Primordium Brasileira

Autor(a): Lucas Lima


Volume 2

Capítulo 45: Teste

Era inevitável deixar os suspiros escaparem; os dedos de Éloise eram maravilhosos.

Vic se sentia no paraíso. Cada músculo cedia devagar, entregue ao conforto quente que percorria seu corpo. O vapor subia em espirais preguiçosas, enevoando o ar e deixando a luz amarelada das luminárias mais suave, como se o banheiro inteiro respirasse junto com elas. A água quentinha nos pés criava pequenas ondas no piso raso, refletindo a luz em brilhos vacilantes.

O enorme banheiro — o principal da casa, amplo como uma casa de banho inteira — tinha paredes de pedra clara, sempre úmidas pelo vapor, e nichos com plantas tropicais que adoravam o calor. O som constante da água escorrendo de uma fonte decorativa preenchia o espaço com um ritmo gentil. Só estavam as duas ali.

Vic sentava-se num banquinho marfim, de costas para Éloise, que ocupava outro banquinho logo atrás. A cada movimento dos dedos de Éloise, a espuma se acumulava entre os fios loiros, e o aroma suave de seu perfume se misturava ao vapor: quente, floral, com um fundo cremoso que parecia abraçar o ar.

Era muito cedo. Tinham passado quase toda a noite e madrugada rindo, brincando e provocando Lucy — que, surpreendentemente, se juntou à noite das meninas. Agora Lucy e Samira dormiam profundamente, agarradinhas na cama de Éloise. Vic, que acordou assim que Éloise se levantou, a acompanhou para o banho. Também queria aquele momento a sós com… sua segunda sogra? Ou seria terceira? Como deveria organizar essa hierarquia?

— Lise, o plano é fazer a Lucy se apaixonar por Mi?

Vic percebeu Éloise gargalhar docemente enquanto enxaguava as mãos na bacia ao lado.

— Você com certeza supera o Miguel nesse aspecto, essa capacidade de leitura. Oh, minha querida Vic, você me fascina cada vez mais.

Victoria sorriu, bochechas ardendo. A espuma escorreu pela nuca e ela arrepiou, instintivamente inclinando a cabeça para trás, buscando mais um pouco do toque.

— Hm. É bem isso que falou. Esse seria o melhor resultado possível… mas, se conseguirmos ao menos fazer com que ela crie um laço profundo com ele, já será valioso. Mi vai precisar de aliados poderosos. Ter a princesinha de uma das quatro maiores famílias ao lado seria maravilhoso.

— Entendo… isso seria mesmo importante.

Vic passou o dedo pelo vidro embaçado à frente, desenhando sem pensar. O gesto denunciava sua inquietação.

— Pode se abrir comigo, minha pequena. Não quer ver seu amado com mais mulheres? Ou é outra coisa?

Vic fez beicinho e soltou um suspiro.

— Mia já era namorada dele desde o começo. E eu também quero aproveitar cada pedacinho daquela delícia… ops…

Ela congelou. A espuma parou de se mover por um instante. A mãe da delícia estava literalmente atrás dela.

Mas Éloise apenas riu.

— Ahahaha! Você realmente fala sem pensar, não é? Mas eu adoro isso. E minha filhota é uma gatinha mesmo. Não passamos noites em claro só pra criar um corpo funcional — ela tinha que ter o apelo de uma gostosa e o charme de uma princesa. Uma combinação capaz de destruir corações e causar guerras!

— Ah! Eu sabia! — Vic estalou os dedos com satisfação. — Sempre achei que a Mia tivesse um corpo lascivo escondido por aquela aura angelical!

— Mas é claro! Não é qualquer vagabundo que usufruiria do esplendor dela. Só quem ela amasse. Ah… aquele Miguel é um homem de sorte.

— Sobre a Samira… — Vic gargalhou antes de voltar ao assunto. — No começo eu tinha pena dela. Aí afogava meu ciúme em condescendência. A pobre Sam, tão incrível, mas tão cega sobre si, tão dependente do olhar dos outros…

Éloise afastou os fios molhados do pescoço de Vic, ajeitando-os com delicadeza.

— Agora você a ama, e esse ódio quase não existe mais, não é?

— Hehe… é. A Sam de agora é tão mais viva, tão mais ela… e eu ainda vou devorar aquela pardinha um dia.

— Hehehe! Você é voraz. Eu aprovo! Faça nossa filhota ver estrelas, nem que precise virá-la do avesso!

Ambas ergueram o polegar, sorrindo com uma cumplicidade perigosa.

Apesar das palavras safadas e exageradas, Victoria sabia do desejo profundo de Éloise: Ela quer que a filhota dela seja desejada, amada, vivida. Que ela experimente prazer, afeto e intensidade; que não seja uma boneca perfeita trancada num pedestal, mas alguém que realmente usufrua do corpo e da vida que foi criada para ter.

— Mas então… você não sente ciúme da Mia nem da Sam. Mas sente que pode ficar para Lucy?

Vic esfregou o braço, deixando a espuma deslizar.

— Hm. Até eu… alguém tão arrogante e confiante… me senti abaixo dela. Lucy é linda como a Mia, e ainda tem poder, status… coisas que eu não tenho no momento. É como comparar a lama e o céu…

— Oh, minha filhotinha… — Céline a puxou num abraço carinhoso. — Como você mesma disse, isso é só no momento. Tenho certeza — e sei que você também sabe — que vai alcançar alturas inimagináveis.

Então resmungou: — Ah… o problema de vocês gênios precoces é sempre querer carregar o mundo sozinho. Mas tudo bem. Você já tem consciência disso, então não preciso te dar sermão.

Victoria assentiu. Sabia disso.

No fundo — não, em cada célula de seu corpo — ela acreditava que alcançar o topo era inevitável. Arrogância? Prepotência? Síndrome de deus? Tanto faz. Essa fé doentia era um dos pilares que sustentavam Victoria como pessoa.

Ainda assim, sabia que era natural que sua convicção fosse abalada às vezes. Que o mundo a testasse. Que a realidade a empurrasse. E era justamente por isso que conseguia ser tão honesta consigo mesma — e com Éloise.

Após desabafar, Victoria sentiu-se muito mais leve. A água quente corria pela fonte ao lado, soltando pequenas nuvens de vapor que desfaziam a frieza do azulejo branco. O cheiro suave de óleos florais pairava no ar, misturado ao aroma do condicionador que Éloise espalhava pelos fios loiros de Victoria.

E também...

Aquele alívio abriu espaço para o assunto que mais remoía dentro dela.

— Lise...

— Sim, minha princesinha? — a voz macia, quase cantarolada, acompanhada do deslizar dos dedos entre seu cabelo.

Victoria sorriu. Fazia tanto tempo que não sentia aquele tipo de carinho… um calor que doía de tão familiar. Mas respirou fundo e deixou a pergunta escapar:

— Seja honesta comigo… essa tal Katharine Brassard Reis que Mi disse ser mãe dele, é uma mentira, não é?

Os dedos de Éloise congelaram por um segundo. Curtíssimo, mas suficiente. Depois, voltaram a massageá-la, como se nada tivesse acontecido.

— Por que acha isso? — Éloise perguntou, ainda serena.

Victoria manteve o sorriso, mesmo com o alerta soando dentro dela. Era como atravessar gelo fino.

— Eu não duvido que essa mulher exista. A Julia, uma amiga nossa, encontrou pistas dela, mesmo que o Mi não tenha aceitado pagar pelo conteúdo.

Aos poucos, Victoria ajeitou-se no banquinho, sentindo a água morna bater em sua nuca enquanto tentava organizar as ideias.

— Quando ele e Mia contaram sobre a origem deles, deixaram claro que suas existências não podiam vazar pros de cima. Principalmente pros Mendes. Segundo ele, essa Katharine era alguém muito importante na Farmacêutica Mendes, com segredos sobre o Primordium capazes de derrubar o status e o poder deles.

A lembrança passou pela mente como uma onda vaga, e ela continuou:

— Na época eu não pensei muito nisso. Tava empolgada demais com meus amores entrando pra nossa família. Mas, depois… depois que parei pra refletir, eu senti algo estranho. Era mais um pressentimento do que uma conclusão. Com o tempo, deixei isso pra lá. Até ontem. Até agora.

O vapor do banheiro subia devagar, distorcendo a luz amarela aconchegante. Victoria observou o movimento, respirou fundo, e prosseguiu:

— Depois do que conversamos… percebi duas coisas: primeiro, que vocês duas realmente amam ele de forma incondicional e fariam qualquer coisa por ele. Segundo: que querem criar um laço com a Lucy pra que, no futuro, ela apoie o Miguel. Mesmo que precisem manipular aquela mimada. E se a melhor aposta é o casamento entre eles… isso significa que o inimigo do Mi é tão poderoso que só alguém como a Lucy pode enfrentá-lo.

As gotas da fonte tilintaram no silêncio.

— E aí comecei a pensar… que tipo de segredo poderia abalar os Mendes? Eles realmente têm algo a temer da opinião pública? Ou de outras casas? Para que algo os ameaçasse, teria que ser devastador... tão devastador, que não consigo imaginar tal coisa existindo.

Victoria umedeceu os lábios, o coração batendo rápido.

— Ou então… a mãe do Miguel é alguém que, por si só, representa uma ameaça. Não por segredos, mas por existir. Uma Katharine Brassard Reis… não consigo imaginar que ela seja essa existência ameaçadora. Julia achou material sobre ela fácil demais...

O vapor se ergueu em uma baforada quente quando Victoria completou:

— E tem o fato de que os Mendes e os Leite não se bicam. Entre todas as principais famílias, são os únicos que não casam seus descendentes entre si. Nesse caso Lucy seria provavelmente a melhor das opções como um apoio político pro Miguel… e como arma contra o maior inimigo dele.

Ela respirou fundo.

— Então, juntando tudo isso… só consigo pensar que a mãe do Miguel é alguém extremamente inigualável. Muito mais do que uma... Katharine Brassard Reis de quem ninguém nunca ouviu falar por aí.

A sensação repentina foi brutal: mesmo no calor do banheiro, uma onda gelada percorreu sua pele. Seus pelos se eriçaram como se o ar tivesse mudado.

— A única pessoa que me vem à mente capaz de pintar essa imagem é… Sar—

O nome morreu ali.

O ar sumiu. A pressão caiu sobre seu corpo como se uma montanha tivesse despencado sobre ela. Nenhum músculo respondeu. Nem pálpebras. Nem dedos. O próprio coração parecia tropeçar.

EU VOU MORRER

Só isso preenchia sua mente.

— Victoria Moroz — a voz de Éloise soou atrás dela. Gelada. Impessoal. Como se fosse um Shinigami convocando sua presença ao reino da morte. — Você é uma inimiga?

A mulher atrás dela não era a mesma que a chamava de princesinha. Aquela figura havia morrido. O que restou era algo silencioso, imenso, homicida.

As unhas pressionaram seu pescoço. Não o suficiente para ferir. Mas o suficiente para prometer.

Victoria não teve dúvidas. Se mentisse, morreria.

Mas dizer “sim” também era morte.

Ou até um “não” poderia soar covarde e interpretado como mentira.

A mente dela gritou, mas o corpo não respondeu. Só a voz, trêmula, escapou:

— ...N… não.

Era um sussurro fraco, mas verdadeiro.

E então, como se a cena tivesse sido apagada num estalo, o calor voltou. A pressão cessou. O vapor voltou a ser apenas vapor.

— Então tudo bem! — Éloise disse, alegre, como se nada tivesse acontecido.

Victoria arfou quando o controle do próprio corpo voltou, e as lágrimas caíram sem pedir permissão.

♦♦♦

— Pronto, pronto… me desculpe, meu amor. Eu só precisava me certificar de que você não era uma ameaça para o Miguel. Eu não vou fazer nenhum mal a você.

Éloise a puxou de volta para o peito, firme, calorosa, quase desesperada. A força do abraço contrastava com a imensidão silenciosa do banheiro — aquela banheira grande demais para ser apenas uma banheira, estava mais pra uma piscina, que preenchia o ambiente com seu vapor constante. A névoa subia lenta, se desfazendo nas luzes quentes embutidas no teto, e deixava tudo com aquele ar etéreo que nunca combinava com a gravidade da situação.

Vic respirou fundo, a pele trêmula ainda reagindo ao que tinha acabado de passar. Não chorou por tristeza; seu corpo simplesmente desabou, como se tivesse puxado demais o limite da própria mente. A reação veio sozinha, inevitável, depois de tanto estresse psicológico.

Agora, deitada na parte mais funda, com a água quente embalando suas pernas e o colo de Éloise sustentando suas costas, sentia o peso da tensão se dissolvendo aos poucos. O medo ainda estava lá — agarrado em algum lugar do peito, talvez para sempre — mas a pior parte tinha passado. A prova de fogo estava atrás dela, e vivera para contar a história.

— Mas peço que guarde esse segredo dos outros, você entende, né? — Éloise murmurou, os lábios roçando de leve o topo da cabeça de Vic.

— Hm…

— Então… como se sente sabendo que sua principal sogra é a pessoa mais procurada do mundo há cem anos?

Vic fechou os olhos por um instante. Deixou que o calor, o leve borbulhar da água e o carinho nos ombros a puxassem de volta para algum lugar seguro.

— Na verdade, não sei — respondeu, com a voz baixa. — Acho que é tão chocante que nem consigo sentir algo. É como se estivesse além do que eu poderia expressar.

Sentiu o corpo de Éloise tremer atrás dela — o riso abafado batendo contra suas costas como pequenas ondas.

— Hahaha… acho que entendi. Faz sentido.

— Sara Antares… — Vic murmurou, quase sem perceber. — Como ela é de verdade?

— Não vai perguntar por que ela explodiu metade do planeta?

Vic esfregou os olhos ainda úmidos e apoiou a cabeça no ombro de Éloise.

— Alguém tão gentil quanto o Miguel não poderia ter sido criado por uma mulher dessas. E… pela devoção que vocês têm por ela e por ele… eu entendo que nenhum genocida seria digno de tanto amor e lealdade.

O abraço apertou forte, como se as palavras acertassem algo profundo demais dentro de Éloise.

— Sara… ah… como posso dizer… — ela respirou fundo, a voz ganhando um brilho estranho, reverente. — Ela é a pessoa mais extraordinária que já pisou nesta terra.

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