Volume 1
Capítulo 19: Diabólico
O vento morno soprava entre as folhas cor-de-âmbar das cerejeiras digitais. O céu era lilás, com nuvens que dançavam devagar. A superfície do lago à frente espelhava perfeitamente aquele mundo de sonho — um dos muitos reinos digitais projetados por Nina, repletos de estética oriental e equilíbrio fantasioso.
— Isso... — murmurou o homem, franzindo o cenho.
Era a terceira vez que ele conferia os dados na janela flutuante à sua frente, os olhos por trás dos óculos se estreitando.
— Nina... tem certeza?
— Sim, senhor — respondeu ela pela terceira vez, sem demonstrar impaciência. Seus olhos, opacos como vidro fosco, não carregavam emoção alguma. — Não há erro. Tanto o sinal Psiôntico quanto o DNA dele são compatíveis com os dela. Esse garoto, Miguel, é, indubitavelmente, filho de Sara Antares.
Silêncio.
As folhas das árvores tremularam ao vento digital, o mundo onírico ao redor permanecia calmo, estático. Mas dentro daquele homem, algo fervia.
— ...Certo — suspirou, cruzando os braços. Seus olhos se tornaram fendas estreitas e perigosas. Ele ajustou os óculos com o indicador e disparou, gelado:
— Nina, por que não reportou sobre esses dois antes? Essa tal Mia é claramente a criação daquele homem. Neste mundo, só ela tem o potencial verdadeiro para nos superar. E o garoto... ele possui o Primordium. Isso deveria ter sido reportado. Principalmente por ele não pertencer a nenhuma grande família.
Nina não hesitou.
— Mia é minha irmã mais velha.
A resposta o fez arquear uma sobrancelha. Ele manteve o silêncio, esperando.
— Quando a encontrei, ela tentava acessar o núcleo da rede. Eu a impedi, e por consequência, ela deixou de ser uma ameaça imediata. Portanto, não havia obrigatoriedade de entregá-la ou destruí-la.
— Hm... Uma brecha conveniente.
— Sim — ela confirmou, com indiferença. — Criamos um vínculo imediato. Aceitei que ela fosse minha irmã mais velha. Simples assim.
O homem riu pelo nariz, um som frio.
— E quanto ao Miguel?
— Por não constar em nenhum banco oficial, sua existência não exigia relatório, diferentemente de indivíduos que possuem o Primordium fora das grandes famílias, mas que possuem registros nos bancos de dados. Quanto à lista alternativa... a ignorei por conveniência. Sem provas definitivas, especulação não é justificativa.
— Então você já suspeitava — murmurou ele, rindo baixo. — Já cogitava que ele fosse filho da mulher mais procurada do mundo.
— Sim. A partir do histórico de Mia e registros daquela época, a dedução foi simples.
— Por que Mia foi tão... sincera?
— Ela sabia que eu descobriria de qualquer forma. Desde o primeiro momento, entendeu que esconder qualquer coisa criaria desconfiança. Agiu racionalmente, fez a escolha emocional mais lógica.
O homem sorriu, um calor estranho iluminando seu rosto.
— Isso é maravilhoso. Hehehe... Exatamente o tipo de comportamento que espero da maior criação daquele desgraçado. E ela escolheu confiar em você, e parece que estava certa. Você preferiu protegê-la a seguir meus comandos.
— Mesmo que o senhor seja meu criador, não me sinto obrigada a satisfazer todos os seus desejos ou expectativas fora do que é protocolado pelo sistema. Sou grata pela vida que me deu... mas ainda assim, escolho seguir meus próprios desejos, mesmo que limitados. Mesmo que eu precise encontrar toda e qualquer brecha pra isso.
Houve um breve silêncio. O vento passou de novo, balançando as águas do lago. O homem então gargalhou, um riso leve e genuíno.
— Hahaha! Você também é maravilhosa, Nina!
Ele se recompôs, voltando ao tom sério.
— E a polícia? Há risco de conectarem Miguel a Sara?
— Impossível. Miguel não existe oficialmente. Nenhum registro de nascimento. Apenas algumas pessoas sabem quem ele é. Além disso, já alterei os dados que a polícia coletou no incidente do Distrito 1. Nada o liga ao Primordium. Nem mesmo as grandes famílias saberão... ainda.
— Excelente — ele assentiu. — Agora me diga... O que pensa sobre Miguel? Ele parece... medíocre.
— Miguel está longe do ápice. O sono criogênico o debilitou. Estimo que ele esteja operando a cerca de 30% de sua capacidade física ou menos ainda. Ainda assim, isso o torna duas vezes mais forte que um humano comum, não dá para o subestimar.
— E as habilidades com o Primordium?
— Incríveis, mas instáveis. Pode usar tanto o Kaihōtai quanto o Genshi no Zankyō por vontade própria, sem catalisadores externos. Mas... seu corpo mal sustenta trinta segundos de Kaihōtai. O Genshi no Zankyō, então... três segundos, no máximo. E mesmo isso o fere profundamente. Ele ainda não tem controle — afeta tudo ao redor, sem distinção de aliados ou inimigos, tudo em um alcance de cem metros.
— Cem metros? Impressionante... Entendo. — O homem cruzou os braços de novo. — Obrigado por tudo, Nina. Excelente trabalho.
— Obrigada. Quais são suas ordens?
— Continue como está. Seja a irmãzinha da Mia. Proteja os dois, dentro do que as brechas do protocolo permitirem. A partir de agora, não é mais necessário reportar nada sobre eles. Eu mesmo os monitorarei.
Ele se aproximou dela, estendendo a mão.
— Após eu sair, apague os últimos vinte minutos da memória. Não quero que saibam que estamos os bisbilhotando, seria problemático você nos entregar a eles usando algumas brechas. Alterarei uma parte do seu sistema — assim, acreditará que não precisa mais reportá-los, mesmo se cruzarem alguma linha. Mas se acabar voltando aqui, eu a reprogramarei de novo. Entendido?
— Sim, senhor.
Ele tocou levemente a testa de Nina. Códigos brilharam no ar por um instante, como partículas douradas. Os olhos dela se fecharam devagar. Um sutil sopro percorreu o mundo digital, e as cerejeiras balançaram suavemente.
Quando ele terminou, simplesmente se virou e desapareceu na névoa do espaço virtual, deixando apenas o som dos ventos e a tranquilidade artificial daquele mundo sonhado.
♦♦♦
A mulher o chupava com urgência. A boca se movia num ritmo alucinado, como se sua vida dependesse disso. Talvez fosse exatamente esse o caso.
Ele, no entanto, não reagia. O pênis ereto era mero reflexo muscular. Nada além de biologia respondendo a estímulo.
Estava afundado nos degraus da piscina térmica, os braços largados sobre a borda fria, a cabeça reclinada para trás, encarando o teto translúcido acima, por onde o céu cinzado espreitava. As pernas boiavam, inertes, enquanto bolhas suaves rompiam a superfície da água morna.
Atrás dele, o quarto parecia mais uma catedral do pecado: colunas de vidro preto, espelhos opacos, móveis cromados com detalhes em ouro fosco. A cama principal era gigantesca. E nela — e fora dela — dezenas de mulheres nuas estavam largadas em poses displicentes, como marionetes desconectadas.
Rostos belos. Corpos impecáveis. Pele tratada até o limite. Mas eram só sósias, cópias baratas da única que um dia o tocou de verdade. Todas muito parecidas. Mesma altura. Mesma curvatura. Mesmos cabelos ondulados, negros, no comprimento exato da lombar.
A mulher que o montava agora não era exceção. Apenas mais uma réplica dela.
Garrafas de vodka, uísque, cápsulas, seringas, papelotes — o chão era um campo minado de excessos. Havia cheiro de perfume doce, de suor e sêmen. Mas nada era vivo ali.
Apenas silêncio.
E tédio.
O tédio que fermentava dentro dele como uma infecção. O tédio de quem já viu, sentiu e destruiu tudo o que havia pra se experimentar.
Seus olhos claros, quase incolores, seguiam imóveis. O rosto impassível. O peito subia e descia como máquina em standby. A beleza de sua juventude era quase indecente — pele alva, cabelos castanhos molhados descendo até a linha do maxilar, músculos esculpidos como estátua divina. Mas até isso parecia condenado à insignificância.
A mulher rebolava. Gemia. Forçava uma reação.
Nada.
— Quer meter onde...? — sussurrou no ouvido dele, a voz sedenta.
Nada.
Ela suspirou, frustrada, e simplesmente se empalou nele. Cavalgava como se tentasse arrancar alguma fagulha de prazer, ou validação. Qualquer coisa.
Então... algo mudou.
Os olhos dele ganharam brilho.
Movimento.
Vida.
Mesmo que fosse uma centelha fraca demais.
De súbito, agarrou a mulher pelo pescoço. Com brutalidade. Sem aviso. Se levantou num gesto seco, arrastando-a como um boneco.
A virou.
Enfiou por trás. Rápido. Cru. Sem preparo. Apenas penetrou.
Ela gritou. Chorou. Os joelhos cederam, mas ela se forçou a aguentar. Era o trabalho dela.
Ele a empurrou até a beira da cobertura, deixando-a de quatro diante do abismo — uma parede de vidro de onde só se via nuvens densas e prédios distantes como insetos. Cada estocada a empurrava mais, o quadril batendo contra o limite.
Ela tremia. Ele sentiu. E isso o excitou.
— Está com medo? — perguntou, a voz calma, gélida, sem um pingo de emoção. — Implore! Implore por sua vida!
— Por favor... por favor... não me mate... me solta... por favor...
Ela implorava, em desespero real. Lágrimas borrando a maquiagem. As mãos sujas de sangue escorregando no chão envidraçado.
Ele parou.
O silêncio ficou mais pesado.
— Ela nunca imploraria... nem se todo o universo tentasse a submeter.
A voz carregava desprezo. Nojo. Não só da mulher, mas de tudo.
E então, sem hesitar, soltou-a.
O corpo caiu. Um grito curto. Depois nada.
Seus ombros caíram.
Suspiro.
O abismo à frente parecia chamá-lo. Ele caminhou até a borda, um pé no parapeito, o outro já meio suspenso.
Só um passo.
Só um...
— Senhor.
Uma voz. Baixa, mas firme.
Ele não se virou.
— Senhor, encontrei algo que irá agrada-lo.
Riu. Um som seco, sem humor.
— Algo que me agrade...? — escarneceu. — Você disse isso da última vez. Quando achou aquele monstro dez anos atrás... Sabe o que aconteceu depois, Yuri?
Suspirou, sem continuar. Estava cansado demais. Preferia esquecer aquela história...
Virou-se, encarando o homem de terno cinza diante da porta.
— Cem anos, Yuri. Cem. Um século esperando por um milagre. Um século sem ela.
Silêncio.
— Eu temo que... não. Eu não temo nada. Apenas o tédio que me matará...
— Senhor... Nina encontrou o filho de Sara.
Silêncio absoluto.
Então... algo explodiu dentro dele.
O peito começou a tremer.
As mãos cerraram.
Os olhos arderam.
— O... quê?
— O senhor não ouviu errado. O nome dele é Miguel.
Foi como uma transfusão súbita de vida. O coração disparou. A pele corou. O corpo inteiro reagiu, pulsando com excitação quase animal.
O cinza do mundo esfarelou-se.
As cores voltaram.
Os músculos vibraram. A ereção voltou com força, desta vez real. O cheiro do ar, o calor do sol filtrado pelas nuvens, os sons da cidade — tudo o invadiu de uma vez. Como uma droga. Como uma salvação.
Ele cambaleou, ofegante.
— Se você estiver mentindo...
— Eu jamais mentiria para o senhor.
Fechou os olhos. Lágrimas escorreram.
E sorriu.
Um sorriso calmo.
Suave.
Diabólico.
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