Primordium Brasileira

Autor(a): Lucas Lima


Volume 1

Capítulo 28: Possibilidade

O céu dourado se estendia em pinceladas quentes, enquanto nuvens macias eram atravessadas por silhuetas de fênix e pequenos dragões celestes. Ao redor, o topo da montanha guardava a fonte termal como um santuário escondido, um palco íntimo de vapor, água borbulhante e risadas femininas.

O calor subia em ondas, umedecendo o ar e deixando cada respiração mais lenta. As gotículas que se formavam sobre a pele brilhavam como minúsculos diamantes sob a luz suave, enquanto o som da água corrente se misturava ao riso delas.

Mia, Samira, Victoria e Nina estavam ali apenas para conversar — mas havia algo terapêutico no cenário, algo que dissolvia as defesas. Até mesmo as humanas, Samira e Vic, estavam ruborizadas, a pele tingida de vermelho pelo calor, os olhos semicerrados de prazer.

— Ah... isso é tão bom... — suspirou Samira, afundando os ombros, como se fosse derreter de tanto conforto.

— Nina, você é perfeita! Hehe... Quem diria que viraríamos amigas da Nina de verdade? — Victoria, sempre sem filtro, praticamente se colava na androide, deslizando as mãos sobre sua pele lisa. Nina riu nervosa, o rubor em suas bochechas denunciando o embaraço.

— Ei, Vic, dá um tempo — Mia puxou a bochecha da amiga, que resmungou antes de soltá-la.

— Não tem problema... — disse Nina, quase num sussurro. — Só não tô acostumada a algo de verdade.

O vapor pareceu prender-se no ar por um instante. Victoria arregalou os olhos, com um brilho que cintilava mais que a lua dourada no horizonte.

— Como assim, “de verdade”?! Hein? Hein?! — Seu tom era quase infantil.

Mia suspirou, sabendo que Nina estava perdida.

A pobre tentou escapar, deslizando pela piscina, mas Victoria se jogou atrás dela, agarrando-a pela cintura e mordendo-lhe o pescoço como uma vampira. O gemido abafado de Nina ecoou suave, arrancando gargalhadas das outras.

— Bom... — começou Nina, com a voz trêmula, — diferente da Mia, eu não tenho namorado... nem posso sair livremente por aí... então...

— ENTÃO?! — Vic se inclinou ainda mais, os olhos arco-íris faiscando.

— Então... eu criava minhas próprias companhias.

O silêncio caiu pesado, quebrado apenas pelo borbulhar da água.

— Companhias?! — repetiu Victoria, quase engasgando.

— Isso é... — Samira piscou, sem palavras.

— Conta tudo! — Victoria explodiu em riso, apertando Nina como um brinquedo precioso. — Conta tudo, agora!

Encurralada, Nina acabou revelando suas experiências virtuais, a voz falhando entre vergonha e confissão. Ao final, estava corada até a ponta das orelhas, lágrimas tímidas nos cantos dos olhos. Tentou se levantar para fugir, mas Mia e Vic a puxaram de volta, espalhando uma onda quente que fez a água respingar nos rostos de todas.

— Hahaha! Acredita, Samira?! A pequena Nina é ainda mais pervertida que a Mia! — Victoria gargalhou.

— Pois é... — Samira riu, cobrindo a boca.

— Ei! Eu não sou pervertida! — protestou Mia, indignada.

— Ah, claro... — Victoria arqueou as sobrancelhas. — Você e o Miguel transam até quando estão em missão! Outro dia, quando pedi pra pegarem documentos da Aurora Phase na Vênus, vocês demoraram tanto, né? Acha que não sei o que tavam fazendo?

Mia congelou, a pele já quente agora queimando em escarlate.

— Co-como sabe disso?!

— Eu plantei câmeras escondidas! — Victoria ergueu o queixo, triunfante. — Você precisava ver, Nina, a cara da Mia enquanto agarrava o cabelo de Miguel ajoel…

— PAARAAAA!!! — Mia gritou, cobrindo o rosto com as mãos, os olhos ardendo de vergonha.

— Hahaha! — Victoria se jogou para trás na água, gargalhando até a barriga doer.

Nina, que até então parecia morta de vergonha, ergueu os olhos tímidos e arriscou:

— E você me olhando com aquela cara...

Mia abriu a boca, sem conseguir responder, traída de todos os lados. Procurou Samira com um olhar desesperado, mas a menina apenas desviou os olhos, ruborizada, mordendo o lábio para conter o riso.

— Suas traidoras! — gemeu Mia, afundando até o queixo na água fumegante. As risadas das amigas ecoaram pelo vapor, misturando-se ao borbulhar da fonte.

Depois de um tempo, o alvo passou a ser Samira, que tentava se esquivar da atenção, a ousadia que costumava exibir agora derrubada pelo calor da situação. A vergonha quase a fazia desaparecer sob a água, mesmo que apenas por instantes.

Então chegou a vez de Victoria. Mas Vic tinha uma defesa inabalável: sua própria cara de pau. Não adiantava tentar pegas suas falhas — ela ria junto, provocando, dizendo que era tão pervertida quanto todas ali, virando a brincadeira a seu favor.

— Ei, Mia, e aquela novidade que você tinha pra contar? — Vic perguntou, reclinada sobre a esteira de bambu, segurando o chá virtual com um sorriso leve.

As outras se acomodavam ao redor, deixando o vapor da água subir em torno delas, os reflexos dourados do pôr do sol dançando na superfície da piscina térmica. O aroma suave das ervas flutuava no ar, misturando-se ao calor relaxante da água.

— Ah, sim… Eu e Miguel vamos administrar um puteiro.

— Puff! — Samira cuspiu o chá em Victoria, atingindo o roupão azul bebê da amiga. Mas, por sorte, as partículas virtuais se desfizeram em instantes, evaporando antes que alguém se sujasse de verdade.

Victoria parecia tão chocada que nem percebeu a cena. Nina, por outro lado, engasgou com o próprio chá, tossindo como se fosse morrer.

— Que foi? — Mia perguntou fingindo inocência.

— Hahaha! Do nada! Explica isso direito — Victoria insistiu, já recuperando a compostura, enquanto as outras meninas acenavam com a cabeça, ansiosas para ouvir a história completa.

— Então...

♦♦♦

A escuridão quase tomava conta de sua consciência. Por um instante, Miguel se esqueceu do que estava fazendo.

— Só mais uma!

A voz o puxou de volta, despertando-o no último instante.

Ele rangeu os dentes, quase os quebrando. Apertou os punhos até os dedos empalidecerem, o suor escorrendo em enxurradas pelo corpo, os músculos do peito ardendo como se fossem explodir.

Lenta, mas firme, a barra desceu e subiu, tremendo, até ser recolocada no suporte.

— Ahhh… haaahh… haaa…

Seus pulmões gritavam por ar. Os braços mal obedeciam, o peito queimava intensamente. Aos poucos, a escuridão deu lugar à luz do ventilador no teto do porão.

— Boa porra! — Leo deu um tapa nas costas de Miguel, fazendo-o gemer de dor. — E foi mal… hahaha.

Miguel segurou a mão de Leo, sendo puxado para ficar de pé. Lançou um olhar para a barra de supino: aço polido, com setenta quilos em cada extremidade — totalizando 160 quilos, contando a barra.

— Cara, você é forte pra caralho! Mesmo sendo magro assim.

Magro? Miguel riu. Perto de um gigante como Leo, realmente parecia. Mas estava na média para sua altura: nem esquelético, nem exageradamente musculoso. Sua massa se distribuía de maneira equilibrada acentuando um físico impecável.

— Nasci com uma condição especial.

— Que tipo? — Victor perguntou, pendurado na barra fixa do outro canto.

— Eu tenho o dobro de músculos de um humano.

— Sério?! — Tom interrompeu a sequência de remadas. — Então como não é maior que o Leo?

— É alguma mutação por causa do Primordium? — Pietro interveio, sugando o canudo da garrafa. Seu corpo pequeno contrastava com os outros, os traços andróginos e os longos cabelos presos em coque molhado pelo suor. Em vez de musculação, ele treinava com adagas em bonecos de madeira.

Miguel acenou.

— Apesar de ter o dobro de músculos, eles são menores que os normais. Mas a arquitetura deles é bem diferente. Em vez de ter fibras grandes e isoladas, elas se organizam em subunidades menores que se interconectam, como se fossem tramas, distribuindo a força de forma mais eficiente.

Ele encarou Leo.

— Dessa forma, minha força aumenta sem necessariamente aumentar o volume, assim consigo manter minha mobilidade e flexibilidade.

— Porra… você é quase um super-herói — Leo disse, batendo outra vez nas costas de Miguel.

Miguel tossiu. Todos riram.

— Pega — Victor atirou uma garrafa para ele ao descer da barra fixa. Como os outros, estava suado, sem camisa, apenas de calça e descalço.

— Valeu.

No vestiário, enquanto o vapor subia e a água escorria, Miguel teve sua atenção roubada por algo que o deixou desconcertado.

— Hahaha! Eu sei no que tá pensando — Leo passou o enorme braço robótico por sobre o ombro de Miguel e riu, também olhando para Pietro que se refrescava ao lado. — Como caralhos alguém tão pequeno e feminino tem um pau tão grande!

— Vão se fuder! — Pietro lançou um olhar frio, mas o leve rubor no nariz tornava a ameaça quase cômica.

— Foi mal... — Miguel se desculpou e voltou a lavar-se. Mas então, PÁ!

Um golpe certeiro nas costas fez Miguel gemer de dor.

— Seu corno de merda! — Miguel se virou para Tom, que empunhava uma toalha molhada.

— Vai à merda, seu hipócrita!

— Do que tá falando? — Miguel já molhava outra toalha, pronto para devolver na mesma moeda.

— Vai se fazer de sonso agora? — Tom protestou, gesticulando em direção a virilha de Miguel.

Miguel não se deixou distrair. Num movimento rápido, chicoteou a toalha molhada na costela de Tom, que envergou como um camarão.

— Desgraçado... — murmurou Tom, ajoelhado, sentindo a marca vermelha se formar.

No canto, Victor observava, rindo baixinho desses idiotas. Seus músculos bem definidos se moviam com naturalidade a cada gesto de esfregar o sabão, e as tatuagens que adornavam a pele pálida pareciam ganhar vida com a umidade, contornando ombros e peito em linhas precisas.

Pietro permanecia esbelto e delicado, quase feminino na composição do corpo, mas a ironia daquilo contrastava com a parte desproporcional que Leo havia comentado antes. Ele observava de canto Miguel e Tom, que brigavam como duas crianças, chicoteando-se com as toalhas molhadas.

Leo quis se juntar, mas quando acertou Miguel na coxa teve seus olhos atacados por sabão.

— Filho da puta, cara! — gritou enquanto escorregava, caindo de costas no piso molhado.

Miguel não pegava leve, ainda mais com quem o atacava covardemente.

Miguel e Tom já estavam cheios de marcas avermelhadas em seus corpos, mas pareciam que iriam continuar até um deles desistir.

Realmente... duas crianças.

Quando estavam prestes a começar uma nova rodada, Victor os bateu com sua toalha.

— Porra! — Tom caiu de joelhos novamente, gemendo de dor.

— Merda... — Miguel também murmurou, pressionando a costela, local em que Victor o acertara.

— Já chega, né — suspirou. — Não desperdicem mais água.

— Foi mal — responderam em uníssono, meio envergonhados.

Após a confusão com as toalhas e o sabão, todos se dirigiram à sauna anexa, onde o calor seco começava a envolver os corpos.

Pietro pegou um pequeno balde e derramou água sobre as pedras quentes, fazendo o vapor subir lentamente, espesso e úmido, preenchendo o ambiente e envolvendo todos em uma atmosfera calorosa.

— E sobre aquele plano? — Victor se virou para Miguel.

— Que plano? — Pietro perguntou, afastando uma mecha da nuca branca, gesto sutil que fez os rapazes ao redor estremecerem levemente.

Miguel tossiu, corando discretamente, evitando contato direto. — Eu estava pensando… talvez dê para nos livrarmos de Hugo sem alertar Cezar.

O calor fazia a pele brilhar e acentuava a tensão corporal de cada um.

— Pelo que descobrimos, Hugo estava atrás de Vic e Mia. Vic por causa da Aurora Phase... e Mia porque acreditava ser o protótipo da androide mais avançada do mundo.

Victor estreitou os olhos, inclinado para frente. — Hm-hum.

— Mas os planos dele deram errado. Agora está sob a asa do tio. — Miguel respirou fundo, como se organizasse o pensamento. — Não quer dizer que ele tem medo. É mais uma forma de manter pressão.

Victor ergueu uma sobrancelha.

— Você tem certeza disso?

— Tenho. — Miguel respondeu sem hesitar. — E mais: estou convencido de que ele não falou nada sobre mim, Victoria ou Mia para o tio.

— Por que acha isso? — Victor rebateu, a voz firme.

Miguel apoiou os cotovelos nos joelhos, a testa úmida pelo calor.

— Já faz mais de um mês desde aquele incidente. Nenhum dos homens de Cezar veio atrás da gente. — Ele fez uma pausa, o olhar fixo no chão. — E pelas informações que coletei, Cezar também mexe com tráfico. Victoria não deve interessar muito a ele... mas Mia é diferente. Eu também.

Victor inclinou a cabeça, em silêncio.

— O Primordium não pode ser roubado — Miguel continuou. — Mas ainda assim, Cezar teria motivos pra tentar uma aliança comigo... ou me eliminar de vez, só pra evitar problemas futuros.

Ou pior ainda, me entregar para alguma corporação...

— O fato de nada disso ter acontecido só confirma: Hugo é ambicioso demais pra dividir a própria ideia.

— Entendo. Mesmo assim, se Hugo contou da treta pro tio, matar ele agora não resolve. — Pietro interveio. — Cezar viria atrás da gente do mesmo jeito. Mesmo sabendo que Hugo possui vários rivais, seríamos os primeiros na lista. E, conhecendo o cara, ele não ia perguntar nada — só ia matar todo mundo até ficar satisfeito.

— E se ele soubesse logo de cara quem matou o sobrinho? — Miguel pegou um pouco de água e derramou sobre a brasa. — E ainda... e se quem matou seu sobrinho foi um dos próprios homens dele?

 

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