Volume 1
Capítulo 26: Lar dos Casados
Um arco branco riscou o ar quando a lâmina do machado quase atingiu Miguel, que, com um passo ágil, desviou para o lado. Mas, quase imediatamente, outra lâmina cortou diagonalmente em direção ao seu ombro direito.
Miguel inclinou o tronco suavemente, aproveitando a inércia para agarrar o punho do segundo agressor com outra machadinha. Num impulso, girou o oponente no ar e o derrubou de costas contra a mesa do restaurante chinês, espalhando pratos e talheres recém postos.
Deu alguns saltos para ganhar espaço, observando os inúmeros adversários que chegavam pelas outras entradas — todos de ternos pretos, cada um empunhando machadinhas! Da cozinha surgiram duas tiazinhas em aventais brancos, brandindo facas e cutelos.
Era o tipo de situação que colocaria qualquer pessoa em pânico… mas não Miguel. Ele estava empolgado, absurdamente empolgado!
Gangue do machado?! Sério? Será que esses caras se inspiraram naquele filme? Com certeza! Miguel não conseguia deixar de lembrar de um de seus filmes de ação favoritos.
Mais cedo, ao chegar sozinho para cobrar as dívidas da gangue para a Crimson Wolf, já tinha se maravilhado com aqueles sujeitos de terno e machadinhas cheios de tatuagens. E quando se recusaram a pagar, ameaçando matá-lo se não fosse embora, sua empolgação só aumentou.
— Matem esse filho da puta! — alguém gritou.
Quase no mesmo instante, algo brilhou no ar. Miguel mal conseguiu reagir; a dor aguda veio e, ao olhar para o ombro, viu uma shuriken com cinco pontas afiadas perfurando sua jaqueta e a pele, o sangue escorrendo. Contudo…
— Uma shuriken?! — Seus olhos brilhavam. Nem sentia a dor que deveria latejar. Sem hesitar, lançou horizontalmente em um movimento rápido. A shuriken rasgou o ar, mas errou pateticamente; uma das pontas perfurou uma das luminárias de papel alaranjada.
Droga! É mais difícil do que parece!
Três adversários avançaram, machadinhas erguidas acima do ombro, prontos para fatiá-lo.
Miguel, que normalmente lutava no estilo único desenvolvido por sua mãe, decidiu desta vez usar apenas kung fu.
Como era infantil!
Ele correu para frente, pisou forte no chão ao saltar e girou exageradamente no ar. Seu pé direito afundou no peito de um dos três, mandando-o voar para trás. Ao aterrissar, foi recebido pelos outros dois flancos ao mesmo tempo.
Conseguiu segurar ambos os pulsos que empunhavam as machadinhas e, enquanto se lançava para trás, usou as pernas para projetá-los para o alto, desenhando parábolas elegantes e derrubando a dupla no chão.
Tão exagerado! Sua mãe o espancaria se o visse desperdiçando tanta energia em movimentos desnecessários!
Com um impulso usando as palmas das mãos, Miguel voltou a ficar de pé com um único salto. Olhou para todos, sorriso confiante no rosto, braço esquerdo atrás das costas e direito à frente do peito, palma aberta, convidando-os:
— Venham!
Sim… sua mãe definitivamente o espancaria!
♦♦♦
Após meter a porrada em todo mundo, Miguel coletou a dívida. Não matou ninguém, mas achou que valia a pena extrair algumas informações.
E, faminto, de um jeito nada tímido, puxou uma cadeira e sentou-se em uma das mesas, pedindo o prato do dia.
— O que podem me dizer sobre Cezar, dos Cães Negros?
Na fileira de sujeitos ajoelhados, um levantou a mão que não estava enfaixada:
— Ouvi dizer que ele era um corpe que largou um cargo importante pra virar criminoso, mas ainda mantém conexões com figurões.
Os outros acenaram com a cabeça.
Interessante, pensou Miguel, provando uma garfada do frango xadrez fumegante, os pimentões e cebolas estalando sob os dentes.
— E os boatos de que a gangue dele é a mais forte de Neo Alvorada?
As informações de Júlia falavam apenas da ligação entre Cezar e Hugo, mas também diziam que ele era um dos picas grossas da cidade. Podiam até pedir para Júlia levantar mais dados, mas… quanto isso custaria? Melhor investigar por conta própria e só chamar Júlia se fosse realmente necessário.
Outro, com o olho roxo, ergueu o braço. O gesto era até engraçado de tão submisso.
— Sim, chefe.
Chefe?!
— Cezar reuniu várias facções dispersas. Foi assim que formou uma única organização, que rapidamente se tornou a mais forte.
Ele já tinha ouvido isso de Victor, mas confirmar não fazia mal.
— Tem algo que nem todo mundo saiba dele?
Os ajoelhados se entreolharam, visivelmente quebrando a cabeça, talvez por medo de serem espancados outra vez. Nesse momento, uma das tiazinhas saiu da cozinha com passos apressados. O ar trazia o cheiro de óleo quente e gengibre fritando na wok. Ela colocou uma bandeja na toalha vermelha estampada de fênix, o vapor subindo dos potes de arroz e do chá de jasmim.
— Obrigado, tia. Está tudo delicioso.
— Hahaha! Que bom que gostou, coma o quanto quiser, Miguel!
Minutos atrás essa mesma tia tentou esfaqueá-lo com uma faca de desossar. Agora sorria de orelha a orelha.
— Então? — Miguel lançou-lhes um olhar caloroso.
Mas ao contrário do que pretendia, todos empalideceram. Ele suspirou.
— E-eu sei de algo… eu acho… — gaguejou o do canto, o braço preso em uma tipóia improvisada, feita de um pano que cruzava o ombro.
— Minha… cof… uma amiga que trabalha no Lar dos Casados disse que viu um capanga dele por lá.
— “Lar dos Casados”? Que lugar é esse?
— É um puteiro famoso no bairro da luz vermelha na Zona Sudeste — respondeu outro.
— Entendi. Gostei do nome. — Miguel riu do sarcasmo óbvio, achando genial.
— Ei, por que diabos estão todos de joelhos? Já tá quase na hora do almoço, vamos comer.
Eles se entreolharam, hesitantes. Quando o primeiro criou coragem para se levantar, os outros o seguiram. Logo estavam todos disputando lugar, puxando cadeiras, ainda doloridos, mas se servindo de arroz, molhos e chás. O contraste era surreal: pouco antes tentavam matá-lo, agora dividiam a refeição com ele como velhos conhecidos.
— Vou dar uma passada nesse Lar dos Casados. Pode me passar o contato da sua amiga?
O homem chamava-se Yan Lee. Ele ficou desconfortável, mas o medo falou mais alto.
Miguel sorriu. Eu não vou lá pegar sua namorada, cara.
— Só quero informações. Prometo que não vou machucar ou ameaçar sua amiga.
— Tu… tudo bem… — murmurou, entregando o endereço.
Depois do almoço, Miguel agradeceu às tias pela comida e prometeu trazer Mia um dia. Também pediu à Gangue do Machado que não se esquecesse de pagar as dívidas em dia — senão, teriam outra rodada de surra.
♦♦♦
Numa das ruas do Bairro da Luz Vermelha, mulheres em roupas apertadas e curtíssimas — ou até sem peça alguma — chamavam como vendedoras de feira: “Promoção, gatinho!”, “Dois por um!”.
Michês encostavam em postes, exibindo tatuagens luminosas no abdômen que piscavam como letreiros. Quem parecia ingênuo era fisgado sem cerimônia, puxado pelo braço até uma porta aberta.
Além dos motéis discretos, havia também cubículos pouco maiores que hotéis-cápsula, empilhados um sobre o outro. Alguns, ainda mais decadentes, tinham biombos de acrílico rachado para garantir a mínima privacidade; outros, só uma cortina puída num beco qualquer.
Nos cantos, mendigos se enfiavam em caixas de papelão descartadas, cobertos de jornais de papel que se recusavam a perder para o tempo. Robôs de limpeza passavam indiferentes, sugando bitucas, camisinhas e fluidos sem distinção, deixando atrás um rastro de cheiro químico.
Homens engravatados saíam de boates de três andares, gravata torta, pasta de executivo numa mão e acompanhantes a tiracolo. Jovens nervosos eram engolidos por becos de neon, seduzidos por sorrisos fáceis e gemidos teatrais exagerados.
Miguel atravessava aquilo como um turista perdido. No início ainda pedia desculpas, envergonhado de recusar. Depois de alguns quarteirões, com a paciência esgotada, simplesmente passou a ignorar qualquer convite.
Então viu o “Lar dos Casados”. Uma casa. No meio de prédios de vidro e ferro, uma casa. Portão de ferro, grades enferrujadas, pintura descascada. O corredor de entrada estava imundo, azulejos quebrados, manchas escuras que ninguém mais se incomodava em limpar. Uma van abandonada na garagem estava coberta de frases rabiscadas: “me limpe”, “me dê água”.
Como não havia indicativo de estar aberto ou fechado, Miguel entrou como quem entra em qualquer lugar.
O interior da casa se revelava grande, quase uma mansão, mas claramente resistindo ao tempo. O piso de madeira rangia sob seus passos, e as paredes exibiam fissuras discretas e manchas de tinta descascada, sem nunca parecerem sujas.
Sofás e poltronas de couro sintético estavam limpos, ainda que gastos pelo uso, espalhados pelo salão de entrada.
Pôsteres e quadros eróticos decoravam as paredes, alguns ligeiramente tortos, como se tivessem sido ajustados apressadamente. Luminárias de metal e vidro, de estilo antigo, permaneciam desligadas.
Pelas janelas altas, a luz natural entrava filtrada pelas cortinas parcialmente abertas, criando padrões de sombra e refletindo nos móveis com um brilho frio.
No centro do salão, uma mulher de cerca de quarenta anos passava pano no chão, o corpo coberto por uma toalha rosa e os cabelos enrolados em outra branca. Ela se abaixava para alcançar cantos e se endireitava, soltando baforadas de fumaça que se misturavam ao leve aroma floral do desinfetante. Apesar da aparência atraente, a cena era banal — apenas alguém cuidando da limpeza da casa.
— Ah, olá. Ainda não abrimos — falou. — A maioria das meninas ainda está dormindo ou se aprontando, mas já tô acabando aqui. Caso queira uma mulher mais madura, pode esperar ali — disse, apontando para um sofá gasto no canto.
Miguel tomou cuidado para não pisar nas partes molhadas, desviou de mesas e poltronas, roçando levemente a mão em um vaso de plástico enquanto caminhava pelo salão. Como sempre, não se acanhou diante da situação, que para muitos seria constrangedora.
— Oi. Estou procurando por Miriam. Liguei para ela mais cedo.
A mulher suspirou, ajustando a toalha na altura dos seios, e apontou com o cigarro para o corredor à esquerda.
— Quarto dois. Mas acho que ela ainda está no banho. Mas pode ir lá.
Miguel assentiu, tirou as botas e as carregou na mão. O rangido do piso acompanhava cada passo dele, e seus olhos percorriam o ambiente, captando cada detalhe — o leve desgaste do mobiliário, os pôsteres tortos, as fissuras nas paredes, as cortinas que se moviam suavemente com o vento que entrava pelas janelas.
A mulher sorriu docemente. — Obrigada pela consideração.
Miguel girou a maçaneta do quarto número dois, mas ao abrir a porta percebeu que estava sendo indiscreto demais.
— Acho melhor esperar lá no sofá — murmurou para si mesmo, fechando a porta e se virando para o salão.
Olhou por cima do ombro e viu uma baixinha de cabelo molhado descendo as escadas do segundo andar. Miguel percebeu que seus passos eram ligeiramente inconsistentes, como se sofresse alguma dor, e notou uma mancha roxa na coxa direita.
— Hm? Quem é você? Ainda tá cedo pra clientes — disse a garota, sem constrangimento, apenas enrolada na toalha. — Eu não tinha marcado com ninguém pra essa hora... Ah! Você é o cara que ligou pra Miriam, né?
Devido ao ângulo em que descia, Miguel acabou vendo, sem querer, mais do que deveria por baixo da toalha, mas a garota parecia não se importar. Um brilho animado surgiu em suas pupilas negras enquanto torcia o cabelo para remover o excesso de água.
— Você é amiga dela? — perguntou Miguel.
— Sim. Sou Sabrina. Prazer, Miguel, né?
— Hm-hum.
— Vem, vamos entrar, eu também durmo nesse quarto — disse ela, sem cerimônia, puxando Miguel consigo.
O quarto era pequeno, mas acolhedor. Duas camas de casal cabiam ali confortavelmente, com o armário embutido na parede do fundo. Os criados-mudos guardavam os objetos pessoais, e um tapete felpudo absorvia o leve som dos passos sobre o piso de madeira.
Sabrina passou por Miguel após fechar a porta, jogou a toalha sobre a cama da amiga e se virou para ele, seu corpo ainda molhado, provocando discretamente enquanto apenas calçava sandálias azuis. Pegou uma escova na cômoda e penteou o cabelo rapidamente, espalhando algumas gotículas sobre o tapete. Parecia apressada, mas despreocupada.
— Então, Miguel. Vai brincar só com a Miriam hoje? Que tal comigo? Cinquenta uma rapidinha, cento e cinquenta a hora, duzentos e cinquenta anal. Sou mais bonita que a Miriam — disse, provocando com um sorriso desafiador.
Miguel riu sem graça.
— Não tô aqui pra isso.
— Ahn? Tá aqui pra quê então? — Sabrina se jogou de costas na cama, ainda escovando o cabelo.
Miguel manteve a postura calma. — Queria perguntar umas coisas a Miriam.
— Que coisas? — ela arqueou uma sobrancelha, claramente interessada.
— Uns dias atrás um cara veio aqui, pelo que soube era um membro dos Cães Negros. Você sabe de alguma coisa?
Sabrina apoiou o cotovelo na coxa, cruzando as pernas. — Talvez eu saiba.
Miguel sorriu. Ela sorriu de volta.
— Pode me dizer o que sabe?
— Acho que posso… — a voz arrastada deixava transparecer que queria negociar.
— Quanto?
— Trezentos.
— Vou esperar por Miriam então.
— Seu chato! Tá bom, tá bom… duzentos.
— Cento e cinquenta, e eu te ajudo com isso.
— Isso? — murmurou desconfiada.
— Sua perna.
Miguel se aproximou e, sem hesitar, separou a perna direita da esquerda, apalpando suavemente a coxa dela.
Sabrina mordeu o lábio, contraindo o corpo.
— Filho da p — gemeu, surpresa.
— Como se machucou? — perguntou, ainda massageando com cuidado.
— Não te interessa porra… — murmurou, franzindo a testa ao sentir a pressão. — Caralho! Isso dói! Aí!
Miguel apertou suavemente ao redor do hematoma, sentindo o inchaço leve e o calor local, sinal de que era recente. Sabrina riu, nervosa, enquanto Miguel continuava descaradamente a “tratar” a perna.
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