou fazer você andar daqui até o Cristo Redentor pelado e plantando bananeira.
Miguel arregalou os olhos.
Quantos parafusos essa guria tem soltos?!
Mas o sorriso que se formou em sua boca foi perverso, provocador.
— Heh… quer vê-lo de novo, é isso? Não somos amigos nem amantes, mas talvez eu abra uma exceção para uma princess—
Um chute passou rente à sua cabeça — um borrão vertical — e Miguel sentiu o suor gelado escorrer pelas costas. Se aquilo pega, lá se iam três dentes, fácil.
Mesmo com o coração disparado, não perdeu a chance:
— Uau… você é realmente boa, princesa. Aliás, a de hoje está ainda mais bonita que a de ontem. Vermelho e rendinhas… combina com você.
Ele correu antes que o próximo golpe viesse — fugindo com um sorriso diabólico enquanto uma princesa furiosa vinha atrás, prometendo um futuro tão agoniante que ele até considerou a ideia de estar morto ser mais confortável.
Na parte leste do exterior da casa, Miguel e Lucy permaneceram imóveis por alguns segundos — apenas olhos fixos, tensão pura, nenhuma postura de combate declarada, mas cada mínima fibra em alerta. A grama alta balançava, arranhando o ar como se percebesse o risco de explosão entre os dois.
Por sorte aconteceu aquilo. Lucy vai evitar chutes altos por vergonha de eu ver sua calcinha… isso reduz muito o potencial dela. Se ela usasse tudo, essa luta ficaria complicada. Essa princesinha é mais forte que Victor.
O pensamento foi seco, técnico, frio. Ele analisava a garota em silêncio, absorvendo detalhes que passariam despercebidos para qualquer um que não tivesse vivido tantos combates.
Ontem na piscina, além de apreciar o corpo dela — claro que não deixaria a oportunidade escapar — percebeu que Lucy não era como Victoria ou Samira. Nada de magreza elegante: o corpo dela era definido, esculpido por treino real. Abdômen chapado com marcas sutis, pernas torneadas, panturrilhas densas, músculos dos braços claramente delineados mesmo sem tensão. Não era um corpo conquistado com conforto, mas com disciplina.
E, acima disso, havia seus instintos. Seus sentidos, afiados pela vida inteira na beira da morte, gritavam a mesma coisa: Lucy era perigosa.
Isso o fez cogitar algo incômodo: será que outros herdeiros também treinavam? Lucy mencionara que, mesmo entre os melhores, ninguém igualava sua regeneração. Mas… por que alguém da elite precisaria buscar força?
— Princesa, vai mesmo lutar com esse vestido? — Miguel ergueu uma sobrancelha, os lábios puxando um sorriso provocador.
Lucy tocou a saia, indiferente. O vestido era um híbrido elegante de era vitoriana com modernidade contemporânea — lindo, mas nada prático.
— Humpf! — ela resmungou, inflando as bochechas. — Deveria se preocupar em como vai se despedir de suas mulheres quando virar meu cachorro.
Miguel soltou uma risada aberta.
— Nesse caso, quando eu a vencer, espero que não volte atrás na palavra.
A cor subiu instantaneamente até a raiz do cabelo dela. Raiva e vergonha travaram uma batalha no rosto da garota.
— Eu… — Lucy se encolheu um pouco, desviando o olhar. — … quando eu fizer você comer terr—
Miguel não esperou o fim. A distância de cinco metros ruiu num único avanço.
O corpo dele se lançou adiante como um estalo. A palma da mão aberta buscou o queixo dela, de cima para baixo, um golpe pensado para finalizar a luta num único impacto.
A mão cortou o vazio.
Antes que pudesse recuperar o movimento, um chute alto veio da direita — rápido demais para a roupa que ela usava ser um impedimento.
Miguel só teve tempo de erguer o antebraço.
O impacto explodiu contra o osso. Ele deslizou alguns passos para trás, sentindo a dormência subir pelo braço como uma corrente elétrica.
— Hehehe… — Lucy inclinou a cabeça, sorriso cheio de desprezo. — O que achou disso? Eu aprendi c-o-m V-O-C-Ê.
Miguel baixou o rosto por um instante. O sorriso que surgiu era quase perigoso. Tinha provado o próprio veneno. Ela fingira abaixar a guarda só para devolvê-lo o truque.
Lucy agora adotava uma postura real de combate, olhos mais sérios, respiração controlada.
Miguel ergueu o rosto e a encarou.
— Talvez eu me apaixone por você, Lucy.
Os dedos dela tremeram. O rubor que subiu dessa vez não parecia provocado — parecia real. Miguel sentiu o ritmo dela vacilar por um segundo… mas não atacou.
— Aliás — ele continuou, inclinando levemente a cabeça — como consegue dar esses chutes incríveis usando esse vestido?
Droga. Agora ela não vai se segurar. Se essa luta se estender ao ponto de termos que usar o Kaihōtai, eu perco. E… por falar nisso… ela é como eu. Ela consegue usar essa habilidade de forma consciente… Lucy, você é mesmo especial.
É mesmo difícil machucar pessoas bonitas… esse nosso maldito cérebro.
Miguel então expulsou os pensamentos desnecessários com um suspiro.
A mudança repentina no ar fez Lucy franzir o cenho. Ela recuou um passo sem perceber, como se algo na postura dele tivesse ficado… diferente. Mais afiado. Mais silencioso.
Então—
— …!
Os olhos azuis dela se dilataram de imediato. Um brilho instintivo de pânico acendeu no fundo — o corpo reagindo antes do raciocínio. Ela mal teve tempo de erguer os braços quando o punho de Miguel já vinha descendo na direção de seu rosto...
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