Primordium Brasileira

Autor(a): Lucas Lima


Volume 1

Capítulo 24: Amo vocês

Na seção de drones de combate, Mia quase chorou.

— Que preços são esses!

Tudo parecia absurdamente caro... ou era ela que era pobre?

O drone de combate mais barato, o modelo LEMI R-16 com uma única arma acoplada de 9mm custava 12 mil reais!

Mia tinha trabalhado duro com Miguel nas duas últimas semanas, em trabalhos que a gangue passou a eles. Sua conta digital tinha pouco mais de 6 mil reais e mais 2 mil em cédulas! Mas estava longe de conseguir pagar por um drone desses.

Além disso, o modelo que ela queria era o LEMI X-99 com munição .50 e camuflagem óptica.

Mas esse custava 220 mil reais!

— Merda de capitalismo!

— Calma, Mia! Eu te ajudo a comprar um — disse Samira, tentando acalmá-la.

Mia balançou a cabeça resignadamente. Queria não precisar colocar peso sobre as outras. Mas logo percebeu que subestimou suas companheiras.

— Ei Mia, somos uma família! Humpf! Eu também vou te ajudar. Mas vamos escolher um bonzinho que não seja caro demais.

Victoria enlaçou o braço esquerdo dela com Samira prendendo o outro. Mia sorriu levemente. Como estava feliz por ter elas em sua vida.

— Eu...

Amo vocês.

— Hm? O que foi?

— Nada não!

Mia folheou o catálogo da seção por um bom tempo.

No final escolheu o modelo FEMI P-32, acoplado a um pod leve de arma — nada monstruoso como o X-99, mas o suficiente para fazer barulho quando preciso. O aparelho parecia menor do que ela imaginara: carcaça em negro fosco com nervuras azuis que tremeluziam quando ligava, hélices que dobravam rente ao corpo, e um anel de LEDs âmbar que piscava intermitentemente.

O drone parecia caber em uma mochila pequena; quando o vendedor o deixou subir uns centímetros para mostrar o hover, o som era um zumbido fino, quase musical. Mia ficou satisfeita.

O valor final apareceu no visor holográfico: 23 mil reais.

Mia quase caiu pra trás.

— Eu… eu vou usar tudo o que tenho. — engoliu seco, transferindo o saldo da conta e as notas que guardava na mochila.

— Bem, é o que eu tenho no momento... — Samira se apressou, completando com mais quatro mil.

No fim, Victoria bufou, rolou os olhos e simplesmente passou o cartão.

— Pronto. Fechado. — disse, como se fosse nada. — Relaxem, eu cubro o resto.

Mia olhou para as duas, emocionada e envergonhada ao mesmo tempo.

Na saída, os funcionários e clientes lançaram olhares diversos — a maioria carregados de ironia. Três garotas com cara de colegiais, saindo radiantes de uma loja com um drone militar de ponta, era quase cômico para quem assistia.

Pouco antes de cruzar a porta automática, Mia virou o rosto por sobre o ombro.

Levantou a mão e acenou, esboçando um sorriso suave na direção da área sombria reservada aos androides e robôs em standby.

E foi então que algo improvável aconteceu: um por um, eles corresponderam. Mesmo os modelos esqueléticos, sem pele sintética ou expressão alguma; até os androides de baixo custo, incapazes de imitar gestos humanos com perfeição. Todos, sem exceção, deixaram o modo de espera apenas para acenar de volta.

♦♦♦

Mia abraçava a caixa do drone contra o peito, radiante.

— Tô com fome! Bora comer! — Victoria anunciou, guiando as duas direto para a praça de alimentação.

O grupo não demorou a decidir: sushi sintético. O letreiro holográfico em kanji pulsava acima da entrada do restaurante japonês, mesclando-se ao cheiro artificial de peixe replicado. Elas arrumaram uma mesa próxima à vitrine, onde esteiras automáticas exibiam nigiris e sashimis.

— Sam, você fica tão linda nesse uniforme! — Mia disparou, com um sorriso largo.

Samira realmente estava. O uniforme de marinheira tinha aquele charme juvenil importado do leste asiático:

A camisa branca impecável trazia no peito direito o emblema da Corporação Okitan — um sapo estilizado em geometria angular, lembrando um pentágono fragmentado. Uma gravata listrada em vermelho e branco caía bem ajustada sobre o peito, presa sob o colete curto cinza que também exibia o símbolo. A saia curta num tom cinza-azulado completava o conjunto, equilibrando rigidez corporativa com um toque de jovialidade.

— Hehe. Eu também o adoro, só que odeio a escola.

— Por que?

— Porque aquele não é meu lugar! Eu não me encaixo ali. Lá só tem riquinhos de merda, todos arrogantes. Por que eu tenho que ir pra escola? Eu nem pedi por isso, foi a Luna que me forçou! Que droga… eu não quero virar uma maldita corpe!

Samira soltou, como se finalmente pudesse soltar algo há tanto tempo guardado.

— E mesmo que eu quisesse, que chance eu teria? Passo longe de ser a mais inteligente e, mesmo que fosse, todos ali já têm contatos, suas vidas estão garantidas. Ou seja, meu diploma vai servir pra porra nenhuma no final das contas! E, como eu disse, prefiro morrer a virar uma maldita corpe!

Samira virou um copo de suco de limão de uma vez; falar tanto havia secado sua garganta.

— Aff… foi mal.

— Tudo bem.

— Sério, Vic, como você aguentou? Você que mais do que todos deveria odiar esses desgraçados.

Mia olhou intrigada para Victoria; pelo que percebeu do que Samira disse, Vic também frequentou a escola.

— Você também foi à escola, Vic?

— Hm.

— Vic, na verdade, já é formada em química! — Samira disse com muito orgulho, como se fosse ela mesma.

— O quê?! Vic, quantos anos você tem? — Mia ficou pasma.

Victoria riu da cara dela.

— Tenho dezoito.

— Sério? Achei que tivesse quinze.

— Heheh. O que posso fazer? Esse meu lindo rostinho é tão jovem e meu corpinho é tão maravilhoso!

Mia e Samira não aguentaram e caíram na risada.

Os sushis começaram a aparecer na esteira e, sem cerimônia, começaram a comer.

— Mas, se você já é formada em química, com quantos anos foi ao ensino médio e à faculdade?

Victoria tomou um gole de seu refrigerante antes de responder:

— Eu não frequentei o fundamental e passei só um ano no médio, quando tinha quatorze. Na época ganhei uma bolsa de estudos e escolhi química, minha matéria favorita. Me formei no ano passado, mas recusei todas as corporações. Em vez disso, criei a Aurora Phase, enquanto meu irmão ergueu a Crimson Wolf.

— Uau! Que foda!

— Hihihi… — Victoria ficou radiante com o elogio de Mia. Pegou os hashis descartáveis e, em vez de levar o sushi com cream cheese à boca, o ofereceu a ela. Mia abriu um sorriso tímido antes de aceitar, sem hesitar.

— Victoria foi uma das seis pessoas em todo o país a ganhar uma bolsa de estudo totalmente paga pela farmacêutica Mendes! — Samira começou animada, mas logo a empolgação sumiu; ela afastou o copo da frente com expressão de nojo. — Um tanto irônico, não?

— Pois é… — Vic murmurou, deprimida, mexendo distraidamente na borda do prato.

Naquele mesmo dia, quando Miguel e Mia dividiram parte de sua “história” — uma mistura de verdades e mentiras cuidadosamente costuradas —, Victoria também resolveu abrir um pedaço do próprio passado. Não só para se aproximar, mas para mostrar que ela e o irmão também carregavam um ódio antigo contra a mesma corporação.

Dez anos antes, o Distrito 15 fora varrido por uma epidemia causada por contaminação na água. O lugar inteiro acabou em quarentena máxima. 84% da população morreu em questão de semanas. O distrito virou uma zona morta, lacrada para sempre. Oficialmente, só os “autorizados” entravam ou saíam.

Mas algo não batia. Mesmo para Mia, que não era especialista, o controle parecia rápido demais. Doença transmitida pela água se espalha fácil. Não havia lógica em tudo ter ficado contido ali.

Victoria e Victor viveram essa tragédia com os pais. Sobreviveram apenas porque eles se sacrificaram. A farmacêutica Mendes decretou a solução mais extrema: erradicar o vírus queimando todo o distrito. Os únicos que escaparam foram os que conseguiram sair antes do extermínio total.

Anos depois, veio o escândalo: documentos vazados provaram que a Mendes não só sabia de tudo, como tinha provocado o incidente. A “justificativa” era monstruosa — controle populacional e teste de uma arma biológica.

— Bem… eu tento pensar nessa bolsa como uma espécie de compensação. — Vic levou um sushi à boca, mastigou, mergulhou outro no shoyu e completou, fria: — Mas ainda vou fazê-los pagar dez vezes mais.

O silêncio que seguiu pesou na mesa. A ironia era cruel demais: a mesma corporação que matou seus pais tinha bancado seus estudos.

Mia encarou Victoria sob uma nova luz. Ela não era apenas esperta e talentosa — sua resiliência era absurda. Para garantir o futuro dela e do irmão, aceitara a “bondade” da Mendes, mas sem nunca perdoar.

— Vic…

— Que foi? Se apaixonou mais por mim? Hehe! Claro que sim, não é? Não sou incrível?

Mia sorriu. Não sabia dizer se era uma máscara ou não, mas havia verdade no brilho da expressão de Victoria.

— Hm. Me apaixonei ainda mais por você.

— Ah! — Vic arregalou os olhos, surpresa. Mia percebeu que até essa garota tão hábil socialmente tinha pontos frágeis no mesmo campo. — Então, eu ou Miguel?

— Miguel.

A resposta, sem a menor hesitação, fez Victoria rir alto e abraçar Mia com força.

— Ei, não me deixem de lado, caramba! — Samira reclamou, inflando as bochechas.

— Vem cá, Sam, minha adorável bonequinha. — Vic a puxou, e em um instante as três estavam grudadas, com ela no meio, agarrando as duas meninas.

Alguns clientes pararam de mastigar, encarando a cena de canto de olho. Um casal trocou olhares de exasperação, enquanto um garçom disfarçava a tosse para quebrar o clima açucarado que parecia invadir o ambiente. O mundo cor-de-rosa das três era tão intenso que contrastava com o brilho frio dos neons e o barulho metálico da esteira de sushi. Um sujeito no balcão chegou a resmungar algo como “pelo amor de Deus…” antes de voltar ao copo de saquê.

— Viu! Vic é um gênio, mas até ela jogou o diploma no lixo.

— Na verdade eu usei o papel pra catar o cocô do Thor.

— O cachorro daquele mendigo?

— É, o filho da mãe cagou bem na minha porta.

Os pratinhos já formavam seis pilhas na mesa, e os olhares sobre elas aumentavam cada vez mais — talvez as pessoas se perguntassem como diabos aquelas meninas comiam tanto.

— Mas você não tem que ir pra escola só por causa de um diploma ou pra arrumar emprego bom no futuro — Mia enfiou um empanado de camarão na boca de Samira.

— Ê por que mais eu iria? — Samira perguntou de boca cheia.

— Pra treinar essa coisinha aí no seu crânio! — Mia bateu de leve na cabeça dela. — Estudar não é só pra decorar besteira, Sam. É tipo academia, mas pro cérebro. Quanto mais você se esforça, mais ele fica rápido pra aprender qualquer coisa. Mesmo que você nunca use tudo depois, essa prática muda a forma como você pensa. Vic não é o melhor exemplo disso?

— … — Samira só conseguia piscar, sem conseguir rebater a lógica.

— Hehe. Viu, Sam? É importante estudar!

— … tá… eu não vou mais matar aula…

O resmungo saiu quase inaudível. Mas Mia percebeu que o problema poderia ser maior do que simplesmente não querer ir à escola. A alegria ao redor da mesa foi dando espaço a um breve silêncio.

— Sam… tem mais alguma coisa?

Samira empalideceu com a pergunta. Como se quisesse disfarçar o desconforto, balançou a cabeça, pegou um sashimi e o enfiou na boca.

Victoria cutucou Mia com o cotovelo e balançou a cabeça discretamente. Mia entendeu o recado e mudou de assunto.

♦♦♦

Victoria observava Mia terminando de configurar seu querido drone. O sorriso dela era tão espontâneo que nem percebeu o quanto suas covinhas estavam marcadas.

Agachada, Mia desplugou o conector do pulso do aparelho e deu o comando:

— Karin, acorde!

— Karin? — Victoria e Samira riram ao mesmo tempo.

Mia não apenas dera um nome ao drone, mas ainda o mesmo nome falso que usara para enganar aquele guarda pervertido mais cedo.

O drone respondeu como um cãozinho obediente: primeiro… acenou. Acenou?! Victoria piscou, achando que tinha visto coisas. Mas logo ele levantou voo diante de Mia.

— Hahaha! Boa!

O aparelho descreveu uma espiral no ar, circundou Mia e, em seguida, passou pelas duas garotas. Diferente do primeiro giro, dessa vez lançou um feixe verde que as escaneou dos pés à cabeça antes de também “acenar” com um bipe melodioso. Era quase como se estivesse tentando se comunicar.

— Agora entendi porque você queria um drone — comentou Victoria.

Mia apenas riu e assentiu.

Por ser uma androide, ela podia conectar sua consciência de IA a qualquer aparelho compatível, sem necessidade de controles físicos. Isso significava zero delay, reflexos instantâneos e ainda uma nova extensão sensorial: os olhos do drone também seriam os dela. Mia poderia atuar na linha de frente e na retaguarda ao mesmo tempo.

— Quantos você consegue controlar? — Samira perguntou, empolgada, já imaginando uma frota.

Vic pensou o mesmo: se fosse possível, Mia seria uma força devastadora.

— Do mesmo modelo… uns cinco, acho.

— Caralho, isso é muito foda!

— É… pena que não tenho grana pra comprar mais.

— … — Samira encolheu os ombros.

Karin se aproximou dela, planando devagar, os motores zumbindo como um ronronar metálico. O corpo se agitava suavemente, quase em expectativa.

— Hm?

— Acho que ela quer carinho — Victoria arriscou.

— Mia? — Samira buscou confirmação.

Mas Mia parecia tão surpresa quanto elas.

Com hesitação, Samira estendeu a mão e tocou a carcaça lisa. No mesmo instante, os LEDs do drone começaram a pulsar em tons de verde e azul, e ele vibrou, como se tivesse ficado feliz.

— Não é possível… — Vic riu, incrédula, quando Karin veio até ela também.

— Nem eu tô entendendo — Mia murmurou, coçando a bochecha.

Assim que recebeu o afago de Vic, Karin se lançou de volta para sua dona. Em vez de apenas flutuar à frente dela, o drone literalmente se jogou contra Mia, como um cachorro feliz ao ver o dono voltar para casa.

Mia não hesitou. Aceitou o contato sem estranhamento, entregando-se ao deleite daquela situação tão bizarra quanto adorável.

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