Volume 2
Capítulo 36: Convite
Luna soltou um assobio baixo assim que a limusine cruzou os portões negros.
Victor lançou a ela um olhar de canto — e o leve sorriso denunciou que estava tão impressionado quanto.
Do banco de trás, observavam o enorme terreno que se estendia até a mansão ao fim da estradinha de pedras.
À esquerda, uma planície de gramado branco-acinzentado se espalhava até os muros de pedra; as árvores, igualmente esbranquiçadas, davam ao lugar um ar quase sobrenatural. No centro, um lago artificial brilhava como vidro polido enquanto uma funcionária jogava ração às carpas inquietas.
À direita, um jardim explodia em cores: orquídeas, lírios, papoulas e flores que Victor nem sabia nomear. O contraste entre o branco da paisagem e aquela paleta viva criava uma cena impossível em Neo Alvorada — nenhuma luz neon, nenhuma tela, só silêncio e paz.
— Quanto será que custou tudo isso? — murmurou Luna, os olhos arregalados.
— Com certeza não foi barato.
— Óbvio, né.
Victor deu de ombros, acendendo um cigarro.
— Eles já devem ter chegado no Rio — comentou Luna, checando o celular.
— Fiquei surpreso quando deixou a Samira ir com eles.
— Olha quem fala — retrucou ela, ajeitando o cabelo atrás da orelha. — O irmão superprotetor deixou seu bem mais precioso viajar com o novo namorado.
— Vic não é criança. Vai aonde quiser… e não é como se me escutasse se eu dissesse não.
Luna riu, aceitando o cigarro quando ele ofereceu.
— E a Sam tirou a melhor nota da turma semana passada. Uns dias de folga não matam ninguém.
Victor soltou a primeira nuvem de fumaça pela janela, o olhar perdido.
Algumas horas antes, Miguel, Victoria e Samira embarcaram para o Rio, onde encontrariam as famosas irmãs Beaulieu. Nina ajeitou o encontro e Miguel disse que já conhecia as duas, dizendo que eram praticamente suas tias. Elas seriam capazes de consertar Mia — que eles levaram dentro de um tipo de caixão especial.
O trem-bala saiu às 8h em ponto; já eram 13h. Provavelmente tinham acabado de chegar.
Nina ficou para trás, alegando que, apesar de sua “liberdade”, não podia deixar o território de Neo Alvorada. Mas, no fundo, não estava chateada. Ao contrário — tinha um motivo particular para estar animada.
— Hehehe… — Luna começou a rir sozinha.
— Que foi agora? — Victor arqueou a sobrancelha, soprando a fumaça.
— É que… haha… Nina tá completamente caidinha pelo Pietro.
Victor não resistiu e riu também.
— Ele deve ser o mais surpreso nessa história. Quem iria imaginar que um dos seres mais poderosos do planeta ia se apaixonar justo por ele?
— Mas eles são tão fofinhos juntos — murmura Luna, abraçando o próprio casaco. — Fala sério, que inveja. Quando ela se declarou pra ele na frente de todo mundo, parecia uma cena daquele animes antigos! Ahhh! Nina é tão fofa!
Foi uma surpresa para todos — daquelas que Victor provavelmente não esqueceria tão cedo. Se é que esqueceria algum dia.
Logo depois que todos se apresentaram a Nina, ela caminhou direto até Pietro. O pequeno, que até então parecia desinteressado e quase desconectado do mundo ao redor, ergueu os olhos apenas quando ela parou na sua frente.
E então Nina declarou, em alto e bom tom:
— Eu sou Nina! E-e… estou apaixonada por você! Por favor, namore comigo!
O silêncio que se seguiu foi tão brutal que, se uma agulha caísse, qualquer um teria ouvido.
Nina ficou vermelha até a raiz do cabelo — parecia prestes a passar mal.
Pietro… Pietro fez uma expressão que ninguém imaginou que fosse humanamente possível para ele: choque absoluto. Puro, cristalino. O sempre calmo, frio e indiferente Pietro, com seu lindo rosto andrógino parecia ter sofrido um curto-circuito emocional.
E ainda assim, depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade, ele simplesmente agarrou a mão dela e a puxou para longe.
Ninguém entendeu nada.
Rita, que vinha se segurando como uma leoa enjaulada para não encher a novata de comentários maliciosos, finalmente explodiu em teorias, especulações e piadas de duplo sentido.
Enquanto isso, Victor observava tudo com aquela expressão que misturava ceticismo e preocupação.
Depois de um tempo — tempo suficiente para todos criarem mil cenários — os dois voltaram.
Ninguém perguntou o que tinham ido fazer.
Ninguém… exceto Rita, claro, que fez perguntas tão indecentes que até Luna teve que mandá-la calar a boca.
Mas Nina estava radiante. E Pietro… Pietro parecia outra pessoa. O mesmo garoto, sim, mas completamente desalinhado emocionalmente: trêmulo, hesitante, sem o mínimo traço da confiança gelada que exalava normalmente.
Isso, claro, só alimentou ainda mais as fofocas.
O que diabos aqueles dois tinham feito logo após se conhecerem?
E tão rápido quanto começou, veio o anúncio:
Eles estavam namorando.
Dois dias se passaram, e estavam grudados como se tivessem nascido colados — carne e unha.
Ninguém jamais vira Pietro tão feliz. Era tão estranho que, em alguns momentos, até dava a impressão de que tinham trocado ele por um sósia.
— Chegamos. — A voz do chofer arrancou Victor das lembranças.
Ele soltou um longo suspiro, o semblante endurecendo de imediato.
Hora de voltar ao trabalho.
Luna, ao lado, endireitou a postura no mesmo instante.
Saíram da limosine logo após apagarem seus cigarros no cinzeiro do veículo.
Na entrada da mansão, dois colossos em ternos brancos os bloquearam. Um deles veio direto em direção a Victor, o outro permaneceu firme como uma estátua.
O primeiro começou a revistar Victor sem cerimônia, retirando pistolas e lâminas escondidas no interior do sobretudo negro.
Quando se voltou para Luna, ela mesma tirou as armas de seu casaco aberto e as entregou, mas ainda assim o brutamontes tentou encostar nela.
Victor reagiu na hora:
— Nem pense em tocar nela.
O gigante ergueu uma sobrancelha, demonstrando claro desgosto, mas uma voz rouca, imponente, cortou qualquer desavença:
— Já chega. Deixe-os passar.
O dono da voz surgiu logo atrás: um homem de meia-idade, cabelos grisalhos, vestindo um traje esporte fino. Sob o tecido, seus braços protéticos — cobertos por uma derme sintética com leve textura — pulsavam em um tom azulado nas juntas, como se respirassem por conta própria.
Era menor que Victor, e bem menor que os seguranças… mas sua aura pesava como ferro.
No segundo em que seus olhos se encontraram, Victor sentiu:
Esse cara é pica grossa.
O casal seguiu para dentro do casarão.
— Bem-vindos. E perdoem os modos do Alef — disse o grisalho.
Luna assentiu de leve. Foi então que Victor percebeu algo estranho — ele, que era mais alto, estava olhando Cezar de baixo para cima. Tinha inconscientemente encolhido a postura.
Então esse é o Cezar…
Miguel estava certo. Esse cara é assustador.
Cezar os conduziu até a sala de estar. Sentaram-se no enorme sofá cappuccino — tão macio que quase parecia tentar engolir os dois. Aceitaram o uísque quando ele ofereceu.
Enquanto o anfitrião servia os copos com calma quase ritualística, a tensão aumentava camada por camada. Era difícil dizer se ele fazia aquilo de propósito ou se apenas era assim… mas, francamente, as duas possibilidades tornavam o clima tenso.
No fim das contas, era o chefão do crime de Neo Alvorada recebendo dois novatos cuja gangue mal havia feito um ano. O ar carregava essa diferença.
Foi então que uma sequência de passos curtos e apressados ecoou pelo cômodo imenso.
A pequena surgiu correndo — um vestido branco perolado balançando atrás dela, o tecido brilhando de forma iridescente a cada passo. As meias grisalhas subiam até os joelhos e as sapatilhas pretas batiam no piso com pequenos toques secos. Um laço azul destacava-se em meio aos cabelos negros.
Ela se lançou no colo do chefão com tanta força que quase derrubou o copo dele — mas Cezar nem se moveu. Apenas pousou a mão na cabeça dela, com uma suavidade que destoava completamente do resto.
A garotinha levantou o rosto, olhos enormes e coloridos, e encarou Victor e Luna com um sorriso que transbordava energia.
— Vocês são amigos do Miguel? Onde ele tá?
Victor e Luna se entreolharam, ambos com sorrisos tortos — toda aquela tensão se dissolveu num instante com a chegada da menina.
— Bem… ele não pôde vir — Luna respondeu. — Teve que resolver um assunto importante.
A pequena murchou na hora.
— Mas ele disse que vem assim que voltar da viagem — Luna completou apressada, mas em um tom mais gentil. — Deve ser essa semana ainda.
Parecia automático, mas também sincero. Talvez o lado de irmã mais velha tivesse falado mais alto. Pensou Victor.
O próprio sentiu algo similar apertar o peito. A garotinha lembrava Victoria — e não só pelas lentes coloridas. Era aquela energia revigorante, radiante, que batia como um déjà vu dolorosamente doce.
— Sério?! — os olhos dela acenderam. — Ah, que bom! Hehehe! Quero muito mostrar minha casa pra ele… e contar que fiz mais um monte de amigos!
— Essa é a minha filha, Alice — Cezar disse enquanto acariciava os cabelos da filha. — Alice, esses dois são Victor e Luna.
O casal acenou para a pequena.
— Depois você pode falar com eles, tudo bem?
— Papai tá trabalhando?
— Isso mesmo.
Alice fez beicinho, mas assentiu.
— Então depois eu volto!
Depois que a pequena se foi, César tomou um lento gole do uísque.
Victor não se incomodou pelo homem não ter se apresentado formalmente. Não era necessário. Eles só estavam naquela mansão porque esse homem os havia chamado.
A ligação na noite anterior ainda soava estranha na memória. Não o surpreendera que César soubesse seu número; com a estrutura que ele tinha, poderia descobrir coisas muito mais profundas. O que o surpreendeu foi o convite. Apenas isso. Uma conversa.
Discutiu com Victoria, pensou em levar Pietro, mas decidiu deixá-lo aproveitar os primeiros dias com Nina. Então chamou Luna, a pessoa em quem mais confiava depois da irmã.
— Me fale, Victor. Qual o seu objetivo?
A pergunta caiu com peso.
Victor ergueu as sobrancelhas, sem saber por onde começar — ou se deveria responder. Ficou em silêncio.
— Em pouco mais de um ano, a Crimson Wolf — com só meia dúzia de adolescentes — já se tornou famosa e temida — continuou César, girando o copo com uma elegância fria. — Começaram com roubos pequenos: galpões, fábricas, caminhões. Depois vieram aumentaram para trabalhos mais complexos… e então a droga nova. Aurora Phase. Bases espalhadas. Estabelecimentos funcionando como distribuição, como o Karaokê Vênus.
Victor permaneceu mudo. Luna também. O ar ficou mais denso.
— Não façam essa cara. — César soltou uma curta risada. — Vocês não são ingênuos o bastante para acharem que só vocês têm contato com os Black Quill… ou são?
Victor deixou escapar um meio sorriso, quase provocativo.
— Não é isso. Só estou surpreso — e até um pouco orgulhoso — por ter se dado ao trabalho de pesquisar sobre nós. E ainda por cima usando os Black Quill.
— Entendo. — César acomodou o copo na mesa. — E tenho que admitir: mesmo que tenha sido por pura sorte, manter relações com um Black Quill já é… notável. A maioria dos idiotas acha que basta ter dinheiro e oferecer o trabalho. Mal sabem que só o contato já é um desafio. E quando aceitam trabalhar… seguem os próprios caprichos.
— Nem me fala. — Luna estalou a língua, jogando o corpo para trás no sofá.
Victor sabia exatamente de quem ela lembrava. Julia era mesmo bem estravagante as vezes.
— Estou nessa vida há mais de duas décadas — prosseguiu César, agora mais sério. — Quando ouvi falar de vocês, achei que seriam como todos os outros jovens: se acham invencíveis e se matam em meses. Mas conforme acompanhei seu grupo… percebi que não eram tão tolos. Diferente do meu sobrinho.
O nome Hugo pesou no ar. Havia uma sombra na voz de César ao mencioná-lo.
— Não culpo os jovens — acrescentou. — Quando você passa a vida inteira lutando só para sobreviver um dia a mais… é fácil se deixar embriagar pelo poder.
— O senhor fala como alguém que já viveu isso — comentou Luna, tentando soar despretensiosa.
César sorriu de leve — mas o sorriso não era feliz. Era cansado. Distante.
— Você não faz ideia, criança.
Luna fez um beicinho involuntário antes de voltar a beber.
Então o homem se recostou, cruzou as pernas, e recitou calmamente:
— Victor Moroz. Vinte e dois anos. Pais mortos no incidente do Distrito 15, dez anos atrás. Lutou para dar educação à irmã, talvez para nunca a deixar cair nesse nosso mundo. No ano retrasado, fundou a Crimson Wolf. Seu poder cresceu graças à irmã, que criou a Aurora Phase. Com ela, vocês conseguiram dinheiro, influência… tudo o que precisavam.
Victor sentiu os dedos se fecharem num punho tenso.
— Luna Sui. Vinte anos. Pai alcoólatra. Abandonou a família. Mãe suicida. Você se prostituiu por anos para sustentar a irmã. — Ele falou sem crueldade, mas sem suavidade também. Era só… verdade. — Hoje, é um dos pilares da Crimson Wolf. E entendo por que continua nessa vida: precisa pagar a escola dela. Manter as contas. Nunca mais voltar ao que viveu.
Luna desviou o rosto, maxilar rígido, o copo tremendo só um pouco entre os dedos.
O olhar de César voltou-se para Victor.
— Mas você… você já tem dinheiro suficiente para sair desse mundo. Viver com sua irmã em algum lugar decente. Só um ano — e, segundo as métricas do meu pessoal, somente com Aurora Phase — já seria mais do que suficiente para largar esse mundo sujo.
Victor respirou fundo. Os ombros enrijeceram. Não era raiva. Era… algo mais difícil de nomear.
César pegou um charuto, ofereceu. Os dois recusaram. Ele acendeu assim mesmo, tragou, e deixou a fumaça preencher a luz quente da sala.
— Então me diga, Victor… — sua voz cortou o silêncio como lâmina fina — qual é o seu verdadeiro objetivo?
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