Primordium Brasileira

Autor(a): Lucas Lima


Volume 1

Capítulo 27: Situação precária

Segundo estudos sobre a neurobiologia do comportamento sexual, o cérebro funciona em camadas sobrepostas.

As regiões mais antigas — hipotálamo e amígdala — reagem imediatamente a estímulos sexuais, programadas por milhões de anos para agir rápido, sem reflexão.

O córtex pré-frontal, responsável por ponderar escolhas e sustentar compromissos, é mais lento; calcular riscos, consequências e valores exige energia e foco.

Em situações prolongadas de excitação, a razão tende a perder espaço. O sistema límbico continua disparando sinais, inundando o corpo com dopamina e testosterona, enquanto a mente consciente se esgota tentando manter o controle.

O resultado é previsível: quanto mais intenso o estímulo, maior a chance de o instinto prevalecer sobre o raciocínio.

Miguel sabia disso muito bem.

— Ahh… haah… isso… Huumm…

Miguel suspirou fundo, sentindo o coração acelerar. Cada toque, cada gemido, drenava sua concentração. Mesmo com o Primordium, ainda era humano; por mais estoico que fosse, havia limites. O corpo respondia antes da razão conseguir intervir.

— Não para… Mi…

Só Victoria o chamava assim. Ouvir Miriam gemer o apelido foi a gota d’água. Ele se levantou de cima dela, afastando as mãos das costas nuas que momentos antes massageava. Suspirou. Olhou para baixo, fitando sua virilha. Quão problemático!

Miguel, criado praticamente sozinho por sua mãe e influenciado a buscar sua própria visão de mundo, nunca se prendeu a moralidade tradicional. Culpa e regras convencionais eram apenas limitações da vida, na visão dele. Mas ainda mantinha uma base ética própria: não era um hedonista sem limites, apenas alguém que buscava viver intensamente, livre de culpa.

Aproveitar o momento estava bem; perder totalmente o controle, nem tanto.

— Preciso respirar. — Murmurou, forçando a atenção para longe do corpo de Miriam. Mordia a língua para não ceder.

— Se tá tão excitado, por que não come a gente? — provocou Aline, a ruiva que chegara vinte minutos antes, abrindo o zíper da camiseta laranjada. Sua voz misturava desafio e humor.

Miguel estremeceu.

— Olha como tá duro! — apontou Andressa, uma das nove garotas reunidas no quarto.

Ele olhou para todas elas. Os olhares de expectativa o deixaram ainda mais perturbado. Nenhuma buscava dinheiro; se fosse esse o caso, seria mais fácil recusar. Mas estava claro que fariam qualquer coisa por vontade própria.

Miguel passou a se preocupar com elas de verdade. Sob a pressão constante em que se encontravam — vulneráveis e dependentes — não demorou para que, com pouquíssimo tempo, se tornasse uma presença influente em suas vidas. Victoria certamente o chamaria de “cafajeste nato”, e ele retrucaria dizendo que foi sua mãe que o influenciou a ser assim.

Ainda assim, era inegável: a vulnerabilidade e a dependência das mulheres faziam com que suas defesas se rompessem facilmente diante dele. Claro, ele sabia que não eram tolas, nem que se entregariam a qualquer gesto de carinho; mas aqueles com mais habilidade de manipulação poderiam facilmente tirar vantagem da situação.

— Eu já volto… — disse, dando um passo para a saída.

Então Sabrina, sempre provocante, soltou, quase em desafio:

— Sério que prefere bater uma punheta do que gozar com a gente?

O comentário cortou o ar, e Miguel sentiu um estalo de irritação misturado a exasperação. Ouvir as outras rirem só o deixou mais puto.

— Apesar de gostar de vocês, nossos laços ainda são estreitos e mais comerciais do que amizade verdadeira — respondeu, frio, controlando cada palavra. — Mas se tivesse mais afeto e vínculo…

— Então? — Sabrina fez beicinho, desafiadora.

Miguel sorriu, um sorriso leve e quase infantil.

Só.

Um gesto suficiente para fazê-las estancar a respiração por um instante.

— Além disso, quero todas bem vestidas quando eu voltar!

Ele virou-se e finalmente saiu, sentindo o peso da tensão ainda pulsando no ar.

♦♦♦

Nill e Leny.

Geralmente apareciam no Lar dos Casados às quintas e domingos.

Nos fundos do casarão, sentado em posição de lótus, Miguel acalmava o corpo enquanto refletia sobre as informações que ouvira das meninas.

Gostos agressivos, violentos. Já haviam machucado todas. Na semana passada foi Sabrina e Miriam.

Anteontem, Beatriz — que agora estava em uma clínica clandestina — e Babi, desaparecida desde que saiu em busca de tratamento.

Sabrina mancava, a coxa inchada e dolorida. Disse que também apanhara no rosto e nas costelas. Miriam estava pior: as costas riscadas de hematomas e cortes de chicote, cada movimento arrancando-lhe caretas. Mesmo assim, trabalhavam. Todas trabalhavam, porque não havia escolha.

Sabrina carregava ainda o peso de um filho de dois anos. A avó da criança morrera de pneumonia, obrigando-a a trazê-lo para viver naquele lugar. No segundo andar, outros quartos serviam de abrigo às crianças das demais que agora estavam na igreja no outro bairro.

Aline também tinha um filho de oito anos. Andressa, a mais nova, escondia as próprias dificuldades atrás de um falso entusiasmo. Falava em virar atriz, como se isso fosse algum tipo de luz no fim do túnel.

Miriam era namorada de Yan Lee e sonhava se casar, mas sem estudo nem dinheiro, acabou ali.

— Outrora esse lugar era conhecido como o melhor puteiro da Zona Sudeste... — Miguel murmurou para si, abrindo os olhos e inspirando fundo. — Mas desde que uma nova linha de androides sexuais mais baratas e acessíveis começou a ser comercializada, vários cafetões trocaram as garotas por maquinas. Mais barato e lucrativo.

Foi assim que o Lar dos Casados começou a ruir. Sem clientes, Maria, a dona, não conseguia mais pagar seguranças. Todas sofreram ainda mais. E havia os custos de manter a casa — energia, água, comida. Se o casarão não fosse herança, já teriam sido despejadas.

Miguel pensou em Maria. Ela o havia recebido na entrada, e não escondeu que também trabalhava com o corpo. Mas o que mais chamou atenção nele foi sua empatia. Num mundo onde cafetões tratavam pessoas como mercadoria, ela ainda acolhia as garotas, cobrando apenas o mínimo para manter a casa de pé. Mesmo agora, quando tudo ameaçava desmoronar, não as abandonava.

— Não tenho obrigação de ajudar... — Miguel sussurrou, frustrado. — Então por que sinto isso? Como se fosse minha responsabilidade emprestar minha força a elas... Já tenho tantas coisas em meus ombros.

As meninas também falaram de Cezar. Segredos sussurrados pelos próprios capangas, bêbados ou chapados durante os programas. Informações que talvez nem Júlia conseguisse arrancar.

Miguel prendeu a respiração. Um choque percorreu o corpo.

— Eu posso usar isso...!

— Usar o quê?

A voz suave o arrepiou. Ele se virou rápido e lá estava ela. Sua deusa.

Mia riu da reação dele, aproximou-se com passos leves e se atirou em seus braços, beijando-o.

— Hm? Com quantas mulheres esteve? — perguntou, fungando no cangote dele e fazendo beicinho.

— Nove — respondeu sem rodeios.

O bico dela aumentou. Pisou no pé dele.

— Seu desgraçado, vou arrancar seu pau!

— E o que vai fazer sem ele?

O rosto dela corou de um jeito que parecia sair fumaça. Deu soquinhos no peito dele, até que Miguel a segurou firme, rindo.

— Me solta, cachorro no cio!

Mas era tarde: ela já ria com ele.

— Já conheceu elas? — ele perguntou.

Mia se aquietou nos braços dele, mas o beliscava com força na cintura, arrancando caretas.

— Hm. A tia Maria é bem gentil, e as meninas são legais.

Ela virou o rostinho e estreitou os olhos.

— Então, vai me contextualizar? Quando ligou parecia estar com problemas. O que houve?

Miguel resumiu desde a briga com a Gangue do Machado até a chegada ao casarão, como foi levado ao quarto por Sabrina, a troca de favores que acabou de forma imprevisível, como uma amiga chamando a outra e assim por diante, quando viu já havia nove garotas com ele.

E pelo fato de o lugar ser tanto um puteiro quanto o lar delas, a casualidade delas era exposta sem cerimonias, com várias completamente nuas e outras seminuas. Com tanto estimulo nem ele suportou.

— Então é por isso que você tá assim... — Mia sussurrou, apalpando o volume da calça dele. Miguel estremeceu entre tesão e confusão. Ela nunca era tão ousada fora da intimidade. — Você sofreu, né, meu amor?

Aquilo o deixou desconfiado, mas seu corpo o traiu. Mia invadiu ainda mais apertando diretamente e mais forte e então... uma dor cortante. Ela esmagou seus testículos!

Miguel viu estrelas antes de ser solto.

— Humpf! Agora aguenta!

Mia não sentia mais ciúmes de Victoria ou Samira, mas porque elas eram suas melhores amigas, com laços tão estreitos que praticamente poderiam se chamar de irmãs de consideração. Mas com outras mulheres, desconhecidas, o ciúme brotava.

Miguel entendia. Ele também sentiu ciúmes quando Mia contou que seduzira um velho tarado para ajudar Samira a matar aula outro dia. Contudo, sabia que sua mulher estava tão somente fazendo uso de suas próprias armas sem qualquer envolvimento afetivo, e ele apreciou isso.

De joelhos, ele olhou para Mia com um sorriso torto, ainda segurando a virilha.

— Apertei demais?

Ela se agachou, mordendo o lábio, arrependida.

— Minha Mia nunca me machucaria de verdade.

Ele a puxou para si. Ela resistiu um instante, mas cedeu. Miguel a beijou, apalpando sua bunda.

— Safado.

— Você também é.

— Cala a boca...

Os dois riram antes de se perderem na paixão.

♦♦♦

— Nill e Leny, né? Eles merecem morrer! — Mia bufou, massageando o ombro de Karine.

Ao voltar pro quarto com Mia, o casal foi recebido por quase todas as garotas com sorrisos descarados; sabiam o motivo da demora. Miguel parecia renovado, como se uma pedra gigante tivesse saído de suas costas. Para sorte dele, as meninas o respeitavam — mais ou menos — e, pelo menos, já não estavam mais completamente nuas.

Mia passou a ajudar nas massagens fisioterapêuticas. O carisma natural dela rapidamente a colocou no centro das atenções; as garotas discutiam animadas sobre o relacionamento do casal. Miguel acabou ficando meio de lado, mas sentia um alívio enorme.

E conseguiram reunir informações úteis. Quanto mais Mia cuidava das colegas, mais ela se indignava com as agressões que sofreram — jurava, entre dentes, que aqueles desgraçados iam morrer.

— Relaxa, Mia. As coisas são assim, infelizmente — murmurou Karine. — Ao menos esses filhos da puta pagam direitinho.

Miguel viu a mão de Mia tremer; o rosto dela ficou sombrio, uma mistura de raiva e tristeza. Karine, por sua vez, mal conseguia pagar a hemodiálise do pai; a mãe já morrera.

— Não! Isso tá errado! — Mia sacudiu a cabeça, com lágrimas brilhando nos cantos dos olhos sob a luz fraca do quarto. — Eu vou ajudar vocês!

Ele já esperava por isso. Também sentia uma necessidade incômoda de agir. Se Mia dera o primeiro passo, ele a apoiaria.

— Hm. Eu te ajudo.

— Do que tão falando? Ajudar? Dois pirralhos? — Sabrina, já na lingerie de trabalho e passando rímel, interrompeu, meio desleixada.

— Pirralha?! — Mia ficou furiosa. Apontou para o ventiladorzinho na frente de Sabrina e, com um sorriso gelado, girou os dedos no ar.

O ventilador disparou na velocidade máxima, levantando um pó rosa que cobriu o rosto de Sabrina. Ela ficou toda corada.

— Hahahaha! — As meninas caíram na risada.

— Mia, sua! — Sabrina correu atrás dela, que ziguezagueou entre as camas, rindo e fugindo da cara rosa de fúria.

— Pera! Calma! — Andressa tentou segurá-la quando quase pegou Mia. — Como tu fez isso?

O quarto ficou em silêncio por um segundo, todas olhando para Mia.

— Ué, só hackeei o ventiladorzinho.

— Você é hacker? Que foda! — alguém exclamou.

Mia suspirou, meio cansada de explicar:

— Na verdade… eu sou um androide.

O silêncio foi imediato. Miguel sentiu a tensão no ar — todas ali tinham antipatia por androides. Miriam, porém, bateu palmas para quebrar o clima:

— Então é por isso que te achei familiar. Você é o modelo “Nina”?

— Quase isso — Mia respondeu, preguiçosa.

— E você, Miguel? Apareceu do nada perguntando sobre a maior facção de Neo Alvorada. Quem é você... Quem... são vocês?

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