Volume 2
Capítulo 43: Garota problemática
— Mi... iremos contar a você a situação delas — disse Éloise, séria de um jeito raro. — Mas acho que só será justo quando trouxermos a Mia de volta. Ela também tem o direito de saber quem realmente é.
A solenidade nas palavras dela acendeu em Miguel a certeza de que aquilo era mais profundo do que imaginava. Ele apenas assentiu — e já buscava outra pergunta quando ouviram Vic berrar:
— EI! VENHAM LOGO!
Samira acenava da beira da piscina, sorridente.
— A ÁGUA ESTÁ QUENTINHA!
Éloise soltou um risinho e se levantou.
— É, vamos continuar depois. Eu quero aproveitar com as minhas noras também.
Puxou o zíper nas costas e deixou o vestido deslizar pelos braços até cair no chão. O biquíni roxo com bolinhas brancas dava a ela um ar quase juvenil.
Céline levantou-se logo depois. Soltou os suspensórios, tirou a camiseta de linho, depois a calça e os mocassins. O biquíni dela era liso, branco — simples e elegante.
— Vão indo. Vou tentar convencer ela a se juntar a nós.
Miguel seguiu o olhar até a mansão. No segundo andar, Lucy estava diante da janela, jogando xadrez sozinha. Com seus sentidos quase absurdos, Miguel já percebera o desejo dela de estar lá fora, mas também sabia o quanto a garota era orgulhosa e resistente.
— Oh... boa sorte com aquela lá — Éloise riu enquanto caminhava.
Céline riu junto. Miguel virou rumo à mansão enquanto elas pediam para ele não demorar.
♦♦♦
Sem anunciar presença, ele puxou a cadeira e se sentou diante de Lucy. A garota ergueu o olhar, fria como gelo. Ignorando o desprezo estampado no rosto dela — lindo como o de uma fada irritada — Miguel pegou o cavalo preto e o colocou em G7.
Uma sobrancelha subiu.
— O que está fazendo?
— Vim te chamar pra brincar com a gente.
— Não, obrigada — ela cruzou os braços e desviou o rosto.
— Engraçado… parecia que você queria muito se juntar a nós — Miguel provocou, leve.
O rosto de porcelana dela corou de imediato, mas os olhos ficaram afiados.
— Qual é a sua? Ontem você me ignorou, me deixou plantada no jardim, e agora quer ser meu amigo?
— Eu estava cansado demais pra aturar aquela sua conduta.
Lucy riu um “heh” envenenado, inclinando a cabeça com desprezo.
— Você deveria agradecer por alguém como eu falar com você, isso sim.
— É mesmo? — Miguel apoiou o queixo na mão, curioso. — Porquê… sinceramente, eu nem sei quem é você. Poderia me explicar por que eu deveria agradecer pela sua companhia?
A expressão dela desmontou.
Lucy piscou várias vezes, como se não acreditasse.
— Você por acaso saiu de um buraco para não saber quem eu sou?!
Miguel riu, genuíno, divertido com o grau de indignação dela.
— Na verdade… é quase isso.
Lucy soltou um suspiro profundo, dramático, e levantou-se da cadeira. Endireitou a postura com elegância quase arrogante e então sorriu, orgulhosa:
— Então escute, pobre ignorante. Esta que fala contigo é Lucy Leite, da original e autêntica família Leite, cujas raízes perduram desde o século XVI. Sou a filha mais nova da casa, nascida da quarta esposa de meu pai. E — seu sorriso abriu ainda mais — o maior tesouro da casa Leite!
Miguel ficou em silêncio, apenas ouvindo.
Como ele já tinha imaginado, ela era realmente da nobreza.
A família Leite original era uma das linhagens mais antigas do país, herdeira de imensas terras de cultivo e criação de gado, que desde o século XVI acumulava riqueza.
Com o passar dos séculos e o sobrenome se tornando comum no país, o ramo original tornou-se uma potência silenciosa, influenciando o país atrás das cortinas até que, com a unificação nacional há cento e dez anos, foram trazidos ao centro do poder como um dos pilares econômicos do novo governo.
Eles controlavam mais de 60% da produção de todo alimento de base da nação.
É claro que uma pirralha dessas seria arrogante. Tinha o direito de ser arrogante.
— Entendo — disse Miguel, simplesmente, como se não fosse nada demais. Por dentro, entretanto, reconhecia perfeitamente o peso da garota.
A reação dela foi quase cômica. Lucy travou, a sobrancelha subindo e descendo como se o rosto estivesse quebrado. Um sorriso torto, indignado, escapou — parecia que estava tendo um micro derrame emocional.
— Você… seu maldito ignorante de merda!
— Que tal assim — Miguel ignorou a ofensa. — Se eu te vencer em uma partida rápida de xadrez, você desce lá e brinca com a gente.
Lucy riu. Não: ela gargalhou.
— Ahahahaha! Você?! Você me vencer? Hilário!
Ela precisou se sentar. Segurou a barriga, respirou fundo várias vezes até recuperar a postura.
— Tão ignorante... chega a ser fofo.
Essa guria era irritante pra caralho. Rostinho de boneca que podia parar o coração de alguém, mas uma personalidade que dava vontade de empurrar da sacada.
Miguel lembrou da noite anterior, do jeito presunçoso como ela o chamou — e, pior, de como tentou fazê-lo ajoelhar usando uma onda psiôntica semelhante ao Genshi no Zankyō. Ele resistiu, o que a deixou genuinamente chocada. Mas ele estava tão chocado quanto. Considerando que Lucy deveria ter no máximo uns quinze anos, aquele controle era absurdo. Cansado, simplesmente a ignorou e foi embora.
— E se eu disser que, se eu perder, faço o que você quiser?
A gargalhada dela morreu imediatamente. Os olhos estreitaram.
— Tens certeza disso, pobre ignorante?
— Aliás — Miguel cruzou os braços — quando eu te derrotar, vai parar de me chamar assim. Meu nome é Miguel. Grava isso na sua cabecinha.
— Heheh... muito bem. Me mostre que não é só conversa.
Num ato de pura complacência, Lucy o deixou começar de brancas. O relógio marcou cinco minutos.
A partida começou.
— Ahahaha! Era só isso?! — zombou ela.
Miguel foi esmagado. Completamente derrotado.
Ele não tinha subestimado Lucy. Sabia que ela era boa. Criança com Primordium desde o nascimento, acostumada a jogos intelectuais e criada num berço de aristocracia — era óbvio que seria um prodígio. Mesmo assim, Miguel estimava seu próprio nível como o de um grande mestre de elite.
E ainda assim... foi atropelado.
— Ei, cadê aquele seu sorrisinho? — provocou Lucy.
Afastou a cadeira, tirou o sapato branco e ergueu o pé direito à frente dele.
— Você disse que faria o que eu mandasse, não foi? Então venha, pobre ignorante... ajoelhe-se e beije o pé desta linda princesa.
Miguel ficou atônito por um instante.
Só isso?
Ele quase riu.
Claro que ela pediria algo assim. Quem nasce com fama, dinheiro e poder não precisa de satisfações comuns. O que sobra? Arrogância. Prazer em humilhar. Adoçar o próprio ego.
Miguel ajoelhou sem hesitar. O olhar de Lucy de cima era quase enamorado de tão satisfeito. Ele segurou o pezinho dela e beijou.
— Oh! Isso não foi fácil demais? Não tens orgulho nenhum?
Miguel deu de ombros, ainda ajoelhado.
— Orgulho? Sem poder isso não passa de ilusão. Além disso... — ele inclinou o rosto, o sorriso abrindo devagar — que homem não ficaria feliz em beijar o pé de uma dama tão linda... e ainda ver sua bela calcinha rosa?
Whoosh!
Miguel desviou no último instante. Uma gota de suor gelado desceu pela têmpora.
— Bastardo! — Lucy gritou, tentando cobrir o vestido. O rosto vermelho até a ponta das orelhas. — Eu vou matá-lo!
— Nah — ele voltou a se sentar, reorganizando o tabuleiro. — Quero uma revanche. Dessa vez, vou vencer com certeza.
— Seu... VERME imundo! — Ela parecia criar novos xingamentos na hora. — Quando eu te trucidar, vou fazer você ser meu cavalo! Vai andar de quatro pro resto da vida enquanto eu o monto!
Isso é assustador pra caralho... mas um pouco erótico.
Miguel viu dois cenários mentais completamente opostos e riu sem graça.
Lucy, agora de brancas, bateu o peão em E4 com a força de quem queria quebrar o tabuleiro.
Miguel respirou fundo.
Droga... pra vencer essa guria... vou ter que trapacear.
O fundo dos olhos latejou. A dor subiu como se uma centopeia vermelha estivesse arrastando suas garras dentro do crânio. Sua pele empalideceu; ele precisou controlar cada músculo do rosto para esconder a dor excruciante. Lucy, ocupada demais evitando olhar para ele, não percebeu nada.
A nova partida começou.
Minutos depois…
— I-impossível... — Lucy sussurrou, encarando o tabuleiro com um olhar vazio.
— Heh. Agora vá pôr uma roupa de banho e venha se juntar a nós.
— COMO você fez isso?! COMO?! — a voz dela subiu meio tom. Miguel estranhou o quanto aquela derrota a atingiu.
— O que há nisso? Vai ser uma péssima perdedora? Não vai cumprir o acordo? Essa é a “maior joia da casa Leite”?
Lucy estalou a língua, os olhos faiscando.
— Eu sempre cumpro minhas promessas. Mesmo quando feitas para vermes imundos!
— E não esquece: agora vai me chamar de Miguel.
— Cala a boca, seu merda! Teremos outra partida! E quando eu tiver minha vingança, eu vou fazer você... vou fazer você...
Miguel já estava fugindo enquanto ela gritava.
Quando ganhou distância suficiente — e viu que ela realmente havia ido trocar de roupa — suas pernas cederam. Caiu de joelhos. Sangue escorreu do nariz; em seguida, ele vomitou um jorro carmesim. A visão falhou. Espasmos sacudiram seu corpo.
Porra... mesmo usando o Kaihōtai eu quase perdi... essa menina...
Ele sabia que só venceu por causa dessa habilidade. E por muito, muito pouco.
E ainda teve que dobrar o controle sobre a emissão psiôntica para que Lucy não percebesse nada. O Primordium sempre deixa rastros — numa luta real, jamais daria para esconder a emissão.
— Espero que a semente de hoje dê bons frutos no futuro...
Ele limpou o rosto e se levantou cambaleante.
No corredor da mansão, um pequeno robô de limpeza surgiu, aspirando o chão manchado de vermelho.
♦♦♦
Diante da piscina, Lucy permanecia parada como se encarasse um abismo. Havia brilho de expectativa nos olhos, mas também um medo teimoso que a deixava travada no primeiro passo. Samira observava com um incentivo silencioso, quase como quem torce por uma coragem que ainda não veio; Victoria, por outro lado, mantinha aquele olhar frio que Miguel já conhecia bem — especialmente depois da quase briga entre as duas mais cedo.
O enorme cabelo de Lucy, descendo até as panturrilhas cheias e firmes, estava preso numa trança longa, da cor de amêndoas recém-tostadas. O biquíni amarelo com listras brancas destoava do vermelho com listras pretas de Vic e do branco com listras pretas de Samira.
Miguel suspirou, cansado da hesitação dela, e com toda a delicadeza do mundo encostou o pé nas costas da garota e empurrou.
— AH!!!
Splash.
As mães de consideração de Miguel, assim como suas namoradas — voltaram-se para ele com um olhar exasperado. Nem elas resistiram à pena instantânea da pequena.
Miguel apenas deu de ombros e se jogou na piscina, sentindo a água morna envolver seu corpo em contraste com o frio daquela tarde.
Ao boiar, percebeu que Lucy ainda estava submersa. E pior: se debatendo.
Não pode ser… pensou, já mergulhando.
Alcançou-a em segundos — e encontrou aquele olhar malicioso brilhando como um vidro lapidado. Lucy não estava se afogando. Nunca esteve. O sorriso dela se abriu, dentes perfeitos refletindo o azul da água.
Num movimento rápido, ela fechou a distância e, ali, debaixo d’água, levantou o dedo do meio enquanto articulava claramente:
Vermezinho imundo.
Miguel suspirou, soltando bolhas que subiram silenciosas.
Os dois emergiram juntos. Samira e Victoria relaxaram ao vê-la bem — sem imaginar que a pirralha acabara de tirar uma com a cara dele.
O tempo passou rapidamente e Lucy, antes descontente e isolada, foi se soltando com as meninas, fingindo a cada oportunidade que Miguel era apenas uma barata flutuando pela borda da piscina ou um inseto ainda mais nojento.
Quando Miguel saiu da água para pegar a travessa de sobremesa rosa que uma das empregadas trazia — acompanhada de Angela, que ele não via fazia um tempo — sentiu o ar gelado da tarde bater na pele. Ficou de pé na borda, pronto para ir até as mulheres, quando um pressentimento atravessou sua medula, alertando o perigo.
Tarde demais.
Mãos pequenas agarraram seu calção e puxaram com força.
O tecido desceu...
A travessa escapou das mãos da empregada, espatifando-se no chão. Angela engasgou com o cigarro, sem perceber seu terno e chinelos com orelha de coelho melados com o creme rosa, seus olhos arregalados encarando a virilha dele.
— Ahahahaha! — Lucy gargalhou, boiando na água. — Toma essa, seu merdinha!
Miguel se virou devagar. Sem vergonha. Sem pressa. Apenas um silêncio gelado no olhar — frio como zero absoluto.
Lucy travou, olhos enormes. Medo dele… ou choque por outra coisa? Talvez os dois.
— Oh! Nosso menino realmente cresceu muito! — Éloise comentou, rindo abertamente da cena.
Céline riu junto, enquanto Samira e Victoria soltavam um suspiro antes de deixarem escapar risadas baixas.
— Sua——
— Vai se cobrir, seu tarado! — Angela berrou, descendo uma pancada certeira na cabeça dele.
A visão de Miguel escureceu na hora. Ele xingou mentalmente — não sabe controlar a força porra...
Tombou para frente, caindo direto sobre Lucy. A garota já soltava fumaça pelas orelhas. Assim que Miguel a tocou, ela o xingou de algo incompreensível, porque ele já sentia a cabeça latejando. Ainda teve tempo apenas de ver os olhos azuis dela virando carmesim, lágrimas borbulhando de raiva.
Tá brincando comigo…
E então veio o impacto.
Ele nem sentiu a dor — apenas o punho pequeno, certeiro, e o mundo inteiro apagando de vez.
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