Volume 1
Capítulo 13: Conforto Momentâneo
Finalmente, após algumas horas, Samira e Miguel saíram do quarto.
Julia e Luna os encararam imediatamente. Samira parecia irradiar felicidade. Seus olhos brilhavam, uma paixão que parecia ter aumentado dezenas de vezes, e um sorriso discreto, mas cheio de satisfação, iluminava seu rosto.
Ela estava colada à Miguel, que, por sua vez, parecia um pouco mais exausto. Apesar disso, suas bochechas coradas e o leve sorriso traíam uma felicidade que ele mal conseguia disfarçar.
— Mana... — Luna começou, arqueando uma sobrancelha — da próxima vez tenta ser mais silenciosa, tá? No começo foi engraçado, até fofo... mas depois ficou, tipo, muito desconfortável ouvir seus gemidos. E, caramba, vocês transaram esse tempo todo mesmo?
Samira abriu a boca para responder, mas as palavras simplesmente travaram. O rubor em seu rosto só não era maior que o de Miguel, que parecia prestes a pegar fogo de tanta vergonha.
Julia, percebendo a situação, soltou uma risada maliciosa e deu um chute discreto em Luna por debaixo da mesa.
— Ai, ai... deixa de drama, Luna. Tá só com inveja — provocou. Então, voltando-se para Samira, continuou com um sorriso de canto. — Os "sons" de vocês me deixaram bem animada. Talvez eu devesse me juntar na próxima, hein?
— Humpf! Miguel é só meu! — Samira respondeu de imediato, fazendo um bico exagerado.
Julia estreitou os olhos, fingindo indignação.
— Ué, e aquela história do harém?
Luna piscou, surpresa.
— Harém?
— Pois é! — Julia explicou, aproveitando o momento. — Samira mencionou esse tal harém quando me apresentou Miguel. Ela não disse quem eram as outras, mas agora tá aqui declarando que ele é só dela.
Samira colocou as mãos nos quadris, a expressão carregada de audácia.
— Pensei melhor — disse, sem nem piscar. — Não quero dividir ele com mais ninguém.
"Exceto Mia", pensou, mas não disse em voz alta.
Julia, não conseguindo segurar, estourou em uma gargalhada. Colocou as mãos sobre a barriga, como se tentasse acalmar o riso que a dominava. Seus olhos, sempre astutos como os de uma raposa, se fixaram em Miguel, avaliando-o com uma expressão de divertimento.
— Quanto mais você vai me surpreender? — ela perguntou, ainda rindo. — No começo, achei que era só um rostinho bonitinho, mas lá na boate... me lembre de nunca me tornar sua inimiga, viu? Hehehe... e agora... — ela virou o olhar para Samira, rindo mais ainda. — Esse rostinho fofo esconde um verdadeiro lobo, hein?
Miguel não sabia como responder a isso. Então, ele simplesmente disse:
— Bem, vou pegar o bolo na geladeira. Espero que ainda esteja gostoso, era pra termos comido naquela noite, mas...
As negociações acabaram dando merda, então tudo terminou em sangue e tiroteio. Ele suspirou e encolheu os ombros, de qualquer forma, ele logo esqueceria isso. Miguel não era do tipo que se preocupava com o que não podia mudar, era um desperdício desnecessário de energia.
As garotas riram; no final, ele ainda era estranhamente tímido. Ainda assim, o deixaram em paz.
Miguel foi até a cozinha e, antes de chegar à geladeira, ouviu Luna gritando da sala:
— Mais de oito vezes?!
Miguel quase tropeçou, seu rosto queimando ainda mais. Ele tentou ignorar o comentário, engolindo a vergonha. Ao abrir a geladeira, ficou aliviado ao ver o bolo de aniversário que havia preparado pessoalmente.
Logo depois, a pequena festa de aniversário de Samira, que já estava atrasada por dois dias, começou a ganhar vida. Mia e Nina se juntaram ao grupo — a imagem holográfica de Nina era projetada pelo dispositivo RISE de Mia, utilizando um link de compartilhamento de interface para dividir o mesmo suporte físico.
Depois que Miguel as chamou, apresentações foram feitas e agora todos se conheciam, e a manhã seguiu com risos e conversas animadas, o clima descontraído trazendo alívio ao constrangimento que Miguel ainda sentia.
***
Miguel olhava para o céu cinza, onde nuvens escuras se acumulavam, obscurecendo ainda mais a tarde. O clima abafado, quase sufocante, parecia refletir seus pensamentos.
— Em que você está pensando? — perguntou Mia, sentada ao seu lado, com os pés pendendo para fora do parapeito do telhado.
Miguel demorou um momento para responder, como se ponderasse as palavras. Quando falou, a voz saiu tranquila, quase vazia de emoção.
— Samira... O que você acha dela... e das outras garotas?
Mia arqueou uma sobrancelha, hesitando. Seu olhar passou por Miguel, depois se perdeu na paisagem em frente.
— No começo, eu achava que ela era... impulsiva demais. Mal o conheceu e já estava grudada em você como se fosse uma gata no cio. — Mia soltou uma risada baixa.
Miguel esboçou um sorriso sem graça. Nina, que estava mais afastada, acompanhou o riso, mas seus olhos estavam fixos em algo distante.
— E agora? — perguntou Miguel, curioso, mas com um tom mais suave.
Mia suspirou e olhou para o chão antes de falar novamente.
— Ela ainda é impulsiva, mas, eu entendo mais agora. O que aconteceu com ela; o que parece geralmente acontecer com as pessoas daqui...
Ela parou por um instante, continuando após uma breve ponderação.
— Samira me contou que a mãe delas morreu quando ela era só um bebê, e o pai... bom, o pai as abandonou. Luna teve que recorrer àquele tipo de trabalho para sustentá-las... Samira cresceu no meio disso tudo, sem ter uma estrutura familiar ou amigos.
Nina, então, falou:
— Como a Mia já mencionou, pessoas como Samira acabam agindo com essa impulsividade. Em um contexto social onde a desigualdade é gritante, a expectativa de vida é drasticamente reduzida. De acordo com os dados aos quais tenho acesso, indivíduos dessa classe raramente chegam aos trinta anos.
A revelação foi tão chocante que até mesmo Miguel sentiu suas mãos tremerem. Ele soltou outro suspiro.
— É bem como pensei.
Mia, com um tom compreensivo, falou:
— No começo, a relação de vocês foi mais sobre usar um ao outro, não? Samira apostou que você tinha algum potencial e quis usar isso para arranjar um aliado poderoso, e você... — seus olhos estreitaram, sua boquinha fazendo um bico — foi conivente com a situação, deixando uma garota linda se agarrar a você.
Miguel ficou em silêncio, com a expressão impassível de sempre. Nina riu da situação.
— Mas agora ela se tornou verdadeiramente importante para você, não é? — perguntou Mia.
Miguel acenou com a cabeça.
— Você nem tem ideia do quanto ela estava preocupada com você enquanto esteve inconsciente. Ela mal comeu nos últimos dias, sentindo-se culpada pelo que aconteceu na boate. Samira ainda é imatura, e o que ela mais teme é ser abandonada de novo. Agora que desenvolveu ainda mais sentimentos por você, esse medo se intensificou.
De repente, Miguel sentiu algo gelado tocando seu rosto. Olhou para cima e logo a sensação se repetiu. Enquanto a chuva começava a molhá-lo, ele disse:
— Eu não vou abandonar ela. Afinal... — Miguel sorriu sem jeito. — Ela é uma das minhas mulheres, não é?
O coração de Mia disparou. Havia uma insinuação implícita na afirmação, e isso a fez corar. Nina olhou de um lado para o outro, observando tanto Miguel, que olhava gentilmente para Mia, quanto Mia, que evitava o contato visual com ele.
No silêncio do momento, Samira apareceu na entrada do telhado, com um guarda-chuva transparente em mãos. Ela correu até Miguel e o abriu.
— Você ainda está se recuperando, não pode ficar pegando chuva. — Samira sorriu para ele. A estrutura do guarda-chuva pulsava em um tom de cereja, iluminada por luzes de LED na armação.
Miguel assentiu. Enquanto a chuva ficava mais forte, o cenário se tornava melancólico, mas impressionantemente magnífico. A fumaça da cidade se misturava à neblina da chuva, e a cintilação do vermelho do guarda-chuva fazia Samira parecer uma visão saída de um sonho.
Seus cabelos vermelhos, soltos, combinavam com o tom pulsante do guarda-chuva, e seus lábios delicados, levemente franzidos em um sorriso cativante, contrastavam com os olhos amendoados, astutos e curiosos.
Miguel se aproximou dela gentilmente e a abraçou com carinho. Samira ficou um pouco surpresa, mas o calor e o cheiro dele logo a fizeram relaxar, e, sem dizer uma palavra, ela retribuiu o abraço. Foi um momento íntimo, leve e puro.
Percebendo a situação, Nina rapidamente puxou Mia dali. Ela não queria atrapalhar o momento e, além disso, não queria que sua amiga ficasse com ciúmes.
***
Ao cair do anoitecer, as luzes de neon do lado de fora preenchiam o quarto de Samira com tons de rosa, roxo e vermelho. As cores pulsavam suavemente pelas paredes, projetando sombras dançantes sobre as prateleiras cheias de pelúcias e outros brinquedos fofos. O cheiro doce de baunilha e algo floral permeava o ambiente, uma combinação que trazia um contraste quase irônico ao mundo frio e mecânico da cidade lá fora.
Samira estava ajoelhada sobre Miguel, suas mãos se movendo com cuidado enquanto trocava os curativos nas costas dele. Ele permanecia de bruços na cama, os lençóis amassados sob o peso de seu corpo.
— Não está doendo? — ela perguntou, os dedos passando delicadamente pelos ferimentos.
Se Miguel fosse um humano normal, já estaria morto. Mas devido ao Parasita Primordium em seu corpo, sua resistência e regeneração estão muito além das de um humano comum.
— Não muito. Já passei por coisas piores. Esses machucados não são nada.
— Oh... é mesmo? — Samira arqueou uma sobrancelha, surpresa. Terminando de remover os curativos antigos, ela observou os quatro buracos profundos nas costas dele. A visão a fez prender a respiração por um instante. Pegando uma pomada, ela esfregou-a nas mãos antes de aplicá-la suavemente. — Já está quase cicatrizando... não me admira que esse parasita seja a coisa mais preciosa do mundo.
— Não é bem assim. Só ter o parasita não garante uma capacidade como essa. Eu precisei... pagar o preço.
Samira não podia entender totalmente o que Miguel disse, mas teve uma premonição, e isso, a deixou incomodada.
— Isso me faz pensar... como era sua vida cem anos atrás?
Miguel virou o rosto, buscando uma posição mais confortável. O olhar dele adquiriu um toque nostálgico, enquanto um sorriso leve curvava seus lábios.
— De certa forma, minha vida foi parecida com a sua — Ele falou calmamente.
Samira, que estava preparando as novas gazes, parou por um momento, intrigada.
— Eu não pude ir à escola. Não tive amigos. E só tive um lugar para chamar de lar depois dos dezesseis anos, mas isso não durou muito. — O sorriso em seu rosto tornou-se amargo. — Era só eu e minha mãe. Fomos perseguidos pela Farmacêutica Mendes. Eles não poupavam esforços para nos eliminar. Desde cedo, tive que aprender a sobreviver.
Samira ouvia em silêncio, suas mãos trabalhando mecanicamente para finalizar os curativos. Quando terminou, ela deu um tapa leve na bunda dele, provocando um sobressalto. Miguel riu com vergonha e se virou, agora deitado de costas. Ela permaneceu sobre ele, montada em seu colo. O momento íntimo parecia congelar o tempo, trazendo um raro conforto para ambos.
— Desde o momento em que te vi, senti que havia algo especial em você. — Samira inclinou-se levemente para frente, uma mecha carmesim de seu cabelo escorregando sobre o rosto. Ela ajeitou os fios com um gesto casual, mas seus olhos permaneciam fixos nos de Miguel. — Sei lá, seus olhos me enfeitiçaram. Eles são tão... únicos. Às vezes gentis, às vezes insondáveis, ou mesmo, inocentes... e às vezes cruéis, como os de um demônio.
— Você já viu um demônio? — Miguel perguntou em tom debochado, os lábios curvando-se num sorriso travesso.
— Idiota. — Samira mordeu a clavícula dele, arrancando uma risada baixa. A provocação fez com que ela desse um beliscão em sua cintura.
— Você é muito estranho. — Ela estreitou os olhos.
— Por quê? — Ele perguntou, suas mãos deslizando para a cintura dela, onde permaneceram firmes.
Samira não sabia quando o desejo havia se instalado, mas estava ali, latente. E a garota lutava contra ele, pois, queria saber mais sobre o garoto por quem estava tão apaixonada.
— É que... tipo... à primeira vista, você não parece forte, muito menos assustador. Parece mais um gatinho fofo. Você é lindo, não tem nenhum defeito no rosto ou no corpo. Seu cheiro é bom, o jeito como você fala, sua calma... — Ela sorriu, mordendo o lábio. — Hehe, e você é tão gostoso sem roupa.
Sem conseguir resistir mais, Samira inclinou-se e o beijou. Os dedos de Miguel traçaram caminhos por suas costas, cintura e coxas, fazendo-a quase perder o controle. Ela se afastou, mas não conseguiu romper completamente o momento.
— É como se você tivesse outras personalidades. Puta merda... você não é um daqueles doidos com várias personalidades, é?
Miguel gargalhou da expressão estúpida dela.
— Claro que não, eu apenas me ajusto ao momento. Como agora. Por que eu deveria ser cruel? Há uma garota linda na minha frente. Tudo o que eu preciso fazer é dar amor... e devorar cada pedaço dela.
Samira riu alto, empurrando o peito dele enquanto tentava disfarçar o rubor em seu rosto.
— Você está perdendo a timidez, hein? Hehehe.
Miguel corou, desviando os olhos por um momento. Situações como essa ainda o deixavam nervoso, por mais que tentasse disfarçar.
— Ahhh, olha só! Sua cara agora está tão fofa! Eu quero muito te morder, beijar, apertar! Você é tão lindo, Miguel! — A voz de Samira estava cheia de euforia.
Miguel ficou ainda mais vermelho, o que a deixou ainda mais animada. Entre risos e provocações, ela finalmente cedeu ao momento e se entregou por completo, enquanto as luzes de neon continuavam a piscar lá fora, banhando o quarto com uma aura de sonho e desejo.
***
Na sacada do terceiro andar do prédio, Samira se aninhava no colo de Miguel como um gatinho preguiçoso. A cidade ao redor pulsava em cores vibrantes: neons verdes, roxos e azuis refletiam nos vidros dos edifícios, enquanto o som distante de drones e propagandas holográficas preenchia o ar. De onde estavam, dava para ver a avenida principal, onde carros flutuantes e pessoas apressadas se misturavam em massa.
— Sabe o que mais me deixa curiosa sobre você? — Samira quebrou o silêncio, acariciando suavemente o rosto de Miguel.
Ele olhou para ela, arqueando uma sobrancelha. — O que?
— É que, com a vida que você teve... não seria mais natural você ser, sei lá, um cara mais assustador? Quero dizer, você não hesita em matar ou machucar quem fica no seu caminho, mas, no geral, sua imagem é tão... gentil. — Samira franziu o rosto, como se estivesse tentando resolver um enigma que a incomodava.
Miguel riu baixo. — Acho que sou assim porque, apesar de tudo, minha mãe conseguiu me dar todo o amor e carinho do mundo.
Samira piscou, surpresa com a resposta. A expressão dela suavizou, enquanto Miguel continuava:
— Minha vida não foi fácil, mas, mesmo nas dificuldades, minha mãe conseguiu criar momentos onde eu podia ser só uma criança.
Ele fez uma pausa, olhando para as luzes da cidade, a nostalgia pesando em sua voz.
— Ela era tudo para mim. Além de uma mãe. Era minha professora, minha amiga. A gente brincava quase todos os dias, ela contava histórias incríveis, fazia questão de cozinhar coisas deliciosas, dormia comigo pra me aquecer... pensando bem, ela me mimava bastante... Minha mãe é a pessoa mais forte e gentil do mundo. Ah, e também, a mais bela. Aquela foto gerada por IA nos cartazes de procurado, não chega perto de reproduzir sua beleza.
Os olhos de Samira brilharam, mas havia uma pontada de algo mais — inveja, talvez? Ela abriu um sorriso meio melancólico, tentando esconder o nó na garganta. Afinal, queria ter tido a chance de receber uma fração do amor de sua mãe...
— Ah! — Miguel pareceu lembrar de algo e sorriu. — Teve uma vez que eu até brinquei com outra criança da minha idade. Foi meio... inusitado como nos conhecemos, mas, depois disso, ela ficou com a gente por um mês.
— Sério? — Samira inclinou-se um pouco para frente, a curiosidade visível em sua expressão. — Quem era? Como ela era?
Miguel ajeitou Samira no colo. — A gente tinha treze anos. Ela era mais alta que eu. Tinha um cabelo louro que ia até a cintura, olhos azuis bem vivos, e... — ele deu uma risadinha sem graça — ... um sorriso que podia iluminar qualquer lugar.
Samira congelou por um segundo. — Uau... — disse ela, mas o tom da voz soou mais frio do que ela pretendia. — Você se lembra bem dela, hein, seu cachorro!
O sorriso de Miguel sumiu em um instante. Ele engoliu seco. — Não, calma aí, não é bem assim...
— Vamos, continua. — A voz de Samira tornou-se ainda mais cortante, e seus olhos, que antes estavam cheios de ternura, agora perfuravam Miguel como lâminas afiadas. — Quero saber mais sobre essa amiguinha sua.
Miguel suspirou, desconfortável, mas sabia que não ia escapar. — O nome dela era Teresa...