Volume 1
Capítulo 17: Efeitos colaterais
Miguel estava quase voltando à Boate Rosa Azul, mas parou.
Ou melhor — foi obrigado a parar.
— Blargh!
Caiu de quatro, vomitando sangue.
O gosto ferroso arranhava sua garganta enquanto o líquido espesso escorria do canto da boca e manchava o chão.
A cabeça parecia que ia explodir.
Era como se algo nojento se revirasse atrás dos olhos, como larvas se contorcendo dentro do crânio até na gengiva.
As luzes distorcidas dos letreiros holográficos acima dele piscavam em vermelho e verde, zumbindo como mosquitos mecânicos ao redor.
Ele ergueu os braços com esforço, examinando os punhos e dedos dilacerados. A pele coberta de fissuras, como se estivesse prestes a se partir em pedaços.
Sabia que o resto do corpo devia estar do mesmo jeito.
Usou o Kaihõtai por alguns segundos. Só isso.
E já estava caindo aos pedaços.
Mas foi o Genshi no Zankyō que de fato o destruiu.
Três segundos.
Usou por míseros três segundos e sua mente estava à beira do colapso.
O olho esquerdo quase cego, piscando embaçado, e o direito mal enxergava além de dez metros.
Mas foi necessário.
Não foi só por ódio — embora tivesse sido o maior motivo.
Se não usasse, teria morrido. Mia teria morrido.
Não havia saída naquela emboscada.
Protegê-la e sobreviver ao mesmo tempo... só foi possível porque chutou os limites até a beira da morte.
Respirou fundo.
Sem pressa. Eles são fortes.
Encostou-se em uma parede coberta de painéis publicitários holográficos, os anúncios tremeluzindo e borrando como se zombassem dele: "Seja um animal na cama, aproveite que essa semana os implantes cavalares estão com 30% de desconto!"
Se acalmou, controlando a respiração e os batimentos.
Mia já estava segura. Ela era sua prioridade máxima.
E seus novos companheiros eram fortes, ele não precisava se preocupar demais.
Por isso se concentrou apenas em se recuperar, o máximo que podia no menor tempo possível.
Aguentem só mais um pouco.
♦♦♦
Apesar da música ainda pulsar junto ao show de luzes estonteantes, a boate já havia se transformado em um inferno.
Gás espesso e colorido saía das rachaduras no chão, liberado de canos subterrâneos corroídos — cheirava a chiclete de morango. Lasers vermelhos cortavam o ar, cruzando a fumaça artificial.
Pietro escorregou por uma poça de sangue, deslizando entre as pernas de dois homens que o procuravam em meio à multidão.
Na sequência, as lâminas em suas pequenas mãos cortaram em movimentos suaves — quase delicados — mas absolutamente letais.
Os homens caíram, gemendo de dor, os tendões rompidos.
Sem dar chance de reação, Pietro cruzou entre eles outra vez, as mãos em gestos fantasmagóricos. Cortes precisos — duas carótidas abertas.
Rodopiou no ar como em uma dança.
Os longos cabelos acompanharam o giro, desenhando um rastro de sombra sob as luzes.
Agitou os braços, e as lâminas cortaram o ar até cravarem na têmpora de um, no olho do outro.
Ao cair sobre um dos joelhos, puxou novas lâminas do coldre oculto e disparou numa corrida em direção a Rita.
Rita lidava com o resto dos inimigos que os cercavam.
Desviou com facilidade do bastão elétrico que cortou o ar verticalmente, dando um passo seco para trás.
No mesmo embalo, acertou uma joelhada no rosto do atacante. Sacou a pistola da lombar e atirou em outro que vinha pela lateral.
Foi alvejada — uma bala de raspão — mas teve tempo de se proteger com a jaqueta reforçada. Recuou, apertando o gatilho sem hesitar.
Agarrou uma garrafa da mesa ao lado e estourou na cabeça da mulher que puxara seus cabelos.
Ainda com os cacos nas mãos, enfiou o que sobrou na garganta do homem que tentava agarrar sua perna.
Chutou o bastão elétrico para Pietro, que o pegou com uma pirueta exagerada.
Ele pulou por cima do ombro de Rita no exato momento em que ela se abaixava. O bastão voou de sua mão e atingiu em cheio o homem que vinha atrás dela.
Ela nem olhou — apenas disparou no que perseguia Pietro.
— Temos que voltar logo! — gritou Rita, ofegante.
— Eu sei! Mas caralho... esses caras não param de vir!
♦♦♦
Victor já havia perdido a conta de quantos tinha matado nos últimos cinco minutos.
Além da emboscada inicial, boa parte do público — que a princípio só queria curtir a noite — havia se juntado ao caos, puxando suas próprias armas e atirando uns nos outros.
Era um salve-se quem puder. Cada um por si. Deus por todos — ou por ninguém.
Ele queria voltar logo para Victoria, mas aquela horda enlouquecida o obrigava a agir com cautela, apesar da urgência.
Atrás de uma mesa que Tom havia virado — feita de vidro e carbono com circuitos visíveis brilhando, Victor recarregava as pistolas enquanto se comunicava com Vic e Samira.
— Jorge não vai morrer, mas a gente tá fodida, mano! — Victoria transmitia, a voz tensa. Mesmo contida, o som constante de balas zunindo denunciava a gravidade.
— Bosta! Segurem aí! Porra, cadê o Leo?!
— Correu assim que ouviu que a Samira tava com problema — respondeu Tom, ao lado dele, recarregando a arma com precisão de veterano.
— Aquele idiota... Foda-se. Vamô abrir caminho!
Tom acenou. Levantou-se com a espingarda em mãos e atirou no primeiro desavisado.
O corpo do sujeito foi dividido ao meio — o tronco caiu sobre uma mulher, que começou a vomitar; as pernas despencaram adiante, fazendo alguém tropeçar e quebrar o pescoço no pé de uma cadeira.
— Foi mal aí...
— VAMÔ LOGO! — gritou Victor, levantando-se também.
Começou a disparar sem piedade, confiando imprudentemente no kevlar sob a roupa.
Sentiu a têmpora arder — um corte se abrindo — mas não se importou.
Bang. Bang. Bang. Bang.
Usava os corpos como escudo, atirando em qualquer um que parecesse uma ameaça.
Quando as balas acabaram, guardou as pistolas no coldre e partiu pra porrada.
Victor não era mestre em artes marciais, mas tinha um estilo próprio — bruto, sujo, afiado por uma vida inteira de brigas nas ruas.
Um cara avançou com uma faca.
Victor segurou os punhos do sujeito, girou o corpo numa torção seca que o fez soltar a lâmina.
Deu uma rasteira, rolou pelo chão em uma cambalhota para escapar de tiros vindos da retaguarda.
No chão, cravou o cotovelo no estômago do homem ainda ao seu alcance, tomou a faca dele e a enterrou direto na garganta.
Tom já lutava com as mãos — a escopeta descarregada.
Usava o próprio corpo como arma e escudo — os braços robóticos protegiam o tronco, enquanto ele avançava como um tanque.
O primeiro infeliz que se colocou à frente teve o crânio esmagado como uma laranja.
O segundo foi arremessado no ar e caiu três metros adiante, batendo contra uma mesa.
O terceiro teve o peito estourado por um soco direto — ossos rachando como vidro.
Um grito abafado escapou de Tom quando algo perfurou seu abdômen. Logo em seguida, uma bala atingiu sua perna.
Victor viu o sangue jorrar.
Pegou uma garrafa quebrada do chão e arremessou contra o homem que esfaqueara Tom.
Em seguida, correu e se atirou sobre o atirador, derrubando-o no chão. O socou até seu rosto se tornar irreconhecível.
— Tá de boa?! — arfou Victor, levantando-se.
— Tô! — respondeu Tom, rindo, mesmo com o sangue escorrendo.
Eles cataram novas armas do chão, recarregaram o que podiam e seguiram adiante, abrindo caminho entre o inferno.
♦♦♦
Desse jeito vão matar a gente.
Victoria mordeu o lábio, mas, em vez de se render à preocupação, concentrou-se no que podia fazer para sobreviver.
E então... uma ideia absurdamente irresponsável brilhou em sua mente. Sorriu travessamente.
— Pensou em algo? — Samira perguntou, quase lendo sua mente.
— Hihihi. Hm-hum! Sam, você ainda tá com suas granadas?
Samira acenou com a cabeça.
— Boa. Tive uma ideia. Vem comigo. — Victoria a chamou, engatinhando entre os carros. Parou por um instante, virando-se para o moribundo Jorge. — Ah! Vê se não morre, Jorge.
O cara riu, mostrando o polegar ensanguentado.
Samira passou por ele dizendo as mesmas palavras de Vic.
— E aí? — Sam perguntou assim que Vic parou, encostada atrás do pneu de um sedã.
— Shi! — Victoria tampou os lábios dela com o indicador, concentrada, espiando por cima da lataria. — Ali! Vem, rápido!
Victoria saiu correndo, Samira logo atrás. Foram alvejadas, mas nenhum tiro as atingiu. Chegaram até outro carro — um modelo menor, onde um homem tentava desesperadamente dar partida, apavorado demais para executar até um reflexo automático.
— Aí, velhote! Dá o fora! — Victoria apontou sua pistola adornada com gatinhos para ele.
O pobre coitado caiu para fora como se suas próprias pernas tivessem desistido. Rastejou em meio ao caos.
Victoria assumiu o volante sem cerimônia, enquanto Samira corria até o banco do passageiro.
— Sam, vamos explodir tudo!
E sem esperar resposta, girou a chave e pisou fundo.
Samira, que sempre comprava as loucuras de Victoria sem nem piscar, começou a puxar os pinos das granadas como se fosse a coisa mais comum do mundo.
O carro ziguezagueava entre veículos em chamas e pessoas em pânico. Acelerava direto pro maior grupo de inimigos.
O coração de Victoria martelava dentro do peito. Medo, adrenalina e ansiedade colidiam em seu corpo. Mas ela estava empolgada demais pra recuar.
Lançou um olhar rápido para Samira e percebeu — ela também estava no mesmo estado: olhos arregalados, sorriso contido, viva.
— Hahaha!
Victoria pisou ainda mais fundo, ignorando a chuva de balas que se espalhava sobre elas. Ambas se abaixaram atrás do painel.
— Agora!
As duas se jogaram para fora do carro em movimento.
Os inimigos atiravam no veículo, como se isso fosse impedi-lo.
E então...
BOOOOOOM!
A explosão retumbou, estourando vidros e lançando carros pelo estacionamento. As chamas engoliram boa parte dos inimigos, e logo outros veículos explodiram em sequência, transformando o local num inferno ardente.
— Puta merda!
Victoria ignorava — ou nem havia percebido — os machucados provocados pela queda em alta velocidade. Quando se levantou, bateu a mão com Samira num hi-five vitorioso. As duas gemeram de dor. O sangue quente escorria pelos arranhões.
— Samira! Que porra foi essa?!
Ouviram um urro vindo de trás. Um gigante corria até elas.
— Hehehe, olha seu herói. — zombou Vic.
— Tsc. — Samira estalou a língua e deu de ombros.
Leo se aproximava. Tinha alguns ferimentos visíveis, mas seu olhar permanecia firme — e focado apenas em Samira.
— Vocês estão bem?
— Yep!
— Hm...
— Que bom. — Ele suspirou, aliviado.
— De qualquer forma, vamos voltar. Temos que levar o Jorge a um médico, Selina ainda está na Vênus? Ótimo. — Victoria disse, assumindo um tom mais sério. — Vamos logo.
Samira e Leo assentiram.
Mas enquanto o trio voltava para onde Jorge estava, Victoria carregava um olhar frio.
Um olhar que talvez nem mesmo seu irmão conhecesse.
Precisaremos lidar com mais um traidor.
♦♦♦
BOOOOOOM!
Miguel abriu os olhos assim que ouviu a explosão.
Não estava nem perto de estar bem, mas já tinha força o bastante para suportar a dor e o cansaço — pelo menos por mais um tempo.
— Ei, alguém tá aí? Que porra foi essa explosão?
— Hehehe! Gostou?! Fui eu e a Sam!
A voz animada do outro lado o fez sorrir — mesmo que tenha soltado um gemido doloroso em seguida.
— Ainda tá viva?
— Humpf! É claro que eu tô! E a Mia?
— Ela tá bem. A Luna tá com ela. Já tô voltando.
— E a minha irmã? Ela saiu ferida daqui...
Miguel suspirou. Ele tinha percebido os machucados em Luna, e isso o deixou intrigado — e até comovido. Luna foi ao resgate dele, mesmo se colocando em perigo. Mesmo deixando Samira pra trás... Bem, elas provavelmente já tinham se acertado. Luna não era do tipo que largaria a irmã assim.
— Sim. A Luna tá bem. Quando chegou, eu já tinha cuidado de tudo.
— Ufa... Bem, então volta logo. Eu e a Vic demos um jeito de explodir uns caras, mas já dá pra ouvir as sirenes da polícia. O Jorge tá todo fodido aqui, o Victor e o Tom ainda tão dentro da boate, e mais inimigos tão chegando sei lá de onde. A gente precisa ajudar eles a sair e vazar daqui logo.
— Hm. Tô indo.
Miguel se levantou, rangendo os dentes, e começou a correr.
As sirenes começaram a ficar mais próximas. Mas o que surgiu primeiro no horizonte foram drones de patrulha, com LEDs piscando em vermelho e azul e braços articulados armados. Os alto-falantes disparavam mensagens autoritárias em cinco idiomas.
Quase chegando, viu uma multidão descendo pelas ruas estreitas. Deu trabalho cruzar por ela, mas conseguiu. De longe, avistou Samira e Victoria trocando tiros, enquanto Leo carregava Jorge nos ombros durante o recuo.
Daquele jeito, não adiantava gastar o resto de energia num confronto direto. Precisava de algo mais eficiente.
Olhou em volta e...
— Que sorte... ao menos pra mim. — sorriu amargamente.
Miguel se aproximou de um carro autônomo de última geração, seu motor elétrico vibrando de forma quase silenciosa. O para-brisa projetava rotas em tempo real junto a anúncios de pornografia.
— Foi mal, amigo. Vou precisar do seu carro.
— Vai à merda! — o homem tentou usar sua arma nele, mas Miguel o nocauteou com um soco seco.
Sem perder tempo, Miguel entrou no carro, deu meia-volta e acelerou.
Os pneus cantaram alto. Logo foi alvejado assim que entrou no campo de visão dos adversários.
Abaixou a cabeça e manteve a aceleração. Quando estava prestes a atingi-los, puxou o freio de mão com força, executando um cavalo de pau.
Enquanto o carro deslizava, mirou pela janela e começou a atirar.
Errou quase todos os tiros. Mal tinha visão do olho esquerdo — o direito bastaria, mas seu corpo já não estava tão responsivo. A inércia e o impulso tornavam tudo ainda mais difícil.
Mas além dos disparos, a lataria do carro também fez sua parte — acertando em cheio os infelizes.
O carro parou. Os tiros cessaram.
Miguel saiu cambaleando. Estava à beira do colapso.
— Miguel! Seu infeliz exibido! — Victoria gritou, exibindo os dentes.
— Do que tá falando... — ele riu. Aquela guria não tinha jeito.
Quanto a Samira... bem, ele ficou sem graça com o quanto ela parecia hipnotizada nele.
Mas não havia tempo pra pensamentos supérfluos. Virou-se para a boate.
Porém—
— Miguel? — Victor o chamou, saindo pela entrada principal com Tom apoiado em seu ombro.
— Victor. Estão bem?
— Hm. Mas precisamos cair fora. Eu ouvi a Vic.
Miguel assentiu e tocou o fone no ouvido direito.
— Luna?
— Sim, tô ligada em tudo. Vou levar a Mia pra um lugar seguro. Mais tarde a gente se encontra.
Miguel suspirou, aliviado.
— Você tá acabado... — Victor comentou, lançando um olhar atento para Miguel. — O que houve?
— Depois eu...
Mas tudo ficou escuro.
Ele mal sentiu quando a testa tocou o asfalto irregular.
As luzes tremeluziam acima dele, piscando no ritmo das sirenes. E antes de tudo sumir, achou ter visto formas metálicas pairando no céu, imóveis como abutres.
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