Primordium Brasileira

Autor(a): Lucas Lima


Volume 1

Capítulo 31: Lágrimas carmesim

Victor ajeitou a mecha roxa que caía sobre o olho de Veronica — a garota com quem andava saindo nas últimas semanas.

Ela estava sobre ele, nua, o corpo ainda suado da transa.

— E a Luna? — perguntou, acendendo um cigarro. — Não tá mais com ela?

— Luna? — Victor riu, de canto. — A gente nunca teve nada sério. Transamos umas vezes, só isso.

— É mesmo? Parecia que você gostava dela. — Veronica tragou, soltando a fumaça pelo nariz.

— Luna é interessante, eu gosto dela, mas...

— Mas o quê? É porque ela era puta antes?

Victor estalou a língua, balançando a cabeça.

— Não é isso. Ela nunca gostou de mim. Só deixava eu comer ela porque era vantajoso. Depois que viu que não precisava mais de mim pra ter espaço no grupo, me cortou. Já faz tempo.

Ele fez uma pausa. — Luna não parece gostar de ninguém. Bem... quase ninguém.

— Hehe… até ele chegar, né? Tá com ciúmes? — Veronica provocou.

— Cala a boca. — Victor pegou o cigarro dela, tragou fundo. — É natural se atrair por alguém assim. Miguel é… diferente.

— Esse Miguel é tão foda assim?

Victor soltou a fumaça, encarando o teto.

— É. Ele lembra a Vic. Só que mais... intenso. Deve ser por isso que até minha irmãzinha anda de olho nele.

— Jura? Achei que tua irmã fosse assexuada. Nunca vi ela olhar pra ninguém.

— Pois é. — Ele deu de ombros. — Sempre tem uma primeira vez.

— E quando eu vou conhecer ele?

— Amanhã. Vai todo mundo pra festa junina da Zona Central.

— Belez—

O som de ratatatá cortou o ar.

O sangue o cegou por um instante. Tentou respirar — não conseguiu.

Veronica gritou alguma coisa, mas o som morreu no meio.

Depois, silêncio.

Três homens invadiram o quarto, disparando até o carregador secar.

Quando tudo cessou, o quarto cheirava a ferro e pólvora.

Do lado de fora do motel, um deles pegou o celular e fez uma ligação.

— Está feito.

♦♦♦

Luna mexia a sopa no fogo enquanto o som do rock antigo vazava da caixa de som sobre a geladeira. O cheiro de alho e legumes tomava o ar abafado. Rita, sentada na mesa, mexia no celular com uma expressão entediada — o moletom aberto deixava à mostra os curativos na barriga.

— Sua irmãzinha tá mesmo se divertindo com o novato, hein — disse, exibindo a tela. Uma postagem de Samira no Orkit: Samira, Miguel, Mia e Victoria na festa junina. — Quando é que você vai dar pra ele também?

— Vai se fuder, vai. — Luna desligou o fogo, pegou a panela e levou à mesa. — Come logo.

— Desde quando você ficou tão boazinha comigo? — Rita arqueou a sobrancelha, o sorriso torto voltando ao rosto.

— Só enfia essa merda de sopa na boca logo, antes que eu a enfie pelo seu rabo.

Rita riu, e a risada rouca dela fez Luna rir também. Por alguns segundos, o apartamento se encheu de um som raro.

— Já pode casar, viu? — Rita tomou outra colherada e suspirou. — Porra, isso tá bom demais.

— Claro que tá — Luna apoiou o queixo na mão, satisfeita. — É a primeira coisa decente que você come desde que levou um tiro, né?

Ela ia dizer mais alguma coisa — talvez uma provocação — quando ouviu o som. Um estalo metálico.

A porta. Sendo chutava com força.

Luna rapidamente puxou sua pistola personalizada. Rita, mesmo com a dor na barriga, pegou sua arma sobre a mesa, respirando pesado.

♦♦♦

Leo empurrou o balcão de madeira maciça para o centro do salão. O rangido do piso ecoou pelo Lar dos Casados.

Limpou o suor da testa com a mão sintética e soltou um suspiro.

— Pronto... tudo no lugar. — Murmurou, satisfeito.

Logo ouviu passos leves e um cheiro de perfume doce se aproximando.

Sabrina surgiu com uma latinha de energético decorada com um dragão flamejante.

— Pega! — disse, jogando.

Leo pegou no ar, firme.

— Valeu. — respondeu, e o olhar dele correu inevitavelmente pelo corpo da garota — só de calcinha, cropped e pantufa.

Andressa veio logo atrás, com o moletom caindo por um ombro e as pernas nuas.

— Não tá cansado, não? — Sabrina perguntou, sorrindo.

— Nada. Tô de boa. — Leo respondeu, tentando parecer casual.

As duas riram. Pareciam gostar do jeito tímido e meio deslocado do grandalhão.

— Quando chegou aqui parecia tão pra baixo — Andressa comentou. — Rolou alguma coisa?

A expressão de Leo murchou, mas ele logo disfarçou.

— Nada demais.

Sabrina estreitou os olhos, desconfiada.

— Problemas com a namorada?

Leo quase se engasgou com o gole do energético.

— Hahaha! Acertei, né? — Sabrina provocou.

Andressa a cutucou com o cotovelo, como se pedisse pra pegar mais leve. — Conta pra gente, vai. Somos ótimas psicólogas. — disse, rindo.

Sabrina se aproximou e se pendurou no braço dele, fazendo o rosto de Leo corar.

— Não é minha namorada. É ex agora... — confessou.

— Sei. E o que houve?

Leo respirou fundo. Parecia bom poder desabafar.

Contou sobre Samira, sobre como ela agora estava com Miguel. Disse que não sentia raiva dele — pelo contrário, já o via como um grande amigo. Treinavam juntos, competiam para ver quem comia mais e saiam juntos em vários trabalhos ou só pra matar tempo.

Só que o ciúme... bem, é difícil controlar.

— Oh, meu bebê... — Sabrina resmungou, passando a mão no braço artificial. — Aquele Miguel tão malvado e egoísta.

— Que nada. Ele não tem culpa. Samira já tinha terminado comigo antes dele aparecer. Eu é que fiquei feito um cachorro atrás dela.

— Você é tão legal, Leo — disse Sabrina, com uma pontinha de doçura. — Logo vai arrumar alguém melhor. Ou até mais de uma, né?

Andressa assentiu, sorrindo.

— Aliás... você passou o dia inteiro ajudando a gente com a mudança. Não quer relaxar um pouco?

Leo sentiu o arrepio subir pelo corpo. Sabia onde aquilo ia dar. Ficou meio sem jeito, mas não recuou.

Sabrina percebeu. Se aproximou mais, encostando o quadril no dele e passando a mão pela virilha.

— Olha, como você tá ajudando a gente, não vamos cobrar nada. Então... não quer brincar com a gente?

Ele engoliu seco. Assentiu.

— Hehe... — Sabrina sorriu, maliciosa. — Espero que dê conta de nós duas.

Leo respirou fundo, estufando o peito. Agarrou as duas, a timidez sumindo como se nunca tivesse existido.

— É claro que dô conta!

As risadas delas ecoaram pelo salão enquanto subiam a escada em direção ao quarto de Andressa.

Mas então, um estrondo sacudiu o térreo.

A porta principal foi aberta com violência, batendo na parede, deixando o eco se espalhar pela casa...

♦♦♦

— Que droga! Pietro realmente nos abandonou aqui! — Tom reclamou, mijando no beco escuro.

Jorge, ao lado, deu uma risada abafada.

— Vai ver ele não queria que a gente visse o pintinho dele.

— Pintinho? — Tom se virou com indignação. — Já viu o tamanho da peça daquele cara?!

O movimento foi rápido demais — e o jato de urina acertou em cheio a perna de Jorge.

— Porra! Foi mal! — gritou Tom.

— Caralhooo! — Jorge pulou pra trás, indignado, a calça molhada. — Ah, é?!

Sem pensar, virou o corpo e revidou, mijando na perna de Tom.

— Vai se fuder! Foi sem querer! — Tom gritou, tentando se proteger.

O beco ecoava com os xingamentos dos dois idiotas, a fumaça fria da noite se misturando ao cheiro de urina.

Então, um som diferente quebrou o momento — passos leves, cadenciados.

Três homens surgiram da escuridão, vindos da saída lateral. Tom e Jorge pararam de rir.

— Hã? — Tom mal teve tempo de reagir.

Os estranhos ergueram fuzis.

Mas, antes que qualquer um apertasse o gatilho, algo se moveu nas sombras.

Três brilhos prateados riscaram o ar.

Os corpos tombaram quase simultaneamente, gargantas abertas, o sangue se misturando à neve que caía fina.

Pietro saiu de trás deles, calmo, como se nada tivesse acontecido. Limpou as lâminas com um lenço e as recolheu sob as mangas longas da jaqueta branca.

Seus cabelos negros dançavam com o vento, e com os flocos brancos descendo sobre ele, parecia um anjo caído — sereno, letal, intangível.

— Que merda foi essa? — Tom perguntou, fechando o zíper da calça, ainda em choque.

— Esses caras estavam nos seguindo desde que saímos da lan house. — Pietro respondeu, sem emoção.

— É sério?! Puta merda... ainda bem que a gente tava com você!

Pietro não respondeu. Apenas franziu o cenho.

Um pressentimento ruim o percorreu.

Puxou o celular do bolso, o olhar ficando frio.

♦♦♦

As escadarias foram fuziladas assim que o grupo apareceu.

Leo reagiu no mesmo instante — agarrou Sabrina e Andressa pelos braços e as arrastou para o segundo andar. O som dos disparos ecoava por todo o prédio.

Algumas balas o atingiram, mas só arranharam as próteses Hercules — faíscas voaram, riscando o metal dos braços.

— Se escondam! — rugiu.

As duas correram, e Leo se virou para enfrentar os invasores.

Estava desarmado, mas seus braços eram armas o bastante.

Arrancou a porta do quarto mais próximo com um único puxão — o estrondo fez a garota lá dentro gritar, surpresa, ainda no meio de um programa. Leo a ignorou. Usou a porta de madeira maciça como escudo e desceu as escadas, avançando contra o tiroteio.

As balas perfuraram o escudo improvisado até transformá-lo numa peneira, mas ele manteve o passo firme, descendo degrau após degrau.

Quando chegou ao térreo, a madeira se despedaçou — e o gigante avançou sem hesitar.

O primeiro dos cinco homens não teve tempo nem de mirar: Leo o atropelou como um touro, esmagando o corpo contra a parede.

Girou o tronco e acertou o segundo com o resto da porta, lançando o sujeito longe com um baque surdo.

O terceiro atirou à queima-roupa, mas Leo ergueu o braço esquerdo, o som metálico abafando o impacto das balas. Com o direito, agarrou a cabeça do atirador.

O estalo que se seguiu soou como uma melancia sendo despedaçada.
Leo usou o cadáver como arma — arremessou o corpo lateralmente, o sangue espirrando nas paredes do corredor.

O quarto homem tentou recuar, apavorado, disparando sem parar. As balas ricocheteavam nas próteses, sem resultado. Leo esmagou seu peito com um soco.

O quinto aproveitou para correr em direção à garagem.

Leo o perseguiu. Mesmo com o peso das próteses, era rápido.

Esse último disparava aleatoriamente, mirando pra trás enquanto corria desesperado.

As balas perfuraram suas roupas, mas o tecido balístico segurou o pior. Ainda assim, o sangue escorria em alguns pontos.

O fugitivo mal teve tempo de olhar pra trás.

Leo o alcançou e, com um único golpe, empurrou sua cabeça contra o chão de concreto, abrindo um sulco na estrada de acesso.

Silêncio.

Leo arfava, o peito subindo e descendo devagar.

O cheiro de pólvora e sangue enchia o ar.

— Que porra foi essa... — murmurou, a voz rouca, o olhar fixo nos corpos espalhados.

♦♦♦

O primeiro encapuzado mal cruzou a porta e o click foi seguido de um estampido seco. A bala atravessou o ar e cravou no ombro dele — os próximos disparos o mandaram pro inferno.

Outros dois invadiram logo atrás, metendo bala feito lunáticos, mas Rita e Luna já tinham virado a mesa e se escondido atrás dela. Uma em cada canto, agachadas, descarregaram as pistolas até os pentes esvaziarem.

A troca durou segundos. Estilhaços de cerâmica, madeira e vidro voavam pelo apartamento, enquanto a música continuava tocando — a maldita caixinha de som ainda intacta. A geladeira, o micro-ondas e o ventilador de teto estavam em frangalhos, mas o som seguia firme, ironicamente animado.

As duas ficaram de guarda, respiração ofegante, o cheiro de pólvora tomando o ar.

Depois de um tempo, se entreolharam e começaram a verificar os corpos.

Rita arrancou a balaclava de um deles.

Nada. Não reconhecia o desgraçado.

Então passos. Rápidos.

Rita virou, o dedo quase apertando o gatilho —

— Rita! Luna! Cês tão bem?! — A voz de Tom cortou o clima, vindo do corredor com Jorge e Pietro logo atrás.

— Meninos?! Que porra tá rolando? — Luna perguntou, ainda em choque.

— Sei lá! Uns caras começaram a seguir a gente, e quando fomos dar uma mijada, eles brotaram do nada! — Tom chutou um dos corpos.

— Mas Pietro matou todos! — Jorge completou, meio rindo, meio tenso.

Pietro, com o rosto sério, levantou o celular. — Tentei falar com os outros, mas ninguém atende. Viemos direto pra cá.

— Porra… — Rita esfregou o rosto, tentando raciocinar. — Que merda tá acontecendo?

— Foda-se o que tá acontecendo — Tom interrompeu. — A gente tem que ir atrás dos outros agora.

♦♦♦

Depois de guardar o celular, o homem que acabara de matar Victor fez um sinal para os parceiros.

Um deles encolheu os ombros, pegou as chaves que o outro jogou e foi em direção à rua, resmungando baixo.

Mas antes que desse dois passos... Um vulto despencou do alto.

Uma mão — grotesca, vermelha de sangue — agarrou sua cabeça e o empurrou com tanta força que o crânio se espatifou no asfalto.

Os miolos se misturaram aos estilhaços de vidro que ainda choviam da janela do terceiro andar.

Os dois que restaram congelaram.

O ser à frente deles não podia ser humano.

Nu, coberto de ferimentos, banhado em sangue e respiração ofegante, Victor parecia algo nascido do próprio inferno.

Seus olhos queimavam. Os músculos vibravam em tensão, o ódio pulsando sob a pele como se fosse uma dor viva.

Um dos capangas tentou reagir, puxando a submetralhadora.

O click soou seco — pente vazio.

O desespero o fez tentar recarregar, mas o demônio já estava na frente dele.

O chute lateral o fez girar no ar, a arma voou longe.

Antes que pudesse cair, a mão de Victor agarrou sua garganta.

O estalo da traqueia partindo ecoou mais alto que o vento.

O último ainda tinha munição.

Disparou, recuando, mas Victor se protegeu com o corpo do outro, que já não passava de um boneco de carne.

O pente se esvaziou num instante.

O homem puxou uma faca, desesperado, e golpeou —

Victor bloqueou com o antebraço e respondeu com um gancho tão forte que o fez cambalear.

Não parou.

O sangue jorrava como chuva quente sobre a neve.

Quando o homem caiu, Victor continuou.

Soco após soco.

O rosto do inimigo já não existia, apenas uma massa disforme de carne moída e ossos fragmentados.

Mas ele não parava.

Cada golpe parecia uma tentativa de desabafar toda raiva que estava sentido.

E então... silêncio.

Apenas o som da respiração entrecortada e o ruído suave da neve caindo sobre o sangue quente.

Victor ficou ali, imóvel, os punhos, tremendo.

Sob o véu branco da noite, o demônio chorava sangue.

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